Mercado segue dividido sobre início de corte de juros pelo Fed – evento que pode ser crucial em 2024

Sinalização mais hawkish pode sugerir economia mais fraca, ou recessão, enquanto juros mais altos inibiriam o mercado de qualquer forma

Vitor Azevedo

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O mercado anda dividido nos últimos dias. Enquanto parte dos especialistas acredita que o Federal Reserve (Fed) irá começar seu ciclo de queda dos juros a partir de março, outra, mais cética, ainda está vendo que o cenário não dá espaço para algo do tipo.

De acordo com o Fed Watch, do CME Group, para a reunião de março do ano que vem 45,8% dos entrevistados acreditam em um corte 25 pontos-base para a fed funds – atualmente no intervalo que vai de 5,25% a 5,5%.

A Ferramenta CME FedWatch analisa a probabilidade da taxa do Comitê Federal de Política Monetária (FOMC, na sigla em inglês) ser alterada nos próximos encontros do comitê. Com o uso de dados dos futuros de Fed Fund para 30 dias.

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O que vem sustentando essa crença são as sucessivas publicações de dados macroeconômicos que apontam que a economia dos Estados Unidos está mais fraca do que o esperado. Hoje, por exemplo, o índice de preços ao produtor (PPI, na sigla em inglês) ficou estável, contra consenso de alta de 0,1%. Ontem, apesar de o índice de preços ao consumidor (CPI) ter vindo um pouco além do esperado, a interpretação foi de que o núcleo dentro do consenso se mostrou um bom sinal.

Por outro lado, há economistas que apontam que a inflação ainda está longe do esperado. No acumulado dos últimos doze meses o dado de ontem, por exemplo, tem alta de 3,1%, bem acima da meta de 2% do Fed.

“Divergimos do mercado em relação ao início deste corte de juros. Esperamos que as fed fund rates permaneçam inalteradas por um longo período até que o Fed (banco central norte-americano) tenha mais confiança na convergência da inflação para ao redor da meta”, explica a equipe do Bradesco BBI, em relatório publicado nesta quarta.

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A equipe do banco brasileiro diz não estar convencida de que a economia americana passará por um “pouso suave”.

“Em outras palavras, não esperamos que a economia americana desacelere gradativamente sem sobressaltos nem que escape de uma recessão (que pode ser branda, mas esse é outro assunto). No nosso entendimento, os EUA devem enfrentar um período de recessão em 2024, ainda que por um breve período”, fala.

Recentemente, Michael Hartnett, estrategista-chefe do Bank of America, compartilhou uma visão sombria sobre as perspectivas do mercado de ações para o próximo ano com base nessa dicotomia.

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Ele destacou que, até agora, as quedas dos rendimentos dos treasuries, por conta do recuo dos dados macroeconômicos, têm sido um fator chave para impulsionar os ganhos no mercado de ações durante o trimestre corrente. Contudo, Hartnett alerta que uma redução adicional desses rendimentos poderia sinalizar sérios problemas econômicos, levando a um impacto negativo substancial nas ações, já que as empresas, em um cenário de desaquecimento, também vão lucrar menos.

Em sua análise, datada de 7 de dezembro, ele sugere uma mudança na percepção do mercado: enquanto anteriormente se acreditava que “menores rendimentos dos Treasuries resultariam em ações registrando mais altas”, essa equação pode se inverter para “menores rendimentos dos Treasuries em ações registrando mais baixas”, indicando uma potencial reviravolta no comportamento do mercado.

Os estrategistas de ações do JP Morgan, na última semana, foram em uma linha parecida, projetando que o S&P 500 deve cair cerca de 8% em 2024.

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Dubravko Lakos-Bujas, estrategista de ações do banco americano, junto com sua equipe, expressou preocupações sobre o ambiente macroeconômico para o mercado de ações no ano seguinte. Eles destacaram que, sem um afrouxamento imediato da política monetária pelo Federal Reserve, o cenário parece cada vez mais desafiador.

A equipe de estrategistas também alertou para a possibilidade de uma recessão no próximo ano. Eles observaram que, embora os investidores ainda não estejam integralmente considerando essa possibilidade em suas avaliações, o risco de uma recessão se torna cada vez mais concreto.

Outra questão que vem sendo levantada por especialistas como um entrave para o início do ciclo de queda de juros nos Estados Unidos – e decorrentemente uma melhora econômica – é a situação fiscal do país.

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Em agosto deste ano, após diversos problemas envolvendo as contas públicas norte-americanas (como a crise do teto da dívida, no qual o executivo federal ficou sob ameaça de parar de funcionar), a Fitch chegou a rebaixar o rating dos treasuries de AAA para AA+.

“Na visão da Fitch, houve uma deterioração constante nos padrões de governança nos últimos 20 anos, inclusive em questões fiscais e de dívida, apesar do acordo bipartidário de junho para suspender o limite da dívida até janeiro de 2025”, disse a agência de recomendação no comunicado.

Por 2024 ser um ano de eleição na maior economia do mundo, há ainda quem fale que dificilmente o atual presidente, o democrata Joe Biden, irá aceitar uma recessão ou cortar gastos públicos.

No último Stock Pickers, Ruy Alves, gestor de macro global da Kinea Investimentos, falou sobre o assunto.

“Se o Biden quiser se reeleger ele vai ter de abrir os cofres públicos. Você não aposta em um ano eleitoral que eles vão ajustar o fiscal. Isso não existe. E a partir dai acho difícil se esquecer que é necessário se ter um prêmio na parte longa da curva. O remédio para o descontrole fiscal americano é um prêmio mais alto”, explica.