Após tropeços do governo, Previdência pode ser aprovada sem “jabutis” na CCJ até quarta-feira

Pelas discussões entre os parlamentares, ao menos quatro pontos devem ser excluídos do texto já nesta etapa preliminar. Mudanças não têm impacto fiscal relevante, mas dão novo recado político a Bolsonaro

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Após mais uma semana de atraso em relação ao calendário inicial do governo, a proposta de reforma da Previdência volta a ser discutida no parlamento, com possibilidade de votação do relatório do deputado Delegado Marcelo Freitas (PSL-MG), com ajustes, na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara dos Deputados nesta semana. A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) completou, no último sábado (20), dois meses desde que foi apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) ao Congresso Nacional e até o momento patina em sua tramitação.

Em meio à obstrução da oposição e à resistência de congressistas do chamado “centrão”, o governo se viu forçado a ceder e já começar a negociar pontos do texto que seria votado. Os ajustes deverão ser apresentados como complementação de voto pelo relator e a tendência é que não tragam grandes modificações sobre a proposta original em termos de impacto fiscal. Ainda assim, podem ser interpretadas como sinal de insatisfação dos parlamentares com o modelo de articulação política até o momento adotado pelo governo.

Pelas discussões entre os parlamentares, ao menos quatro pontos (chamados pelos deputados de “jabutis“) devem ser excluídos do texto já nesta etapa preliminar, em que em tese se discute apenas a constitucionalidade da matéria. São eles: o fim do pagamento de multa de 40% sobre o FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para aposentados; a possibilidade de se alterar a idade máxima da aposentadoria compulsória para ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) por projeto de lei complementar; a exclusividade de a Justiça Federal do Distrito Federal para julgar processos contra a reforma; e a iniciativa privativa do Poder Executivo para propor mudanças futuras na Previdência. A desconstitucionalização também pode entrar na lista.

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Outras questões mais sensíveis para a equipe econômica seguem em avaliação. É o caso da limitação do pagamento do abono salarial ao trabalhador que recebe até um salário mínimo, com economia estimada em R$ 150 bilhões em dez anos. Tal proposta deve ser analisada mais a fundo na segunda etapa da tramitação da PEC, em comissão especial, onde serão debatidas as questões de mérito.

Nesta segunda fase também deverão ficar pelo caminho mudanças propostas para o BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago deficientes e idosos de baixa renda, e para as aposentadorias rurais. A introdução de um regime de capitalização também está na mira dos deputados, assim como a idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres e as regras de transição. Do lado dos regimes próprios, grupos organizados de servidores também buscam desidratar a proposta em discussão, seja para regras gerais, seja para regimes especiais, como de professores e policiais.

“Os partidos não se sentem suficientemente governo para defender uma proposta tão impopular quanto a da Previdência. Eles estão convencidos da urgência e da necessidade da reforma, mas forçarão o governo a escolher um dos caminhos: aprovar rapidamente sem muita desidratação ou aprovar lentamente com ajustes significativos no texto”, observam os analistas da consultoria Arko Advice.

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Para eles, até que a reforma chegue ao plenário, o governo receberá uma série de recados dos parlamentares ao longo da tramitação da proposta na casa legislativa e em votações de outras matérias, como medidas provisórias cujo prazo de validade se aproxima.

Enquanto a tramitação da reforma previdenciária se distancia do calendário ideal para o governo, ampliando-se a probabilidade de conclusão de tramitação na Câmara dos Deputados apenas no segundo semestre, o mercado começa a precificar riscos crescentes de aprovação de um texto desidratado. Na medida em que se esvaem capital político e popularidade de Bolsonaro, cresce a percepção de que mais concessões no texto terão de ser feitas para que se chegue ao apoio de 3/5 dos membros das duas casas legislativas (308 deputados e 49 senadores) em dois turnos de votação.

“A aprovação na Câmara no primeiro semestre tornou-se bastante improvável. É possível que ocorra em agosto, mas não será difícil deslizar para setembro. Mesmo assim, mantemos o cenário de aprovação final neste ano. A tramitação no Senado tende a ser menos turbulenta e bem mais rápida do que na Câmara. Dois meses de tramitação no Senado – onde, é bom lembrar, a PEC terá que passar apenas por uma comissão (a CCJ) antes de ser votada no plenário – nos parece um prazo exequível”, avalia Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores.

Enfim, o primeiro passo

Após o último tropeço e de concessões negociadas entre governo e “centrão”, a CCJC deve concluir a análise do parecer sobre a reforma nesta semana. Depois da obstrução dos últimos dias, parlamentares do centro têm mostrado disposição em concluir a apreciação do texto até quarta-feira (24).

A oposição, porém, deve tentar uma nova obstrução, pedindo mais tempo para discutir o tema, já que modificações no relatório serão apresentadas pelo deputado Marcelo Freitas. O pedido deverá ser para que seja concedido um novo pedido de vista, que dificilmente será aceito pelo presidente do colegiado, o deputado Felipe Francischini (PSL-PR).

Outra estratégia dos contrários à proposta será usar como argumento o fato de parte dos estudos e pareceres técnicos do Ministério da Economia que embasaram a proposta estarem sob sigilo, conforme mostrou reportagem do jornal Folha de S.Paulo no domingo (21).

Mesmo assim, as expectativas dos analistas políticos são de que o texto seja votado na CCJC ainda nesta semana, o que levará a proposta para sua segunda etapa de tramitação, em comissão especial. É lá que o risco de desidratação começa a se mostrar e o governo deverá enfrentar seus maiores obstáculos para aprovar a medida. O maior desafio, porém, está no próprio plenário, onde a necessidade de quórum aumenta.

“Se a etapa da comissão pode reduzir o alcance da reforma, a etapa do plenário pode ser ainda mais nociva à proposta. Caberá ao governo conseguir os 308 votos para todas as votações, tanto em relação ao texto principal quanto em relação aos destaques supressivos. A oposição, mesmo em menor número, pode ganhar votações sem obter maioria. Dessa forma, o risco de uma reforma desidratada é real”, observam os analistas da Arko Advice.

A consultoria de risco político Eurasia Group, por sua vez, atribui probabilidade de 45% para a aprovação de uma reforma previdenciária com impacto fiscal entre R$ 400 bilhões e R$ 600 bilhões em dez anos. O centro das estimativas da consultoria é de R$ 518,3 bilhões. Isso significa uma perda de cerca de R$ 640 bilhões da proposta encaminhada pelo governo ou de R$ 564 bilhões, considerando o texto mais brando para os militares do que o inicialmente indicado pela equipe econômica.

Para Thiago Vidal, da Prospectiva Consultoria, caso o nível de diluição do texto original seja muito elevado e a proposta encontre dificuldades para avançar, é possível que o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), “tire da gaveta” a PEC encaminhada pelo governo de Michel Temer. “É um plano B se o ambiente ficar hostil”, disse em entrevista à Bloomberg. A atual versão do texto tem economia prevista de R$ 690 bilhões em dez anos.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.