Saída do Reino Unido da UE: o inesperado acontece, agora espere pelo imprevisível

É o que mostram as primeiras reações à decisão dos ingleses. Quaisquer que sejam os desdobramentos da decisão, a análise é que a economia nunca mais será a mesma. Nem a política. No Brasil, a prisão do ex-ministro Paulo Bernardo aumentou o pânico do universo político, pois mostra que a Lava-Jato e seus filhotes estão ainda muito ativos e não têm preferências.

José Marcio Mendonça

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Somente ao fim do dia de hoje, depois que todos os mercados tiveram funcionado totalmente, saber-se-á ao certo tamanho do problema na economia que vai ser criado pela decisão dos britânicos de aprovar a saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Pela primeira amostra, das bolsas asiáticas na madrugada, como registram as notícias na primeira página do Infomoney, o sentimento é de um desastre. A moeda inglesa, a libra esterlina, caiu 12,6% em relação do dólar, menor valor desde 1985; as negociações na bolsa de Tóquio chegaram até a ser suspensas depois de bateram em menos 8%.

As consequências econômicas de mais longo prazo, tanto para os ingleses, como para a Europa e para o resto do mundo, inclusive o Brasil, ainda são imprevisíveis. Vai depender de como será esse “divorcio”, em que velocidade se dará, que acordos entre as duas partes vão continuar valendo e em que circunstâncias e outras coisas mais. O comércio pode sofrer um retrocesso, dizem analistas.

Uma análise mais acurada depende do que vem depois de ontem. É bom entender que o que se teve foi uma consulta popular, com uma orientação ao governo do primeiro-ministro David Cameron para realizar a “separação”. Ela não é mandatória, ou seja, não terá de ser obrigatoriamente obedecido. Depende também de aval do parlamento.

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Cameron era contra a saída. Porém, a Inglaterra, com seus séculos de tradição democrática, dificilmente desrespeitará o desejo da maioria de sua população. Mesmo que a decisão tenha sido bastante apertada, mostrando um país dividido e muito em dúvida sobre o passo que vai dar – 52% a 48% pró-desligamento da UE.

O que se pode dizer, quaisquer que sejam os desdobramentos da votação dos ingleses (conforme, aliás, já diziam alguns analistas antes mesmo de saberem do resultado), é que nem a economia da Europa nem a do mundo serão mais as mesmas. E tudo isso vem num momento em que a economia mundial passa por dificuldades generalizadas, com poucas exceções. Segundo muitos especialistas, com mudanças profundas nos ‘paradigmas’ vigentes desde muitas décadas.

Tão ou mais relevante que entender o que vai acontecer com a vitória do “não” no “Brexit” do lado econômico, é tentar compreender o lado político dessa decisão: o que levou a maioria dos ingleses (mesmo divididos quase ao meio) a optar por uma solução que é sabidamente de alto risco. O que teria levado os ingleses a esse salto no escuro?

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Ao que parece, segundo algumas cabeças mais lúcidas, vem do medo dessa “nova economia”, que já não garante a sensação de “progresso permanente”, entrecortado por crises (passageiras), vivido por boa parte do planeta durante décadas, especialmente a partir do século 20 e, mais especificamente ainda, após a Segunda Guerra Mundial. Uma economia que já não garante oportunidades imensas de emprego e, nos países mais avançados, ameaça as políticas de bem estar social de qualidade desfrutadas por sua população. Daí a reação europeia às imigrações, que diretamente não teria nada a ver com o racismo propriamente dito.

Há uma população insegura e inquieta e que, conforme mostrou a votação ontem na Grã-Bretanha, líderes mundiais ainda não conseguiram entender perfeitamente e menos ainda dar-lhes respostas satisfatórias. O “fenômeno” Donald Trump na eleição nos Estados Unidos tem o mesmo sentido dessa insegurança da população e sua perplexidade com o que se pode chamar de uma “política envelhecida”.

A prisão de Bernardo joga o foco de novo no PT

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No Brasil, na política esvaziada na capital da República, como já registramos ontem, pelas festas juninas, também uma notícia impactante: a prisão do ex-ministro Planejamento (governo Lula) e das Comunicações (governo Dilma), Paulo Bernardo, por suspeita de corrupção, numa operação que é filhote da Operação Lava-Jato.

Bernardo é suspeito (juntamente com o ex-ministro da Previdência, Carlos Gabas, mais um ex-tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, um secretário do prefeito Haddad, entre outros) de ter criado um esquema de propina no Planejamento, com base nos empréstimos consignados concedidos ao funcionalismo público federal. Em sete anos, o esquema teria rendido a seus beneficiários e ao PT cerca de R$ 100 milhões – o ex-ministro teria ficado com pouco mais de R$ 7 milhões para ele.

A ação da PF, com autorização de um juiz federal de São Paulo (desta vez não veio da “República de Curitiba”), provocou surpresas, sustos, temores e as naturais indignações e negativas. Só que desta vez algumas críticas não ficaram restritas aos ligados aos atingidos, ou seja, ao PT e adjacências.

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No Senado, houve reações até de gente do atual governo. A razão: houve busca e apreensão na casa em que Paulo Bernardo mora em Brasília, ao lado da mulher, a senadora Gleisi Hoffman, residência funcional. De acordo com os senadores, por Gleisi ter foro privilegiado e a casa ser oficial, a busca só poderia ter ocorrido com autorização do Supremo Tribunal Federal. A direção do Senado promete apresentar duas ações hoje para tentar anular a atuação da PF: uma na Comissão Nacional de Justiça (CNJ) e outra no STF. É o senso de proteção do ninho.

De novo o pêndulo da Operação Lava-Jato e de seus “filhotes” mudou de direção. Nas últimas semanas esteve direcionado para o PMDB e a cúpula do partido – respingando naturalmente no governo-interino de Michel Temer. Temer perdeu em menos de 40 dias três ministros – dois sob suspeita de terem se beneficiado diretamente do petrolão (Romero Jucá, Planejamento, e Henrique Alves, Turismo) e outro por suspeita de “sugerir” obstrução das investigações (Fabiano Silveira, da Transparência).

Agora, o pêndulo se voltou de novo para o PT, que andava se “deliciando” com as agruras do PMDB e do presidente interino e por ter sumido das manchetes dos jornais. Além da indignação e das negativas naturais, os petistas interpretaram a ação de ontem como uma manobra para desviar o foco do PMDB e do governo e prejudicar a defesa da presidente afastada Dilma Rousseff.

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Na realidade, o que se vê comprovado mais uma vez é que a Justiça não está tendo cor político-partidária nas investigações de corrupção. Ninguém, nenhum partido está a salvo das investigações. E é por isso que o mundo político em geral, claro que com exceções, anda tão ressabiado, tão inseguro.

Medida facilita privatização no setor elétrico

Na área econômica, com destaque apenas no jornal “Valor Econômico”, o presidente interino Michel Temer baixou uma Medida Provisória para facilitar a venda das distribuidoras estatais de energia. A MP muda também a estrutura do CDE e torna o processo de transferência de ativos para o setor privado menos burocrático.

Isto vai facilitar a venda da Celg, de Golias, emperrada há algum tempo e de outras subsidiária da Eletrobras. O governo tem presa nas privatizações e concessões de serviços públicos – para reduzir gastos, não precisar aportar recursos nas empresas e especialmente engordar o caixa do Tesouro Nacional.

Outros destaques dos jornais do dia

– Déficit público pode ficar em R$ 140 bilhões em 2017” (Globo)

– “Privatizações: concessão de rodovias deve prever só reparos” (Globo)

– “Governo vai retirar da Eletrobras gestão de fundos de R$ 19 bilhões” (Estado)

– “Rombo de R$ 16,1 bi: Petros vai cobrar de participantes” (Globo)

– “Anatel diz que Oi tem caixa para operar nos próximos meses” (Globo)

– “Brasil quer revogar decisão do Mercosul para liberar acordos” (Folha)

– “Para Teori, é preciso remédio amargo para o país enfermo” (Valor/Estado/Folha)

– “Gravação reforça a acusação de que tucano atuou contra CPI” (Globo/Estado)

LEITURAS SUGERIDAS

1. José Paulo Kupfer – “Custos da pressa” (diz que no acordo para reforçar apoios e encurtar o impeachment, o governo Temer tem tomado decisões que aumentam gastos antes de reduzir custos) – Globo

2. Paulo Paiva – “O que virá depois” (comenta a política de Meirelles e diz que s volta da confiança é necessária, mas não condição suficiente, para a recuperação econômica) – Estado

3. Editorial – “Sem fim à vista” (diz que longe de declinar, o ímpeto da Operação Lava-Jato se renova, e se espraia por todo o país, como deve ser) – Folha

4. Cláudia Safatle – “Orçamento [de 2017] terá de ter déficit menor – (diz que desoneração de R$ 2º bilhões estão na mira da tesoura e que o governo acredita que o ritmo de crescimento da dívida pode cair de 8 para 1 ou 2 pontos percentuais por ano) – Valor