Personagens: uma década de trades não autorizados e o rombo de Yasuo Hamanaka

Trader conhecido como 'Mr. Copper' e 'Mr. Five Percent' abalou o mercado de cobre após a descoberta de seus dois books

Anderson Figo

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SÃO PAULO – Em um mês de junho comum, em 1996, os investidores mal sabiam que um dos episódios mais famosos na história do mercado financeiro mundial estava prestes a acontecer. Quando entrou na sala cheia de jornalistas, o presidente da Sumitomo Corporation naquela época, Tomiichi Akiyama, deu a notícia que mexeria com as bolsas globais: um prejuízo bilionário de uma das principais companhias de comércio internacional de metais e minerais do mundo.

Personagens do Mercado dessa vez revela o caso de Yasuo Hamanaka, pivô no caso do maior prejuízo já registrado na história em operações não autorizadas, totalizando US$ 1,8 bilhão. O desfalque na empresa asiática trouxe as cotações do cobre para uma queda aproximada de 10%  nos mercados londrino e nova-iorquino após seu anúncio, ultrapassando em sua dimensão o rombo de US$ 1,1 bilhão auferido pelo banco japonês Daiwa Bank e a perda de US$ 1,3 bilhão responsável por fechar o banco inglês de investimentos Barings Bank, no auge de seus 233 anos de idade.

A liberdade na Sumitomo
Em 1996, em um tempo quando a Ásia ainda trilhava seu caminho para conquistar uma representatividade relevante no mercado mundial, podemos dizer que a Sumitomo era uma das principais representantes da região para estimular esse feito. A companhia, em operação desde o século XVII, era experiente em diversos setores de atividade como o comércio internacional de carvão e metais não ferrosos, mineração e fundição de ferro e aço, maquinaria, sistemas de comunicação e de energia, produtos químicos, cerâmica, metais leves e outros metais, além de armazenamento, construção e imóveis em geral, desenvolvimento de recursos, financiamento de projetos e todo o ramo bancário e securitário.

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A Sumitomo na época comprava 800 mil toneladas de metais por ano e vendia essa mercadoria a empresas afiliadas e ao mercado do sudeste asiático. Um dos segmentos mais relevantes da empresa, o cobre, era comandado por Yasuo Hamanaka. O peso deste ramo de negócio para a Sumitomo era expressivo: Hamanaka chegou a ser chamado de “Mr. Copper” (Sr. Cobre, em inglês) e posteriormente de “Mr. 5%” – uma referência à parcela do mercado de cobre que a companhia chegou a deter na década de 1990.

A maior parte desses negócios era realizada por Hamanaka, que possuia uma autoridade não usual na companhia. A ausência de fiscalização e a liberdade excessiva que o funcionário da Sumitomo possuia deu base para que ele encobrisse uma façanha: dois trading books. Em um deles, Hamanaka demonstrava à Sumitomo lucros expressivos oriundos das operações de compra e venda de cobre nos mercados à vista e futuro, bem como opções sobre a commodity. No outro, porém, Hamanaka escondia uma conta secreta com saldo negativo bilionário.

O tiro no pé
Sua falcatrua foi descoberta por conta da desconfiança de outros funcionários, visto que na época ele estava acima de qualquer suspeita. O castelo de Hamanaka começou a desmoronar em dezembro de 1995, quando a U.S. Comodity Futures Trading Commission (agência reguladora do mercado futuro de commodities norte-americana) e a Securities and Investments Board da Inglaterra – ambas fiscalizavam, respectivamente, os mercados de commodities de Nova York e Londres – chamaram a Sumitomo para cooperar em uma investigação de suspeita de manipulação. Ciente (e ao mesmo tempo enganada) de que não tinha nada a dever, a companhia asiática não apenas prestou as informações requeridas pelas autoridades como abriu ainda uma investigação interna para “confirmar” a integridade de suas operações.

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Foi como um tiro no pé. De acordo com o então presidente da Sumitomo na época, Tomiichi Akiyama, no início de maio de 1996 – em poucos meses que a investigação começara – um auditor da companhia encontrou uma transação não autorizada realizada em abril daquele ano, cujo montante envolvido passou por uma instituição financeira sem nome oficial no exterior.

Segundo declarou Akiyama à imprensa na ocasião, a negociação era “pequena em valor”, mas foi suficiente para a Sumitomo perceber que talvez tivesse sido enganada por “seu próprio filho”, Hamanaka. Não deu outra. Ao vasculharem os arquivos esquecidos da Sumitomo, os podres de Hamanaka logo apareceram.

O primeiro resultado do drama foi curioso: em 9 de maio de 1996, o manda-chuva da Sumitomo foi abruptamente afastado de seu cargo para assumir o posto de assistente do gerente geral da divisão de minerais não-ferrosos da Sumitomo – o que foi classificado pela própria empresa na época como uma “promoção”.

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Mas, é claro que um rebaixamento de cargo desse nível e da maneira repertina como foi feito chamou a atenção de todos. Em poucos dias já haviam rumores nos mercados globais de que alguma coisa de errado estava se passando na Sumitomo, logicamente envolvendo o nome de Hamanaka.

Um dia a máscara cai
Em meados de maio do mesmo ano, dezenas de companhias ligadas às commodities se desfizeram de suas divisões de cobre, antecipando o movimento que pouco depois seria adotado pela Sumitomo. Em decorrência disso, os preços das commodities caíram em torno de 15% em quatro dias. Em meio a esse caos, a Sumitomo acelerou o ritmo de sua investigação interna. Mas, a companhia não precisou de muito esforço para chegar à verdade por trás daquilo tudo.

Em cinco de junho de 1996, Hamanaka se viu sem saídas em meio ao cenário caótico que se transformou o mercado de commodities mundial por conta das suspeitas de irregularidades em grandes companhias como a Sumitomo. A única opção que restara ao trader foi a confissão: Hamanaka contou a seus superiores cada detalhe das irregularidades por ele cometidas ao longo dos últimos 10 anos em que estivera à frente das negociações de cobre na Sumitomo.

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Com as confissões de Hamanaka, a Sumitomo descobriu o tamanho do desfalque gerado por ele: US$ 1,8 bilhão. Somado a outros gastos da empresa, em setembro de 1996 a Sumitomo mostrava um prejuízo de US$ 2,6 bilhões. 

Condenação
Depois de julgado, Hamanaka foi condenado pela justiça japonesa apenas em 1998, quando foi sentenciado a oito anos de prisão. O ex-trader cumpriu sete anos de sua pena na cadeia, mas foi liberado pela justiça japonesa em 2005, um ano antes do previsto.

Devido ao tamanho do rombo financeiro provocado pelo ex-trader da Sumitomo, muitos rumores apontavam na época que Hamanaka não teria conseguido tal feito se não tivesse contado com a ajuda de seus superiores. Contudo, ele foi o único a ser acusado oficialmente.

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A Sumitomo depois do terremoto
Por seu tamanho gigantesco e elevado valor de seus ativos no período em que ocorreu o episódio (algo em torno dos US$ 50 bilhões), a Sumitomo conseguiu atravessar o momento adverso e sobreviver. Mas, para tanto, a companhia teve de gastar boa parte de seus recursos em pagamentos de indenizações e multas pelo esquema produzido por Hamanaka. Além disso, a empresa processou o UBS e o Chase Manhattan Bank por terem ajudado o ex-trader em sua falcatrua.

Como consequência do processo, o UBS concordou em 2006 em pagar à Sumitomo o montante de US$ 85 milhões como indenização pelo esquema de fraude, enquanto que o Chase Manhattan Bank – que a esta altura já fazia parte do grupo JP Morgan Chase – indenizou a companhia asiática no valor de US$ 125 milhões.

Já recuperada dos danos maiores, o Grupo Sumitomo atualmente segue como uma das maiores empresas de trading do planeta, com 102 filiais e escritórios, 767 subsidiárias em 88 países e mais de meio milhão de funcionários. No Brasil, o Grupo atua através da Sumitomo Brasil que é uma trading company que oferece soluções para negócios, como intermediadora na compra e venda de mercadorias, principalmente no mercado internacional.