Mercado é o maior prejudicado com investigações contra aliados de Bolsonaro

Para analista político Leopoldo Vieira, se houver desestabilização do novo governo pelos fatos recém-apresentados, agenda de reformas econômicas pode ser a primeira vítima

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Dos quatro grupos (agronegócio, evangélicos, militares e setor financeiro) que ganharam força com a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), o mercado é provavelmente o mais afetado pelas acusações e investigações contra nomes próximos ao presidente eleito. Menos por possíveis envolvimentos e mais pelo risco de tais fatores provocarem um escanteamento de pautas defendidas pelos atores econômicos, este grupo pode ficar em posição vulnerável dependendo da evolução dos acontecimentos recentes. É o que avalia o analista político Leopoldo Vieira, da consultoria Idealpolitik. O especialista participou do último programa Conexão Brasília, transmitido na sexta-feira (7).

Na semana passada, o jornal O Estado de S.Paulo lançou luz sobre um relatório produzido pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) em desdobramento da Operação Lava Jato no Rio sobre movimentações financeiras suspeitas de assessores de deputados da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro). O documento indicou, entre diversos casos, operações atípicas de José Carlos de Queiroz, um ex-assessor do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), que é filho de Jair Bolsonaro e senador eleito. Diz o órgão que as movimentações somaram R$ 1,2 milhão em um intervalo de um ano. Uma das transações teria sido um cheque de R$ 24 mil destinado à futura primeira-dama, Michele Bolsonaro.

Há indicações de saques precedidos de depósitos de valores no mesmo patamar, indícios de movimentações características de contas de passagem, na qual o destinatário do valor creditado não é seu titular, mas até o momento não foi apontada nenhuma ilegalidade. O presidente eleito diz que os recursos pagos a sua esposa referem-se à quitação de uma dívida com, mas que foram depositados na conta de Michele porque ele não tem “tempo de sair”. Ainda há uma série de questionamentos em aberto sobre a origem dos recursos, os motivos do pagamento e os vínculos entre Queiroz e a família Bolsonaro.

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Mas este não é o único caso que coloca nas cordas nomes próximos ao presidente eleito antes mesmo do início do mandato. Na semana passada, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), futuro ministro-chefe da Casa Civil, tornou-se alvo de uma investigação aberta no STF (Supremo Tribunal Federal) por suspeita de caixa dois, a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República). O parlamentar foi apontado em acordos de delação da JBS como beneficiário de dois repasses de R$ 100 mil não declarados como doações de campanha, em 2012 e 2014.

Outro a entrar na mira das autoridades é Paulo Guedes, futuro ministro da Economia. O guru do futuro governo é alvo de inquérito instaurado pela Polícia Federal para apurar se ele cometeu irregularidades na gestão financeira de fundos de investimento. Já a escolhida para comandar a pasta da agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), foi citada por delatores da JBS em acordo de colaboração para uma investigação sobre incentivos fiscais concedidos pelo governo do Mato Grosso do Sul, durante sua atuação como secretária de desenvolvimento agrário e produção. No momento da autorização da operação, ela arrendava uma propriedade rural à processadora de proteína animal.

O futuro ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), é investigado por suposta fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois na implementação de um sistema de informatização da saúde em Campo Grande (MS), durante sua atuação como secretário. A suspeita é de que ele tenha atuado na contratação de empresas em troca de favores em campanha eleitoral.

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“Para um governo eleito com o vetor da anticorrupção, esse tema também é um calcanhar de aquiles”, observou. “A nova governabilidade que Bolsonaro tenta praticar, de fazer uma composição pelas bancadas temáticas, tem funcionado pelo menos na opinião pública, mas certamente desagrada setores importantes do sistema político, que saiu derrotado nas urnas. Esse desgosto pode fazer com que essas denúncias sejam utilizadas não só do ponto de vista jurídico contra a gestão, mas do ponto de vista político mesmo, de fazer a gestão sangrar, se desmoralizar perante seu eleitorado mais cativo, como aconteceu com o PT [em 2005, com o mensalão]. Pode haver abertura de CPIs, setores mais incomodados do DEM, MDB, PSDB e centrão podem fazer corpo mole e deixar as investigações dessas comissões se desenvolverem”.

Conforme lembra o analista, Bolsonaro não pode aceitar ser visto por seu eleitorado como figura associada ao jogo tradicional de Brasília, dadas as circunstâncias em que construiu sua imagem junto à opinião pública e foi eleito, o novo presidente poderia perder identidade. Desta forma, quaisquer fatores que provocarem atritos com o Congresso hiperfragmentado podem empurrar o novo governo a articulações convencionais. Esse é um dilema que pode pôr em risco pautas mais complexas da agenda da futura gestão, sobretudo aquelas vinculadas com o campo econômico, que demandam maior capital político e têm custos mais elevados em termos de popularidade.

“Se houver desestabilização por conta dessa situação jurídica, o governo não vai ter ter alternativa senão apostar em pautas populistas, como a agenda conservadora nos costumes, também um dos estandartes de sua campanha. Outra opção é ele pesar a mão nas investigações anticorrupção contra o restante do sistema político, de repente até contra a imprensa”, pontuou Vieira. Para ele, caso haja um reforço da segunda pauta, a tendência é um acirramento no conflito entre Lava Jato e sistema político, tão presente antes e durante as eleições deste ano. Com isso, a pauta do mercado naturalmente perde espaço.

“O governo pode não exatamente entrar em paralisia. Ele pode desidratar em popularidade e ter que percorrer o caminho de outra agenda, mais populista, escanteando uma agenda de reformas. Quem vai perder com tudo isso vai ser quem aposta que ele vai promover essas reformas estruturantes como carro-chefe da gestão”, argumentou o analista político.

“É um caminho que o mercado já tem que olhar com atenção, não como bravata. Bolsonaro é de uma força política nova, que ganhou com muita veemência a eleição. Então, provavelmente ele não vai queimar sua lua de mel para aprovar um tema em que saia como o único desgastado. Não é um tema simples, porque é um desidratador de popularidade, é um tema que permite à oposição facilmente se reposicionar. Bolsonaro não deve cogitar desconstruir sua popularidade em nome dessa entrega”, explicou. Sobretudo quando se observa importantes avanços de sua imagem também junto a grupos de eleitores que davam corpo à base lulista.

Na avaliação de Vieira, Bolsonaro foi eleito sobretudo com a necessidade de entregar resultados do ponto de vista da agenda anticorrupção, o que pode, ao menos do ponto de vista eleitoral, reduzir suas responsabilidades em uma pauta econômica calcada na reforma previdenciária, independentemente das consequências de eventual fracasso.

“Ele efetivamente precisa mostrar uma agenda contra a corrupção e se blindar de ser alvo desta própria agenda. No mais, como foi eleito pela onda da antipolítica e rejeição ao establishment, ele vai apresentar suas propostas ao Congresso, mas não precisa sair com elas aprovadas, porque, se o Congresso não aprovar, a culpa é do velho sistema político. Se aprovar, a iniciativa foi dele e o ponto é dele”, avaliou o especialista. Ou seja, a despeito dos esforços da nova equipe econômica em avançar com a pauta da reforma da Previdência, o mercado teria motivos para se preocupar com as condições para a aprovação da medida.

Outro tema abordado no programa foi o papel do ex-juiz federal Sérgio Moro no futuro governo, assumindo o comando de um “superministério” na Justiça. Para Vieira, o ex-magistrado poderá influenciar, direta ou indiretamente, na construção de governabilidade da próxima gestão. “A Lava Jato chegou ao poder, tanto com a vitória de Bolsonaro, quanto com a ida de Moro. Ele leva pelo menos as alas mais fisiológicas ou mais acostumadas à política tradicional, ao presidencialismo de coalizão ou cooptação, a pensarem duas vezes antes de reproduzir aquele comportamento com o Poder Executivo e sobretudo de se organizar para desestabilizar a gestão. A presença de Moro é um elemento dissuasivo nesse terreno. Já no campo econômico, a agenda anticorrupção também tem um papel de passar bons sinais ao mercado”, explicou.

“A questão é até que ponto ele deixa de ser um elemento dissuasivo do velho jogo de Brasília para se tornar algo proativo. Nesse provável cenário em que denúncias contra Paulo Guedes, Onyx etc. ganham corpo no Congresso com CPI impulsionada pela oposição, corpo mole do centrão e a imprensa cobrindo, a reação do governo por meio do Ministério da Justiça vai se dar antes para impedir que essa situação de desestabilização aconteça ou vai se dar a posteriori, em um clima de guerra campal já estabelecido? Esse é o xis da questão: quando a agenda anticorrupção de Moro começa a ser implementada com intensidade?”, questionou.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.