Marco do saneamento é aprovado: quais os cenários (e os riscos) para as ações de Sabesp, Copasa e Sanepar?

Votação foi definida como histórica por analistas e o gatilho para mais investimentos no setor - porém, ainda há questões a serem monitoradas de perto

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Histórica. É assim que boa parte dos analistas de mercado definiu a aprovação do novo marco legal do saneamento pelo Senado na noite da última quarta-feira (24), que abrirá caminho para investimentos privados no setor de infraestrutura considerado mais atrasado no Brasil.

O governo estima investimentos de R$ 500 bilhões a R$ 700 bilhões para cumprir as metas determinadas de universalização até o fim de 2033: cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Regional, 16,4% dos brasileiros não tinham acesso à rede de abastecimento de água até o ano passado. Do lado do tratamento do esgoto, os números são ainda mais alarmantes: apenas 53,2% tinham acesso ao serviço em 2018.

A aposta na entrada de capital privado se dá por alguns pontos principais com a aprovação do novo marco. Em primeiro lugar, a Agência Nacional de Águas (ANA) será fortalecida, uma vez que instituirá diretrizes de referência para agências reguladoras e prestadoras de serviços de saneamento. “Isso é muito positivo e necessário para atrair o investimento privado. Atualmente, a regulação é muito fragmentada, com agências municipais, estaduais e de consórcios de municípios, sendo muito diversificada e de baixa qualidade”, destaca o advogado Fernando Vernalha, sócio do Vernalha Guimarães e Pereira Advogados.

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A lei também prevê uma mudança bastante importante sobre os chamados contratos de programa previstos atualmente. Eles são mecanismos que permitem a dispensa de licitação pelo prefeito ao contratar estatais. Ou seja, no modelo em vigor atualmente, não é necessário um processo de concorrência aberto, em que várias empresas (públicas ou privadas) concorrem pela gestão da rede de água e esgoto. O marco legal do saneamento veda a assinatura de novos contratos de programa; por outro lado, os existentes poderão ser renovados até 31 de março de 2022.

Além disso, a lei aprovada define prazos e penalidades caso os planos de investimentos sejam atrasados ou perdidos e viabiliza a privatização das companhias do setor, permitindo a prorrogação da contratação de serviços pelos municípios (concessionários) em caso de mudança de controle (hoje não permitido).

Desta forma, as discussões e trâmites para aprovação do novo marco legal de saneamento eram acompanhadas de perto pelos investidores, principalmente daqueles de ações de três estatais, Sabesp (SBSP3), Copasa (CSMG3) e Sanepar (SAPR11), sendo que as duas primeiras estão na rota para privatização.

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Contudo, na sessão seguinte após a aprovação do plano, as ações de saneamento não tiveram tanto ânimo, o que foi o caso da Sabesp, que está com o caminho mais “fácil” para uma privatização, fechando em queda de 1,33%, a R$ 59,27. Sanepar, por sua vez, que não tem uma mudança de controle no radar, registrou baixa de 1,12%, a R$ 31,85, enquanto Copasa fechou com a maior queda, de 2,81%, a R$ 58,75.

Além do clássico “sobe no boato, cai no fato” – a ação da Sabesp, por exemplo, saltou 66% nos últimos três meses, enquanto o Ibovespa subiu 27% -, algumas questões estão no radar dos investidores, apontando que a privatização das companhias não será um processo simples.

Soma-se a isso a expectativa pelos possíveis vetos de Jair Bolsonaro, uma vez que a lei agora seguirá para a sanção presidencial – o presidente terá 15 dias para apresentá-los. Conforme mencionado durante a sessão de aprovação do novo marco, houve um acordo com o governo federal para que sejam vetados três artigos da lei, sendo o principal deles o artigo 14, parágrafo 1. O acordo foi feito de forma a evitar alterações na proposta, que seria então devolvida para a Câmara dos Deputados.

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O artigo aponta que, no caso de um processo de privatização de uma empresa de saneamento estatal, não há necessidade de consentimento dos titulares (municípios) caso não haja alterações no objeto e na duração do Contrato de Programa.

Para Gabriel Fonseca, analista da XP Investimentos, a remoção deste artigo impactará negativamente potenciais processos futuros de privatização de empresas estatais de saneamento, um ponto de grande importância para Sabesp e Copasa. Isso porque, avalia ele, as propostas de privatização exigiriam o consentimento de 374 municípios no caso da Sabesp e 641 municípios no caso da Copasa, o que aumentaria em muito a complexidade de projetos de venda destas estatais.

Fernando Vernalha, por sua vez, avalia que esse dispositivo não deveria ser suprimido mas que, em um contexto de privatização de uma companhia, é natural que o estado faça a articulação política com os municípios para renovar os contratos. Assim, suprimir o artigo não deve mexer na “espinha dorsal” da nova lei.

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De qualquer forma, no médio prazo, o advogado aponta que a tendência no geral para o setor será por uma “privatização branca”, em que não haverá uma mudança de controle do público para o privado (ainda mais levando em conta questões políticas), mas sim mais concessões para os segmentos de abastecimento e esgotamento, que respondem pela maior parte dos negócios.

Todas essas discussões estão sendo monitoradas de perto pelos investidores, uma vez que as possibilidades de privatização ou capitalização entraram de vez na conta dos analistas de mercado para analisar as empresas listadas na B3, conforme destaca a seguir.

Sabesp: privatização ou capitalização?

A possibilidade de capitalização é uma das possibilidades no caso da Sabesp. Desde a primeira vez que foi sinalizada a privatização da empresa, o outro modelo também foi colocado como alternativa.

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Através da capitalização, o estado venderia cerca de metade de suas ações da Sabesp a um parceiro minoritário por meio de uma nova holding company (não com as ações da Sabesp diretamente), mas ainda manteria o controle da empresa.

No entanto, na avaliação do Bradesco BBI, esse parece ser um cenário menos provável, pois: (i) São Paulo conseguiria menos recursos versus uma privatização total; e (ii) seria muito difícil encontrar um parceiro minoritário (operador ou investidor de longo prazo) para comprar uma grande participação em uma holding ilíquida, uma vez que a Sabesp continuaria sendo uma estatal.

Na avaliação dos analistas do BBI, desta forma, São Paulo deve reafirmar os seus planos de privatizar a companhia – a fatia atual de 50,1% do estado na Sabesp pode valer mais de R$ 30 bilhões em um leilão de privatização. Contudo, o processo de privatização não acontecerá da noite para o dia,
e haverá uma oposição na Assembleia Legislativa do Estado (é necessária a aprovação por maioria simples para vender a Sabesp).

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No entanto, eles reforçam que recentemente alteraram a recomendação para as ações da Sabesp de neutra para a compra uma vez que, nos preços atuais, a ação embute uma probabilidade de apenas 20% de privatização. Assim, a relação risco-retorno ainda é vista como favorável, uma vez que os analistas veem uma chance de 50% de privatização e 50% da companhia se manter estatal.

Os analistas projetam que, no caso de privatização, a Sabesp poderia valer R$ 104, um potencial de valorização de 73% frente o fechamento de quarta-feira. Por outro lado, caso ela se mantenha estatal, o valor justo das ações seria de cerca de R$ 54, uma queda de 10% em relação ao fechamento da véspera.

Assim, o preço-alvo atual de R$ 79 (31% de potencial de valorização) é baseado no cenário 50% de privatização e 50% da empresa continuar estatal. Eles apontam ainda que, mesmo no cenário em que a companhia continuasse estatal, ela teria mudanças pois, para atrair um parceiro minoritário, faria  melhorias substanciais na governança corporativa e/ou no processo de revisão tarifária da Sabesp definido para 2021.

Já na avaliação do UBS, a Sabesp privatizada poderia valer R$ 98 (um potencial de valorização de 63%). O preço-alvo atual do banco suíço para as ações SBSP3 é de R$ 58, seguindo com recomendação de compra para os ativos. Já o Credit Suisse avalia que, no cenário mais otimista, os ativos da Sabesp possam valer R$ 81,40 (valorização de 35%).

O Morgan Stanley também reforça que, considerando que agora, com o novo marco aprovado, que o governo do estado de São Paulo já deve começar a conduzir as iniciativas em direção à privatização do companhia, exigindo aprovações no Legislativo menos desafiadoras do que os seus pares.

Dito isto, embora ainda vejam um potencial de valorização de 37% no cenário de privatização, ao projetarem a ação a R$ 82 nessa hipótese, os analistas do banco americano acreditam que as ações do já estão precificando uma probabilidade de privatização mais alta. “Como reconhecemos os desafios de qualquer processo de privatização e, considerando o valuation atual, continuamos com recomendação equalweight (exposição em linha com a média do mercado)”, aponta a equipe de análise do Morgan em relatório.

Na mesma linha, a XP possui recomendação neutra para os ativos da Sabesp, avaliando que as propostas de privatização não devem ser apresentadas antes da eleição de 2020, uma vez que o tema é de grande sensibilidade a municípios.

Copasa: caminhos mais difíceis

Se, para a Sabesp, já há desafios na privatização, ela pode ser ainda mais complicada para a mineira Copasa. Apesar do sinal verde do governo de Minas Gerais para que ela mude de controle,  a privatização de estatais em Minas depende da alteração de dois trechos da Constituição Estadual de Minas Gerais que afirmam que processos de venda de empresas estatais no Estado dependem de aprovação por três quintos dos votos da Assembleia Legislativa e validação em um plebiscito. A avaliação é de que não há apoio político para isso, conforme destaca Fonseca, da XP.

Contudo, avalia, mesmo que houvesse autorização da Assembleia para realizar o processo de privatização, há um outro obstáculo: o contrato de programa da capital do estado, Belo Horizonte (município mais importante, que gera 30,8% das receitas da Copasa) contém uma cláusula afirmando sua nulidade caso a estatal seja privatizada, o que poderia causar instabilidade jurídica em uma eventual tentativa de privatização. Desta forma, a recomendação para a XP é de venda para os ativos CSMG3, considerando que os papéis já estão excessivamente valorizados.

O Morgan Stanley também ressalta que o cenário de privatização para a Copasa é bem mais desafiador do que para a Sabesp, o que justifica o maior potencial de alta para os ativos em caso de mudança de controle.

Na avaliação do banco, caso a empresa seja privatizada, o papel pode ir a R$ 107, correspondendo a um potencial de valorização de 77%. O preço-alvo atual para os ativos é de R$ 56 (downside de 7%). De qualquer forma, os analistas acreditam que, com a aprovação do marco legal do saneamento, a companhia vai se beneficiar pela melhor regulação. Já o UBS, ainda que positivo, vê a privatização podendo levar as ações da companhia a R$ 87, ou uma alta de 44%.

Sanepar: sem perspectiva para privatização, mas barata

Sem perspectiva de privatização – conforme destaca o Bradesco BBI, ao contrário de Minas, a situação fiscal do Paraná não é complicada -, a Sanepar é vista como atrativa pelos analistas pelo seu valuation atrativo – apesar do cenário complicado no curto prazo.

De acordo com o Morgan Stanley, a empresa continua enfrentando ventos contrários devido a uma crise hídrica em curso no estado do Paraná, que levou o governo estadual a declarar uma situação de emergência e a empresa a implementar rodizio no fornecimento de água na região metropolitana de Curitiba.

“Ainda assim, apesar de permanecermos taticamente cautelosos no curto prazo, vemos um perfil atraente de recompensa de risco a longo prazo”, destacam os analistas, que possuem recomendação equivalente à compra para o papel. Na mesma linha, os analistas do Bradesco BBI e da XP mantêm recomendação de compra para a paranaense.

Próximos passos

Com o marco legal do saneamento aprovado, os investidores ficarão de olho nos próximos passos para a regulamentação do setor, além dos possíveis vetos de Bolsonaro.

Conforme ressalta o Bradesco BBI, a nova lei de saneamento terá que ser complementada por decretos específicos, para definir os detalhes operacionais de como será implementada. Ou seja, a extensão dos poderes da ANA, como a regionalização dos serviços de saneamento será estabelecida, os limites para as estatais investirem, entre outros pontos. O decreto regulamentar deve tratar sobre como as empresas solicitarão financiamento federal para investimentos em universalização.

Essa tarefa provavelmente será liderada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional que, nos próximos meses, trabalhará nos decretos necessários.

O UBS ressalta que o passo seguinte pode ser o desenvolvimento do setor no mercados de capitais. “Existem apenas três empresas de serviços públicos de água listadas na Bolsa de Valores de São Paulo, o que representa uma incompatibilidade em relação ao tamanho da oportunidade”, afirmam os analistas. Assim, consequentemente, esperam-se mais IPOs e privatizações.

“Outro passo seria a fase de investimentos. Com o consolidação da ANA atuando como agência reguladora de referência, acreditamos que investimentos em saneamento no Brasil poderiam ser multiplicado em cinco, o que resultaria em mais empregos e melhora do sistema de saúde”, avaliam.

Assim, as oportunidades para os investidores com a aprovação do novo marco podem acontecer não só em termos das empresas que estão atualmente na B3, mas com as companhias que podem acessar o mercado de capitais – além da maior expectativa para entrada de investimentos no país.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.