Menos inovação, mais serviço e alguma polêmica: a nova era da Apple pós-iPhone

A Apple de 2020 é mais uma máquina azeitada capaz de compensar o platô nas vendas do seu produto mais conhecido com um crescimento de assinaturas

Sérgio Teixeira Jr.

CEO da Apple, Tim Cook, falar durante a conferência anual de desenvolvedores (Foto: Justin Sullivan/Getty Images)

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NOVA YORK – No final do pregão de sexta-feira (14), o valor de mercado da Apple era de US$ 1,95 trilhão. Para quem presta atenção em marcos desse tipo – e até para quem não dá tanta importância assim a esse tipo de número -, é difícil compreender a enormidade da cifra: quase US$ 2 trilhões.

Somente neste ano, as ações da Apple subiram mais de 50%. O valor de mercado da empresa, o maior de uma companhia no mundo, supera o PIB de países como Espanha e Brasil e colocaria a Apple no grupo das dez maiores economias do planeta.

A companhia que inaugurou a era da computação pessoal nos anos 1980 e transformou a vida de bilhões com o lançamento do iPhone, em 2007, parece não ter limites.

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Mas o sucesso recente da Apple tem cada vez menos a ver com inovações que marcam época e mudam nossas vidas.

Pelo contrário: a Apple de 2020 é mais uma máquina azeitada que uma força de ruptura, capaz de compensar o platô nas vendas do seu produto mais conhecido, o iPhone, com um crescimento expressivo na venda de serviços por assinatura.

É claro que a tecnologia continua tendo um papel essencial no que se faz em Cupertino, Califórnia. Mas a principal novidade técnica está nos bastidores, longe dos olhos do consumidor.

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Em junho, a empresa anunciou que, depois de uma parceria de 14 anos, seus computadores deixarão de usar processadores da Intel.

O cérebro dos Macs agora será feito em casa. Sob a liderança discreta de Tim Cook, a Apple agora tem controle quase completo do seu destino.

Os resultados trimestrais anunciados no final de julho retratam uma empresa que há muito deixou de contar com o iPhone como espinha dorsal do seu negócio.

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Dos US$ 59,7 bilhões em receitas, US$ 26,4 bilhões vieram da venda de celulares. Eles ainda são os líderes de faturamento, mas a soma dos serviços (US$ 13,1 bi) e do Apple Watch (US$ 6,4 bi) aos poucos vai se aproximando do carro-chefe da companhia.

Apesar de um pequeno aumento nas vendas do iPhone, em relação ao mesmo período do ano passado (1,9%), Cook sabe que o negócio de movimentar hardware não terá mais o crescimento explosivo do passado.

Uma análise da Bernstein Research de 2019 indicou que os consumidores fazem o upgrade de seus celulares a cada quatro anos, em média.

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As mudanças nos novos modelos são cada vez mais incrementais, não transformadoras, e a crise econômica causada pela pandemia certamente vai fazer muita gente aguentar um pouco mais com o celular que tem na mão.

Mas a pandemia também significou mais tempo em casa para consumir aplicativos e serviços em celulares e iPads – e é aí que a estratégia da Apple começa a ficar mais clara.

Segundo os dados mais recentes divulgados pela empresa, o serviço de streaming Apple Music contava com 60 milhões de assinantes em meados de 2019.

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O líder mundial é o sueco Spotify, com mais de 120 milhões de assinantes – mas a Apple só entrou nesse segmento em 2015, sete anos depois do principal concorrente.

(Michael Short/Getty Images)

Se no mundo da música a Apple já tinha um histórico de sucesso comprovado, primeiro com o lançamento do iPod e depois com a loja de downloads iTunes Store, na TV a empresa está entrando num mundo inteiramente novo.

O serviço Apple TV+ foi lançado em novembro do ano passado em um evento cheio de estrelas – Steven Spielberg, Reese Witherspoon, Jennifer Aniston e Steve Carell faziam parte da constelação – e com um orçamento de US$ 6 bilhões para a produção de conteúdo original.

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Por enquanto, o resultado tem sido menos que estelar. A programação de filmes e séries ainda não impressionou os críticos, mas os esforços para obter nomes de primeira linha continuam.

Na semana passada, anunciou-se que Martin Scorsese vai lançar seu próximo filme, estrelado por Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, no Apple TV+.

Quem compra iPhones, iPads, Apple TV ou Macs ganha um ano gratuito para experimentar o serviço. Depois, o valor mensal é de US$ 4,99.

Numa conversa com analistas de Wall Street no final do ano passado, Cook disse tratar-se de um “presente” para os clientes.

Faz sentido: a nova plataforma vai demorar para acumular um catálogo competitivo com líderes como Netflix e Amazon Prime Video, especialmente porque a Apple vai oferecer somente programação própria.

A guerra da App Store

De todos os serviços da Apple, o mais lucrativo – e nos últimos tempos cada vez mais polêmico – é a App Store.

A empresa não revela os números específicos da loja de aplicativos, mas uma análise realizada ano passado pelo canal CNBC apontou que só a venda de apps gerou receitas de US$ 50 bilhões para a companhia no ano passado.

Quando a App Store foi lançada, 12 anos atrás, Steve Jobs disse que o objetivo da loja não era dar “grandes lucros”.

“A expectativa é agregar valor ao iPhone. Vamos vender mais iPhones por causa dela”, disse Jobs numa entrevista ao Wall Street Journal.

Das duas afirmações, somente a segunda afirmação segue sendo verdadeira.

O modelo da loja é o que se convencionou chamar de “jardim murado”: em troca do acesso a mais de 1 bilhão de dispositivos em uso no mundo (entre iPhones e iPads), a Apple exige que os desenvolvedores submetam os apps a um processo de aprovação prévia e cobra 30% do valor da venda (ou de qualquer transação realizada dentro do aplicativo).

É impossível subestimar o impacto da decisão de permitir que terceiros criem programas para o sistema operacional iOS.

Um levantamento realizado pela consultoria Analysis Group e divulgado pela Apple estima que o ecossistema da App Store tenha movimentado US$ 519 bilhões no ano passado.

O número é tão grande porque inclui vendas de produtos físicos e também publicidade (ambos isentos do pedágio cobrado pela Apple).

(Christian Petersen/Getty Images)

Mas um número crescente de desenvolvedores está expressando insatisfação com a mordida da maçã mordida.

E na semana passada a Epic Games, dona do jogo de maior sucesso dos últimos tempos, o Fortnite, decidiu declarar guerra.

Num evento transmitido ao vivo pela internet na quarta-feira, a desenvolvedora anunciou uma nova maneira de comprar itens digitais dentro do Fortnite, que dribla a taxa cobrada pela Apple. (O Fortnite pode ser baixado gratuitamente; a receita vem da venda de itens como roupas ou danças especiais para os personagens.)

O jogo foi prontamente excluído da App Store (e também da loja Google Play, que distribui apps para celulares Android).

A produtora do game, que há anos reclama do que considera taxas extorsivas para estar presente nas lojas de aplicativos, também lançou um comercial  parodiando a clássica peça publicitária “1984”, que lançou o Macintosh.

O filme termina com um letreiro que diz: “A Epic Games desafiou o monopólio da App Store. Em retaliação, a Apple está bloqueando o Fortnite em 1 bilhão de aparelhos. Entre na briga para impedir que 2020 se transforme em ‘1984’”.

Além de usar um dos apps mais populares do mundo como arma na guerra perante a opinião pública, a Epic Games entrou com uma ação na Justiça acusando Google e Apple de práticas monopolísticas na distribuição e cobrança dos apps.

Este é um problema potencial para a nova Apple. A empresa afirma que a cobrança das taxas é essencial para oferecer o serviço de distribuição de apps e também para garantir a segurança dos usuários.

A questão do poder excessivo das gigantes da tecnologia vem chamando cada vez mais atenção de políticos e reguladores.
Cook e outros CEOs depuseram perante o Congresso americano no fim de julho, e a União Europeia anunciou em junho uma investigação sobre possíveis violações das leis de concorrência por parte das lojas de apps do Google e da Apple.

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York