Eleições manuais no mundo digital

O debate político brasileiro retornou celeremente para os padrões dos anos 1950

Francisco Petros

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Em pouco menos de oito semanas ocorrerá a votação na eleição de 2018. Do presidente ao deputado estadual pensamos que decidiremos o destino do país. Interessante que, a despeito do mandato formal de quatro anos, essa eleição extrapolará o seu próprio tempo: os desafios para o Brasil superam a aparente superfície eleitoral.

Correm mundo afora alguns macroprocessos de fundamental relevância para o desenvolvimento brasileiro. Enquanto nos debruçamos sobre as análises primárias dos principais temas do Brasil, alguns macroprocessos mundiais indicam que o Brasil poderá se distanciar ainda mais das chances de se tornar razoavelmente desenvolvido.

De forma geral, não podemos nos queixar de que a conjuntura mundial não tenha favorecido o Brasil nesse tempo em que nos engabelamos com processo de impeachment, a assunção de um governo fraco por dentro e por fora e pela ausência de reformas estruturais. Ademais, vimos o poder ser ocupado pela presença do Judiciário que acrescentou tensão ao ambiente rarefeito de condições para a prosperidade. O Brasil é uma ilha conflagrada por crises institucionais e estruturais. Não temos qualquer chance de, a partir dessa base frágil, engendrar desenvolvimento econômico e social. Reconhecer essa realidade seria o primeiro passo para a elástica mudança que necessitamos. Preferimos tapar os olhos.

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No âmbito mundial vê-se a inflação sob estrito controle das autoridades monetárias, certa sustentabilidade fiscal baseada no sólido crescimento das principais economias centrais, embora restem riscos no longo prazo, estabilidade razoável das relações entre as principais moedas e ganhos salariais modestos frente ao retorno do capital, mas contínuos, sem grandes variações na taxa de emprego. Ou seja, o mundo em nada atrapalhou o Brasil, durante o período onde nos martirizamos em praça pública.

Ocorre que perante essa conjuntura afável alguns macroprocessos escavam a vala que separa o país do mundo desenvolvido. As economias centrais e também algumas mais periféricas estão cada vez mais digitais. O padrão industrial 4.0 está se espalhando pelo mundo o que provoca alterações rápidas não somente na taxa de produtividade, mas também em seu padrão: os instrumentos de gestão macroeconômica se convertem em apenas um meio cada vez mais parcial de alteração da produtividade. A revolução microeconômica necessita e promove novas formas de se investir e consumir sob variáveis cada vez mais difíceis de serem controladas pela política econômica, digamos, “tradicional”. Um passeio nas regiões industriais da China ou no Vale do Silício dão indicações de como caminha a humanidade…

De outro lado, nunca esteve tão intensa, desde a criação das entidades multilaterais no pós-II Guerra, a guerra comercial. Donald Trump impõe atabalhoadamente os guidelines beligerantes muito além do interesse imediato. De fato, a existência de um mercado interno forte se tornou ativo fundamental para que se possa negociar o comércio entre as nações. Há forte relativização da relevância dos blocos econômicos e as fronteiras dos países continentais que tenham mercado interno forte se tornaram ainda mais relevantes para a geopolítica econômica. Quem se lembra do Nafta? Observe-se o que ocorre no Velho Continente, sujeito a todas as invasões bárbaras que se possa imaginar no mundo moderno. China e Índia caminham celeremente para acentuar os seus papeis nesse cenário. De fato, são os únicos países (ainda) emergentes com mercados internos relevantes que podem se posicionar no mundo desenvolvido. O Brasil, tadinho…

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Pelos nossos lados latino-americanos ainda estamos discutindo o básico: no Mercosul, a Argentina luta (de novo) contra uma inflação de 40% ao ano, o Brasil está com crescimento capenga e finanças débeis e o Paraguai, quem diria, é o país mais organizado, por enquanto, nessa ficção denominada Mercosul.

Agora temos candidatos para a eleição presidencial e dos outros níveis da Federação. Coitado do Brasil! Basta olharmos o tamanho dos desafios mundiais e a chegada do “admirável mundo novo” da “quarta revolução industrial” para verificarmos que não vamos a lugar nenhum se continuarmos acreditando nos pactos entre partidos políticos podres e candidatos sofríveis. O debate brasileiro é desafiador apenas do ponto de vista da adivinhação de o quanto pior este pode se tornar.

Da criminalidade aberta (68 mil homicídios em 2017!) até a mera discussão sobre saneamento básico (não conseguimos ter um programa viável!), vê-se que o que virá depois da eleição é muito mais relevante do que quem vai ganhar o pleito. Aqui noto enorme ineficiência na “precificação” dos ativos brasileiros. As chances diminutas de o novo governo formar um verdadeiro centro político modernizante não se refletem nos preços dos ativos e dos contratos do tal do mercado, cuja ineficiência é assustadora. Há, até mesmo, quem creia que o Capitão Bolsonaro e o General Mourão sejam as escolhas certas para carregar o andor de nosso atraso secular. Daí pode sair até cadáver da cartola, mas não sai superação do nosso atraso.

O debate político brasileiro retornou celeremente para os padrões (não a realidade) dos anos 1950: uma esquerda atrasada sem percepção mínima de como seguir no “novo mundo” e uma direita oligárquica que não tira sua enorme boca das tetas do Estado brasileiro. No Brasil, a imensa multidão de pobres desenvolveu seu próprio código de conduta e o impõe, mesmo que indiretamente, ao corpo político. Cada vez mais o populismo se alastra como forma geral de proselitismo político, enquanto o povo vê-se submetido às milícias, ao tráfico de drogas, à corrupção endêmica e assim por diante. O atraso tem cara feia.

Não nos iludamos: as eleições vindouras não valem muito para mudar o país diante dos enormes desafios que o “mundo 4.0” impõe a todos os países. A nossa democracia é ilusória. De fato, o próximo presidente será escravo das mesmas forças políticas de hoje (e sempre). O primeiro mandatário terá de “encostar a barriga” no balcão de negócios do Congresso Nacional e tentará governar com uma coalizão faminta para escalpelar o Estado. Resta saber para qual destino nós iremos.

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