Não há mais espaço para fisiologismo no Brasil

Entrevistado desta semana pelo Na Real na TV, o cientista político e professor do Insper Carlos Melo defende a tese de que vivemos um momento de sarneyzação piorada, com uma presidente fraca e lideranças muito menos habilidosas

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O Brasil tem vivido o clássico momento de calmaria que antecede situações de grandes abalos hoje na política. Entrevistado da semana pelo jornalista José Márcio Mendonça no programa Na Real na TV, o cientista político e professor do Insper Carlos Melo, diz que ainda há muita indefinição no ar em Brasília. “Essa situação de água parada é o prenúncio de alguma sacudidela muito maior lá na frente. Talvez seja a calma que antecede os tsunamis”, observou.

Para ele, o cenário de múltiplas dificuldades causados pelos desdobramentos da operação Lava Jato, pelo julgamento das recomendações do TCU sobre as contas do governo, a análise de possíveis fraudes eleitorais cometidas pela chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no TSE e a situação econômica contribuem para a construção de um quadro de grande instabilidade. Somando-se a isso, o perfil de uma das protagonistas do jogo certamente contribuiu, na visão de Melo, para o agravamento da situação.

Em uma breve retrospectiva das ações do governo neste ano, o professor lembra de pelo menos três grandes erros de Dilma durante o primeiro semestre: enfrentar Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, ao apoiar o nome do petista Arlindo Chinaglia (PT-SP); acreditar na falta de necessidade de se fazer política para conquistar a aprovação do ajuste fiscal defendido pelo ministro da Fazenda Joaquim Levy; e tentar desestabilizar Levy e Temer em determinado momento, temendo maior vulnerabilidade. “A cada movimento desse, tudo piora”, analisa Melo. Para ele, a presidente peca novamente em sua leitura sobre o impeachment e optando pelo enfrentamento a Cunha. “Ela precisava se preservar. Dilma tem pouca habilidade, faz diagnósticos errados e se acredita invulnerável”, complementa.

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O entrevistado defende a tese de que vivemos um momento de sarneyzação piorada, com uma presidente fraca e lideranças muito menos habilidosas, apesar de o cenário econômico não ser tão dramático como o da inflação galopante daquele momento. Além de o presidente Sarney dotar de maior experiência no meio do que a petista, os presidentes de Câmara e Senado eram, respectivamente, Ulysses Guimarães e Nelson Carneiro, ao passo que as lideranças governista e da oposição ficavam com as figuras de Fernando Henrique Cardoso e Lula. “Se você olhar para o quadro hoje, dizer que é uma simples sarneyzação é pouco. É uma sarneyzação piorada, porque são atores menos capazes e habilidosos. Eu chego a colocar em dúvida se essa situação é sustentável em três anos. Na política, não basta legitimidade eleitoral. A capacidade de condução do processo político e a governabilidade são tão importantes quanto”, explica.

Para Melo, a presidente precisa reagir o mais breve possível, mas perdeu outra boa oportunidade recentemente, quando houve um movimento de grupos econômicos e da própria imprensa em favor de Dilma. Aquele momento, diz o professor, demandava uma reforma ministerial de alto nível, que apontasse para a economia do ajuste de um lado e a “saída do buraco”, através de amplos programas de concessões e investimentos em infraestrutura, permitindo que os mesmos atores econômicos fizessem o trabalho de pressionar o Congresso. O que foi feito pela presidente teria sido o contrário, com a limitação dos poderes delegados a Temer, que cuidava da articulação política da gestão, e de Levy, em detrimento a um ganho de espaço ainda maior do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. “Quando faz uma reforma, ela o faz de forma exclusivamente fisiológica. O fisiologismo político tem um problema: é útil na medida certa. Alguma dose de graxa para a engrenagem funcionar é necessária. Mas quando isso é demais, a engrenagem começa a girar em falso”, criticou o cientista político. “Ela está investindo em mais do mesmo: mais fisiologia, mais cargos, quando já se chegou ao esgotamento desse processo”. Para ele, a solução para o impasse ainda é uma incógnita.

O programa Na Real na TV vai ao ar toda terça-feira, às 14h, no portal InfoMoney. Assista a entrevista na íntegra:

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.