Pregões Incríveis: Ibovespa revive tensões de 2008 após corte em rating dos EUA

Em meio a cenário adverso Standard & Poor's cita risco político ao rebaixar nota e bolsas despencam ao redor do mundo

Fernando Ladeira

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SÃO PAULO – Na primeira sexta-feira (5) de agosto deste ano, quando as bolsas ao redor do mundo já encerravam suas negociações, uma notícia abalaria algumas ideias até então tidas como incontestáveis no mercado: desde então, os EUA não eram mais a referência de risco zero nos mercados internacionais, ao menos na visão da Standard & Poor’s. Não apenas isso, a economia do país poderia sofrer um novo corte em seu rating, já que a perspectiva foi mantida em negativa.

Assim, o Pregões Incríveis, série de reportagens da InfoMoney sobre momentos marcantes da bolsa, retorna alguns meses para registrar em detalhes o que aconteceu na sessão seguinte ao anúncio, quando o Ibovespa reviveu momentos semelhantes àqueles do auge da crise financeira de 2008. Com um cenário externo conturbado, o clima já era de aversão ao risco nos mercados internacionais, o que levava o Ibovespa a uma retração de 9,98% apenas nos quatro primeiros pregões de agosto.

Até então, o mercado se divida sobre a situação fiscal na Zona do Euro e a capacidade destes países conseguirem honrar com os seus compromissos – sendo que a Grécia figurava no centro das atenções após o acordo entre os líderes europeus, em 21 de julho, prever perdas de 21% aos credores.

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Contudo, o cenário econômico norte-americano também rondava o radar dos investidores, uma vez que o Congresso dos EUA adiava a votação sobre a ampliação do limite que o país poderia contrair em dívida pública, colocando em xeque a sua credibilidade perante os credores internacionais.

Na data-limite para a aprovação o Senado conecedeu o sinal verde, tendo como moeda de troca um plano para cortar o déficit do país em US$ 2,1 trilhões nos próximos dez anos. A decepção com o PIB (Produto Interno Bruto) do país no segundo trimestre também pressionava. Anunciado no final de julho, o número mostrava um avanço de 1,3%, inferior ao 1,7% esperado pelo mercado.

EUA perdem rating triplo A
“O nosso corte do rating foi induzido pela nossa visão quanto ao crescimento da carga da dívida pública e pela nossa percepção de uma maior incerteza sobre os formuladores de políticas”, justificou-se a agência de classificação de risco ao rebaixar a nota norte-americana de AAA para AA+ pela primeira vez na história.

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Anunciada antes do final de semana, a intenção era permitir que os investidores tivessem tempo para avaliar o impacto de tal decisão nos investimentos, muito controversa por conta do grande peso dado ao risco político, até então um fator não tão relevante na metodologia das agências de classificação de risco.

A Moody’s já havia se pronunciado sobre o rating do país – confirmando o triplo A -, ao passo que a Fitch ainda o mantinha em revisão. Caso esta seguisse a S&P e anunciasse um corte, o impacto seria muito maior nos mercados, uma vez que diversos fundos de investimentos, inclusive os de pensão, possuem em suas regras investir apenas em ativos que possuem a nota máxima por ao menos duas das três maiores agências de classificação de risco nos EUA.

Revivendo pregões de 2008
Foi em meio a esse cenário que o Ibovespa deu início às negociações na segunda-feira seguinte em queda de cerca de 3,00% logo nos quinze minutos iniciais de pregão, em uma sessão na qual nenhuma ação do índice terminaria no campo positivo.

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Mas retração alguma se compara àquela acumulada pelas ações da Marfrig (MRFG3), as quais desabaram 24,8%, aos R$ 9,02. A razão para uma queda tão acentuada se tornou desconhecida por analistas, mas boatos sugeriam que um fundo alavancado estaria se desfazendo de sua posição na empresa, fato que contribuiu para chamar ainda mais a atenção dos investidores naquele 8 de agosto, quando o Ibovespa encerrou em queda de 8,08%.

Os demais papéis não marcavam comportamento tão anormal quanto os da Marfrig, mas a trajetória negativa do Ibovespa não era de se desprezar, relembrando os pregões da crise financeira de 2008, quando o desempenho no intraday forçava a BM&F Bovespa a acionar o Circuit Breaker, mecanismo que suspende as negociações por 30 minutos quando o benchmark alcança queda de 10%.

Com uma oscilação de 5.145 pontos durante o pregão, o índice chegou a atingir um declínio de 9,74% por volta das 16h00 (horário de Brasília). A última vez que o Circuit Breaker se mostrou necessário foi em 22 de outubro de 2008, quando resultados corporativos nos EUA, como o do Wachovia, decepcionavam as expectativas e a Argentina anunciava a intenção de nacionalizar os fundos de pensão privada do país. 

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Fuga de estrangeiros
Com um volume de R$ 9,6 bilhões, ante a média diária de R$ 6,42 bilhões no ano, a trajetória negativa do Ibovespa era pressioanda, em certa medida, pela fuga do investidor estrangeiro. Conforme dados da própria BM&F Bovespa, após compras de R$ 3,26 bilhões e vendas de R$ 3,54 bilhões, os investidores estrangeiros retiraram da bolsa R$ 281 milhões apenas naquele pregão, compensando parte dos aportes de R$ 671,2 milhões que acumulavam no ano até o fechamento de 5 de agosto.

Por falar neles, os mercados internacionais também não escaparam ilesos ao corte no rating norte-americano. Na Europa, o sinal vermelho também predominava nos pregões, sendo que os índices CAC 40, da bolsa de Paris, e DAX 30, da de Frankfurt, registraram perdas de 4,68% e de 5,02%, respectivamente. Nos EUA, o destaque ficou por conta da retração de 6,90% do índice Nasdaq e de 6,66% do S&P 500, este no maior tropeço desde dezembro de 2008.