O palco do “novo” acordo da dívida grega

É uma triste farsa histórica que vitima a sociedade grega atual, representada por um governo despreparado que falsifica e fantasia a realidade e o futuro da nação

Equipe InfoMoney

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Jorge Constantin Kapotas, Ph.D.

“Cerrem as cortinas, a farsa acabou”. Estas foram as derradeiras palavras proferidas pelo célebre escritor, médico, estudioso dos clássicos gregos e extemporâneo humanista francês, François Rabelais em 9 de Abril de 1553. Poucas frases se adequam de forma tão natural aos tristes episódios vividos pela sociedade grega nestes últimos doze meses.

A começar pela inflição de um dos maiores embustes eleitorais já vistos na História da Grécia Republicana. Neste engodo político, o Syriza, partido que se elege em Janeiro de 2015, através de uma plataforma histórica de oposição radical aos programas de ajuste recessivos “propostos” pela tríade de credores internacionais (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), impõe à sociedade grega o mais doloroso e draconiano programa econômico plurianual que se tem notícia no mundo contemporâneo ocidental.

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Muitos, talvez, dirão que estas, duríssimas, medidas de ajuste foram impostas como condição de permanência da República Helênica na frágil união monetária europeia. Esquecem, todavia, em sua avaliação, de considerar que o governo, encabeçado pelo primeiro-ministro, Sr. Alexis Tsipras, perdeu seis preciosos meses dedicando-se:

i)   à reprovação panfletária e midiática dos governos ND-PASOK (que antecederam a atual coalizão governista, Syriza-ANEL), dos acordos e memorandos de entendimento (MoUs), firmados entre os credores e estes governos,e das políticas econômicas decorrentes;

ii)   a uma “nova” estratégia de negociação com os credores, que se mostrou difusa e inconsequente.

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Estes longos meses de irresponsável exibicionismo populista levam a sociedade helênica a situações dignas de uma trama kafkiana. Examinemos, portanto, a sequência dos fatos:

1)      Convocação e execução de um plebiscito para a aprovação de uma longa lista técnica e preliminar de medidas econômicas (totalmente inescrutável à população, em geral) propostas pela tríade de credores, durante processo de negociação (e que no momento da realização da consulta popular, já haviam sido retiradas da mesa de negociações). 

2)      Defesa incondicional, com ampla utilização de todos os veículos de comunicação por parte do governo, do “não” à lista (não mais existente) de medidas propostas, dado o seu caráter recessivo e injusto, o qual representava uma ameaça à “integridade do tecido social grego”. 

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3)      Estrangulamento e drenagem culposa da liquidez do sistema financeiro grego como consequência imediata da suspensão do ELA (mecanismo emergencial de fornecimento de liquidez ao Banco Central da Grécia) pelo Banco Central Europeu. Tal fato é ocasionado pela expiração, sem extensão, do acordo que fornecia um amparo legal ao mecanismo, bem como pelos atrasos (defaults) nos pagamentos da dívida grega aos credores (FMI). Esta situação leva o governo grego a adotar“capital controls”, que dificultam ainda mais o funcionamento dos mercados da combalida economia local.

4)      Recuo tempestivo das posições defendidas pelo governo grego no processo de negociação, ignorando,frontalmente, o sonoro “não”, proferido pelas urnas do plebiscito (e amplamente defendido pelo primeiro-ministro!). Isto fez com que a Grécia voltasse às negociações com os credores em condições bem mais desfavoráveis do que as que prevaleciam antes do referendo popular.

5)      Aceitação e implementação, ao fim e ao cabo, de medidas econômicas muito mais austeras, recessivas e, obviamente, impopulares em relação àquelas inicialmente oferecidas pelos credores internacionais. Todas as “linhas vermelhas” defendidas publicamente pelo governo Syriza foram transigidas e violadas.

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6)      A sucessão de pacotes de medidas governamentais apresentados ao parlamento grego se materializou em centenas de decretos e emendas legislativas. Estas impuseram: a) mais um aumento expressivo da carga tributária direta e indireta (VAT, IR, ENFIA, etc.); b) novos cortes de salários do funcionalismo público, das pensões e aposentadorias; c) securitização de hipotecas e empréstimos inadimplentes do sistema financeiro grego; d)programas compulsórios de concessões e privatizações; e) metas ambiciosas de superávit primário (e irreais, fixadas em 3,5% do PIB!) e;f) cortes automáticos de despesas públicas, em caso de não obtenção das metas orçamentárias.

Esta lista de irresponsabilidades políticas poderia ser acrescida de inúmeros outros exemplos de gestão pública temerária, por parte da coligação Syriza – ANEL, que foge, no entanto, do escopo deste artigo. Sem embargo, recentes estimativas do custo gerado pelas bravatas políticas deste processo de negociação, conduzido pelo Sr. Tsipras, revelam somas assustadoras. Cifras oscilam entre Eur 45 bilhões (estimativa publicada pelo Lisbon Council) e Eur 86 bilhões (cálculo realizado pelo presidente do Banco Central da Grécia, Yannis Stournaras), ou seja, algo entre 23% e 45% do PIB da Grécia! Seja qual for a medida adotada, o seu resultado é incondicionalmente catastrófico.

Ademais, o recente processo de revisão das medidas econômicas aprovadas pelo parlamento grego, que condiciona o desembolso de aproximadamente Eur 10,3 bilhões, em duas parcelas nos próximos meses, não garantiu nenhuma redução ou reestruturação concreta da dívida nacional grega. Neste sentido, o último pacote de reformas e medidas econômicas, com milhares de páginas, votado em 22/05/2016 (apreciado e aprovado pelo parlamento em menos de 48 horas!) e que completa um ajuste das contas públicas estimado em Eur 5.4 bilhões, ou 3% do PIB, não foi suficiente para iniciar um processo efetivo de renegociação da dívida.  Esta questão, que é de suma importância para a sustentabilidade do Estado e da economia grega, foi, sumariamente, adiada pelos credores para meados de 2018.

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Na queda de braço travada entre o FMI, defensor de uma reestruturação imediata da dívida e da sua notória insustentabilidade, e a Alemanha, de Wolfgang Schäuble, leva vantagem esta última, dado que nada de concreto fica definido em relação a este tema, antes das eleições nacionais dos principais países credores europeus.Desta forma, fica claro, para todos os analistas, que muitas das decisões do grupo de credores têm um caráter meramente político de acomodação de seus interesses eleitoreiros imediatos.

Vale notar, neste sentido, que o nosso modelo de projeção da dívida pública grega aponta para uma estabilização da razão entre dívida e PIB nos patamares de 180 % a 190%, até 2025, mesmo adotando-se um cenário otimista (o de crescimento muito moderado e superávits primários de 1,5 a 2,0% do PIB). Comprova-se, portanto, a ineficácia dos amargos remédios, acima descritos,sem a aplicação de um significativo haircut da dívida pública grega.

Triste farsa histórica que vitima a sociedade grega atual! Representada por um governo despreparado que falsifica e fantasia a realidade e o futuro da nação e, ao mesmo tempo, refém de uma Europa desunida e desinteressada em resolver, de uma vez por todas, a sua questão. Este é o melancólico cenário em que se desenvolve mais um episódio deste velho enredo europeu de postergação política de seus problemas econômicos: o “novo’” acordo da dívida grega.