Não compre na baixa e invista na alta: resultado da Fama Investimentos valida essa estratégia

Estudo de Fábio Alperowitch revela como é vital investir em ações com bons fundamentos, mesmo que caras no primeiro olhar

Rafael Souza Ribeiro

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SÃO PAULO – Responda: você prefere comprar uma empresa com bons fundamentos, mas em um patamar de preço elevado, ou comprar uma companhia com fundamentos escassos, mas a um preço atrativo? Esse dilema é muito comum quando se está construindo uma carteira de ações e sua resposta não é trivial, pois é contra a intuição do ser humano.

Imagine ir às compras no supermercado e se deparar com dois produtos com as mesmas características, mas um com o preço normal e outro em promoção. Intuitivamente, o mais racional é comprar o produto com desconto, já que é mais barato e um substituto perfeito. Porém, no mercado de ações essa matemática pode ser perversa e causar prejuízos ao investidor, lógica comprovada por Fábio Alperowitch, gestor da Fama Investimentos, em sua apresentação no congresso Value Investing Brasil 2017 intitulada “Investimentos e percepção: o que se vê não é o que se recebe”.

O desempenho nos últimos anos do fundo da Fama, que detém atualmente R$ 1,2 bilhão em ativos sob gestão, comprova que a estratégia de comprar ações de qualidade gerou resultado. Nos últimos 10 anos, o fundo acumula rentabilidade de 46%, praticamente o triplo do Ibovespa no período (+15%). Até mesmo em 2016, ano de forte euforia na bolsa e que o Ibovespa subiu 38,9% – naturalmente, em tempos assim, ações de menor qualidade costumam liderar os ganhos – o FAMA FIC FIA superou o índice e registrou rentabilidade de 55,2%. Em 2017, o fundo registra performance de 17,2%, enquanto o índice sobe cerca de 5%.

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Veja mais: entrevista exclusiva de Fábio Alperowitch ao InfoMoney

Em termos de oportunidade, comprar ações baratas e de alta qualidade é o cenário ideal de qualquer investidor, mas, como destacou Alperowitch em sua apresentação, as oportunidades na realidade estão divididas entre três categorias de empresa: i) baratas e de baixa qualidade; ii) caras e de baixa qualidade; iii) caras e de alta qualidade.

Dentre as três opções, é unânime que comprar ações caras e de baixa qualidade não é a melhor alternativa, mas as duas restantes são passíveis de muita discussão, já que se trata de uma decisão contra-intuitiva pelos parâmetros “normais” de avaliação de preço.

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Efeito negativo dos resultados

A tentativa de encontrar o ponto exato de reversão, e, por consequência, carregar uma empresa com um momentum ruim em termos de resultado tende a custar caro para o investidor, como revela o gestor da Fama Investimento utilizando a Hering (HGTX3) como exemplo. Antes de iniciar a leitura, um disclaimer: o objetivo aqui não é qualificar ou julgar a empresa, mas sim entender como a dinâmica das expectativas de resultados impacta no desempenho de uma ação listada em bolsa.

Depois de subir 2.000% do início de 2009 até sua máxima histórica (R$ 39,08) cravada em novembro de 2012 – período que ela passou de uma empresa têxtil para virar de fato uma varejista de moda -, a ação da Hering entrou em um processo de forte queda dali em diante, reflexo de um cenário macroeconômico desafiador para o setor de varejo. E como revelou Alperowitch em sua apresentação, a varejista não se cansou de decepcionar os analistas.

A tabela abaixo mostra dois números de um mesmo Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização): na coluna “Ebitda projetado”, temos o número calculado pelos analistas no final do ano anterior e estimado para o exercício seguinte; já na coluna “Ebitda reportado”, o resultado que de fato a Hering apresentou. O estudo revela, entre 2013 e 2016, o “Ebitda reportado” ficou em média 28% aquém do projetado um ano antes pelos especialistas que acompanham a varejista.

Ebitda Projetado vs Ebitda Reportado
Data em que a projeção foi feita Projeção para o resultado de Ebitda projetado  Ebitda reportado Diferença (%)
Dez/2012 2013 R$ 525 milhões R$ 439 milhões -17%
Dez/2013 2014 R$ 505 milhões R$ 396 milhões -22%
Dez/2014 2015 R$ 446 milhões R$ 263 milhões -41%
Dez/2015 2016 R$ 305 milhões R$ 207 milhões -32%

Essa piora fica ainda mais evidente olhando como foi o comportamento do Ebitda projetado para Hering em 2016 ao longo dos anos. Em 2012, quando ela estava no seu auge operacional, os analistas projetavam Ebitda para 2016 de R$ 865 milhões, mas, com o passar do tempo e a nova realidade sendo precificada, as projeções caíram substancialmente para se adequar à nova realidade da empresa. E mesmo assim o número reportado pela Hering ano passado – R$ 207 milhões – ficou 15,5% abaixo da projeção que os analistas tinham para às vésperas da divulgação do balanço, de R$ 245 milhões. 

Confira o gráfico abaixo do Ebitda de 2016 projetado para Hering ao longo dos anos:

Como consequência, os preços acompanharam a deterioração das expectativas dos investidores, demonstrando que a estratégia de ficar tentando encontrar o ponto de virada de uma empresa é bastante custosa para o investidor, como revela o desempenho anual de HGTX3:

Desempenho Anual de HGTX3 
Ano Abertura Fechamento Variação
2013 R$ 33,96 R$ 24,91 -26,28%
2014 R$ 24,91 R$ 17,51 -29,73%
2015 R$ 17,43 R$ 13,85 -20,89%
2016 R$ 13,75 R$ 14,65 +5,80%

Bom fundamento compensa
Em linha com o apresentado pelo gestor da Fama Investimentos, um estudo realizado recentemente pelo time de estratégia do Santander mostra como vale a pena comprar uma empresa com bons fundamentos mesmo a um patamar de preço que, ao primeiro olhar, pareça caro demais.

O banco catalogou as empresas listadas em bolsa que possuem histórico de baixa volatilidade de resultados e que surpreenderam positivamente o consenso do mercado em termos de lucro líquido nos últimos 29 trimestres – do 1º trimestre de 2010 até 1º trimestre de 2017. A empresa que mais surpreendeu nestes quesitos foi a Localiza (RENT3), superando as estimativas em 93% das vezes e trazendo números 9% acima da média. De 2010 até 2017 (fechamento de 7 de julho), a ação da empresa subiu 200% e ainda por cima teve queda anual em apenas 3 exercícios, sendo que dois deles o recuo foi menor que 3,5% (veja a tabela abaixo):

Desempenho da ação da Localiza
Ano Último Fechamento Variação Anual
2010 R$ 21,37 +40,52%
2011 R$ 20,65 -3,35%
2012 R$ 30,67 +48,51%
2013 R$ 29,83 -2,74%
2014 R$ 32,46 +8,80%
2015 R$ 22,99 -29,17%
2016 R$ 32,46 +41,21%
2017 (até 07 de julho) R$ 45,62 +41,02%

Curiosamente, a Localiza é uma das ações prediletas do gestor da Fama. “O business da Localiza está na capacidade de comprar um ativo barato e vendê-lo caro. Com a escala que ela tem, ela sempre vai comprar mais barato que a Movida (MOVI3, concorrente que entrou na bolsa em 2017) e vai ter um custo de capital menor, com muito mais capilaridade (…) à medida que o tempo passa, as forças da Localiza vão ficar mais evidentes”, disse Alperowitch em entrevista exclusiva ao InfoMoney concedida em maio. Inclusive, a ação encontra-se a 5,85% da máxima histórica (R$ 48,45), demonstrando toda sua resiliência em meio ao cenário de caos político.

A segunda empresa no estudo do Santander que mais surpreendeu foi Smiles (SMLE3). Com 88% das vezes seu lucro líquido trimestral acima das expectativas e resultado 9% superior da média das projeções dos analistas de mercado, a empresa responsável pelos programas de fidelidade dos passageiros da Gol (GOLL4) também não foge a regra e está 14,77% da máxima histórica em R$ 71,73, patamar este que foi renovado na terceira semana de maio.  

A terceira colocada, Ultrapar (UGPA3), surpreendeu os analistas 75% das vezes seu lucro líquido trimestral e seu resultado foi 5% superior da média das projeções dos analistas de mercado durante o período o estudado. A companhia de distribuição de combustíveis também está muito próxima da máxima histórica em R$ 79,62: 3,94% frente ao fechamento do dia 7 de julho.

A ver o desempenho das três primeiras colocadas do estudo do Santander e a “curta distância” que estas ações estão de suas máximas históricas, o mito de que “não se compra empresa cara na bolsa”cai por terra. Por isso, não tenha medo de comprar uma ação só porque ela subiu demais: se você confia nas suas estimativas, o que é caro hoje pode ficar ainda mais caro amanhã. É como o próprio Fabio Alperowitch deixa claro ao falar de sua maior exposição no fundo, as ações da RD – a antiga Raia Drogasil (RADL3): “não estou comprando ações da RD por achar que ela está cara. Eu não acho a empresa cara, eu acho barata (…) pessoas olham para múltiplos, mas olhamos muito mais para aumento de margens, novos mercados e barreiras de entrada (…) então conforme vemos produtos sendo criados e a cadeia aumentando, eu enxergo ainda mais valor na companhia”.