Previdência: Histórico indica tramitação demorada para reforma de Bolsonaro na Câmara

Detalhes da proposta a ser enviada pelo governo ao parlamento serão conhecidos na próxima quarta-feira (20)

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O pontapé inicial do governo de Jair Bolsonaro (PSL) na reforma da Previdência agradou os agentes econômicos, com a confirmação de uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres ao final de um período de transição de até 12 anos. A expectativa é que a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) seja encaminhada ao Congresso Nacional na próxima quarta-feira (20), onde o jogo político em busca de apoio sem desfigurações no texto original começa a acontecer. Para entrar em vigor, a medida precisa ser aprovada por 3/5 de cada casa legislativa em dois turnos de votações.

Ontem (14), o Ibovespa registrou uma disparada de 1.000 pontos em 4 minutos logo após o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho, anunciar a versão da reforma avalizada por Bolsonaro. O benchmark do mercado acionário brasileiro encerrou o dia em alta de 2,27%, a 98.015 pontos, depois de chegar a cair 0,97% na mínima intradiária. O potencial de impacto fiscal da proposta agradou os investidores, que agora passam a torcer pelo mínimo de alterações possível no texto ao longo de sua tramitação no parlamento.

Pelo Regimento Interno da Câmara dos Deputados, casa em que será apreciada primeiro, a PEC inicia sua tramitação na CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), colegiado composto por 66 membros e que deverá ser presidido por um deputado novato do PSL. A comissão deliberará, em um prazo de cinco sessões, sobre a admissibilidade da matéria, que depois é devolvida à mesa diretora com o respectivo parecer.

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Admitida a proposta, o presidente designará comissão especial para o exame do mérito, a qual terá o prazo de quarenta sessões, a partir de sua constituição para proferir parecer. Deputados poderão apresentar emendas nas primeiras dez sessões. Feita a publicação do parecer e depois de um interstício de duas sessões, a proposta será incluída na Ordem do Dia.

Em plenário, o texto será submetido a dois turnos de discussão e votação, com interstício de cinco sessões. Para ser aprovado, é necessário apoio de 3/5 dos deputados, em dois turnos de votação nominal. Passado esse trâmite, a proposta seria encaminhada ao Senado Federal.

As expectativas do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), são que o plenário analise o tema até a segunda quinzena de maio. Já Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, prefere não delimitar prazos, mas promete celeridade quando o texto chegar. No mercado, há quem acredite na aprovação completa da reforma antes mesmo do recesso parlamentar, em meados de julho. A visão é otimista, considerando o histórico de tramitação da PECs.

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“Reformas constitucionais têm tramitação longa. A regra é uma demora considerável na tramitação da matéria, por conta de uma série de ritos que são bastante demandantes. Há diversos estágios polarizadores, com desgaste, demandam uma condução política bastante significativa”, observa Rafael Cortez, analista político da Tendências Consultoria Integrada.

Para ele, as chances de a proposta encerrar tramitação na Câmara dos Deputados ainda no primeiro semestre são minoritárias. “Embora exista uma janela de oportunidade para a aprovação da Previdência, é um processo mais difícil do que esperam os mercados. Há um risco de que a tramitação da Previdência seja mais demorada do que sugerem o discurso oficial e as expectativas dos agentes econômicos”, pontua.

Em comparação com outras proposições legislativas, emendas constitucional têm baixo nível de apreciação e aprovação por ano na Câmara dos Deputados. De acordo com relatório de atividades da casa, em 2017 (ano do último documento divulgado), o plenário avaliou 1.001 matérias, sendo apenas 6 emendas constitucionais. No período, foram 70 projetos de decreto legislativo, 49 projetos de lei e 31 medidas provisórias aprovadas.

A tabela apresenta estatísticas das PECs na Câmara dos Deputados
Ano PECs registradas na Câmara PECs aprovadas em plenário PECs rejeitadas em plenário PECs encaminhadas pelo Poder Executivo PECs do Poder Executivo aprovadas*
2017 97 5 1 0 0
2016 116 4 0 2 1
2015 185 9 0 4 0
2014 75 7 0 0 1
2013 140 9 1 0 0
2012 105 6 0 0 0
2011 135 2 0 2 1
2010 77 2 0 0 0
2009 134 7 0 1 0
2008 104 3 0 2 0
2007 216 3 0 5 1

* Algumas PECs de autoria do Poder Executivo levaram mais de um ano para serem aprovadas em plenário
Fonte: Câmara dos Deputados | InfoMoney

“Reformas constitucionais são feitas para serem de difícil aprovação. A da Previdência, pela origem do tema, vem com dificuldade para além do normal. É factível imaginar que cada casa tome um semestre para analisar a proposta”, projetam os analistas políticos da XP Investimentos.

Os especialistas da XP organizaram um levantamento do histórico de tramitação de todas as PECs aprovadas pela Câmara dos Deputados desde 1995. Foram analisadas 80 PECs que passaram por todas etapas requeridas na casa legislativa. Utilizando a mediana para calcular os prazos, as proposições levam 97 dias para serem aprovadas na CCJC, 71 dias na Comissão Especial e outros 42 dias até a votação em primeiro turno no Plenário. A imagem abaixo resume os resultados da pesquisa:

pecs

“Nem todas as PECs possuem a mesma magnitude [algumas foram lideradas por parlamentares isolados com motivação em interesses locais]. Por isso, esperamos que a tramitação da proposta de Bolsonaro demore pouco menos do que mostra o levantamento na CCJC e na Comissão Especial. No entanto, é possível que seja necessário mais tempo para a primeira votação em plenário. Nas expectativas do governo e de Rodrigo Maia, os prazos são ainda mais curtos. Fica claro, porém, que propor e aprovar uma PEC é um processo criado para não ser trivial”, afirmam.

A tabela abaixo detalha a tramitação das três PECs de autoria do Poder Executivo aprovadas pelo plenário da Câmara dos Deputados. Isso não significa que foram as únicas reformas constitucionais patrocinadas pelos governos em exercício nos últimos anos. Algumas vezes, a estratégia adotada é de endossar proposições de autoria dos congressistas, já em tramitação no parlamento.

Tramitação das três PECs de autoria do Poder Executivo aprovadas pela Câmara dos Deputados
Proposição Detalhes Apresentação Na CCJC Em comissão especial Em plenário (1º turno) Em plenário (2º turno) TOTAL
PEC 241/16 Teto de gastos 15/06/2016 53 dias (de 17/06/2016 a 09/08/2016)* 56 dias (de 11/08/2016 a 06/10/2016) 1 dia (de 10/10/2016 a 10/10/2016) 14 dias (de 11/10/2016 a 25/10/2016) 132 dias
PEC 103/11 Prorrogação da Zona Franca de Manaus 16/11/2011 139 dias (de 23/11/2011 a 10/04/2012)* 196 dias (de 19/03/2013 a 01/10/2013)* 168 dias (de 02/10/2013 a 19/03/2014)* 76 dias (de 20/03/2014 a 04/06/2014) 1093 dias
PEC 61/11 Prorrogação da DRU 03/08/2011 35 dias (de 16/08/2011 a 20/09/2011) 28 dias (de 22/09/2011 a 20/10/2011) 15 dias (de 25/10/2011 a 09/11/2011) 8 dias (de 14/11/2011 a 22/11/2011) 111 dias

* O tempo calculado inclui períodos de recesso parlamentar.
Fonte: Câmara dos Deputados | InfoMoney

A última PEC de autoria do Poder Executivo aprovada pelos congressistas foi a que estabeleceu um limite para o crescimento dos gastos públicos – que ficou conhecida como “emenda do teto”. Este foi um dos primeiros movimentos de Michel Temer ao assumir a presidência após o impeachment de Dilma Rousseff. O texto levou 132 dias para ser aprovado, em uma tramitação considerada relativamente rápida por alguns analistas, mas carrega diferenças importantes para o atual caso da Previdência.

“A PEC do Teto foi aprovada com razoável rapidez, mas em circunstância muito excepcional: havia coesão das forças que apoiaram o impeachment, foi uma resposta ao processo traumático que foi. E o desenho constitucional do teto facilitou a discussão, por não estabelecer os perdedores de saída”, compara Cortez.

Particularidades da Previdência

A expectativa é de que o texto da reforma previdenciária seja enviada pelo governo ao Congresso Nacional na próxima quarta-feira (20). A proposta, porém, pode ter sua tramitação iniciada somente após o Carnaval, já que as comissões permanentes ainda precisam ser instaladas e seus respectivos presidentes designados, processo que alimenta disputas políticas e demanda tempo para acordos.

Na CCJC, por exemplo, quatro deputados disputam o comando: Bia Kicis (PSL-DF), Felipe Francischini (PSL-PR), Coronel Tadeu (PSL-SP) e Marcelo Freitas (PSL-MG). A comissão é considerada a mais importante da Câmara, por apreciar sobre todas as matérias que chegam à casa. Sua presidência é naturalmente muito cobiçada pelos parlamentares.

Além das exigências regimentais, fatores políticos são decisivos para o andamento de PECs no parlamento. “Os fatores que reduzem o tempo de tramitação e discussão [das proposições] começam na política. Começam na definição de uma prioridade da matéria [pelo governo e congressistas] e de construção partidária, não são bancadas temáticas e pressão popular”, explica Cortez.

Para ele, até o momento o bolsonarismo não conseguiu transformar a onda antipetista em coesão legislativa. Além disso, vale chamar atenção para o risco de, pelo fato de emendas constitucionais terem tramitação mais longa, prioridades do governo serem modificadas e agendas conflitivas ganharem espaço ao longo do tempo. Conflitos políticos influenciam diretamente no ritmo de propostas no parlamento.

“Há uma questão a se observar que é o quanto o texto está alinhado dentro da coalizão. Uma das coisas que pouco se presta atenção é que o processo legislativo serve para a coalizão alinhar suas divergências”, explica o analista político Vítor Oliveira, diretor da consultoria Pulso Público.

Para ele, o governo ainda precisa aparar muitas arestas para fazer avançar a reforma previdenciária. “É possível tramitar rápido, mas não me parece nem que o governo está coeso por trás desse texto que virá, o que dirá uma maioria para aprovar. Vão ter que negociar ponto a ponto”, avalia.

Por ser tema polêmico e divisivo, sobretudo em suas especificidades, a reforma da Previdência apresenta dificuldades adicionais de tramitação. Tais desafios foram enfrentados por diversos governos ao longo dos últimos anos. Alguns conseguiram implementar mudanças mais e menos ambiciosas no sistema, outros não atingiram o mesmo resultado.

Comparativo entre o tempo de tramitação das reformas de FHC, Lula e Temer
Proposição Governo Apresentação à Câmara Na CCJC Em comissão especial Em plenário (1º turno) Em plenário (2º turno) TOTAL
PEC 287/2016 Michel Temer 05/12/2016 7 dias (de 07/12/2016 a 14/12/2016) 90 dias (de 09/02/2017 a 10/05/2017) 156 dias*
PEC 40/2003 Lula 30/04/2003 30 dias (de 06/05/2003 a 05/06/2003) 42 dias (de 11/06/2003 a 23/07/2003) 8 dias (de 05/08/2003 a 13/08/2033) 13 dias (de 14/08/2003 a 27/08/2003) 119 dias
PEC 33/1995 Fernando Henrique Cardoso 28/03/1995 28 dias (de 30/03/1995 a 27/04/1995) 149 dias (de 12/09/1995 a 08/02/1996)** 127 dias (de 13/02/1996 a 19/06/1996) 21 dias (de 26/06/1996 a 17/07/1996) 477 dias**

* A proposição não chegou a ser votada em plenário por falta de apoio parlamentar.
** O tempo calculado inclui períodos de recesso parlamentar. Durante a tramitação da proposição em comissão especial, houve 41 dias de paralisação nos trabalhos.
Fonte: Câmara dos Deputados | InfoMoney

A tramitação de PECs é diferente nas duas casas legislativas. O maior desafio em termos regimentais, no entendimento de Oliveira, está na Câmara dos Deputados. O especialista acha difícil concluir votações na casa antes do recesso de julho.

Ele estima que apenas na CCJC o texto leve 1 mês, a contar da instalação da comissão. Depois, os desafios aumentam na comissão especial, onde estão previstas audiências públicas, apresentação de pareceres e uma disputa regimental entre procrastinação e manobras.

“Seria bom [para o governo] se saísse da comissão especial ainda no primeiro semestre. Sair da Câmara no primeiro semestre seria uma vitória retumbante”, projeta Oliveira. Para isso acontecer, o governo teria à disposição cerca de 130 dias, contados após o Carnaval. Seria uma tramitação um pouco mais longa do que a da reforma previdenciária aprovada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um cronograma preparado pela consultoria Arko Advice, divulgado pelo analista político Lucas de Aragão em sua conta no Twitter, indica que, atendendo ao rito e sem manobras regimentais para pular etapas ou atrasar o processo, a proposta poderia ser aprovada em segundo turno na primeira quinzena de junho.

Veja a íntegra do calendário:

Enquanto muito se especula sobre as condições de o governo conduzir a pauta da reforma previdenciária com a celeridade desejada pelos agentes econômicos, uma das poucas certezas do momento é que há pouca margem para erros por parte do Palácio do Planalto. O calendário apertado exige atenção dobrada.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.