Juros nos EUA a falas de Lula: o que explica a saída de R$ 21 bi da Bolsa em 2024

No ano passado, o Ibovespa (principal índice da Bolsa brasileira) se valorizou 22,28%. Em 2024, a queda acumulada é de 5,33%

Estadão Conteúdo

Brasil em queda/crise (Foto: Getty Images)

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Os investidores estrangeiros já retiraram R$ 21,2 bilhões da Bolsa de Valores desde o começo de 2024. No trimestre atual, se esse cenário permanecer, o mercado de ações do País caminha para colher o pior desempenho para o período, desde 2020, quando a economia global começou a ser chacoalhada pela pandemia da Covid-19 e a saída de recursos somou R$ 64,3 bilhões.

Em 2024, são dois os grandes vetores que explicam esse comportamento dos investidores internacionais. O mais importante tem a ver com o cenário externo e as mudanças na expectativa do mercado para o rumo das taxas de juros nos Estados Unidos. Em menor grau, pesam também as tentativas mais claras do governo brasileiro de interferência na economia.

Na virada do ano, os investidores se mostraram otimistas e chegaram a prever seis cortes nas taxas de juros dos Estados Unidos. Mas esse cenário foi sendo abandonado conforme os números divulgados apontavam para uma economia mais forte do que o esperado, o que indica um caminho mais difícil para o Fed (Federal Reserve, banco central dos EUA) levar a inflação para a meta de 2%.

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Na quarta-feira, 20, o Fed reforçou que o seu plano de voo é mais modesto. O banco central dos Estados Unidos manteve as taxas de juros no intervalo de 5,25% a 5,50% e sinalizou que devem ser realizados três cortes neste ano. Juros mais altos nos EUA tendem a atrair recursos aplicados em mercados emergentes, considerados mais arriscados, como é o caso do Brasil.

“Houve uma mudança muito abrupta das expectativas de corte das taxas de juros nos Estados Unidos. E foi uma mudança guiada por um otimismo com os EUA”, afirma Marcela Rocha, economista-chefe da Principal Claritas.

De fato, os números dos Estados Unidos mostram uma economia bastante resiliente. O próprio Fed aumentou a projeção para o Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano deste ano de 1,4% para 2,1%. A mediana para núcleo do índice de preços de gastos com consumo (PCE) subiu de 2,4% para 2,6%.

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“Desde o início do ano até agora, o que estamos vendo é o mercado reprecificando os juros nos Estados Unidos”, diz Gabriela Joubert, estrategista-chefe do Banco Inter.

Com a mudança de rumo nos Estados Unidos, a Bolsa brasileira passou a enfrentar uma espécie de ressaca. No fim de 2023, quando havia a expectativa por um ciclo maior de queda de juros nos EUA, os mercados emergentes receberam uma enxurrada de recursos de fora. Em novembro e dezembro, a entrada de recursos foi de R$ 21 bilhões e R$ 17,5 bilhões, respectivamente.

“Além da dúvida do corte dos juros, os EUA estão muito atrativos. É uma economia crescendo, uma economia forte. Uma das coisas que explicam é simplesmente o comparativo: por qual razão o investidor vai tomar risco se os EUA estão com uma conjuntura favorável”, afirma Marcela.

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A volta do estrangeiro para a Bolsa brasileira, portanto, vai depender dos sinais da economia dos EUA e, consequentemente, das expectativas para os juros norte-americanos. Por ora, descontadas as oscilações diárias, como a entrada de quase R$ 3 bilhões em 15 de março, os analistas dizem que o cenário segue o mesmo do observado até agora.

Efeito China

Outro fator internacional que tem influenciado o desempenho do investidor estrangeiro na Bolsa é a dificuldade de a China conseguir acelerar o crescimento do PIB. A economia chinesa é uma grande compradora de produtos básicos do Brasil, e o mercado acionário brasileiro é bastante influenciado pelo comportamento dos preços das commodities no mercado internacional.

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Considerada um dos motores da economia global, a China tem lidado com um cenário mais complicado na economia, lidando com uma crise imobiliária.

No início do mês, o governo chinês definiu a meta de crescimento econômico de cerca de 5% para 2024, a mesma do ano anterior. O número pode ser considerado otimista quando se compara com a projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), que projeta um avanço do PIB de 4,2% neste ano.

“Como a China passa por essa situação de desaceleração e preocupações com o cenário econômico de médio prazo, existe um ponto de interrogação, de preocupação ligado a ativos mais relacionados às commodities”, afirma Silvio Campos Neto, economista e sócio da consultoria Tendências.

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Incerteza local

As recentes incertezas com o rumo da economia local também podem explicar parte da saída de recursos do mercado de ações brasileiros. Nos últimos meses, a tentativas do governo Lula de intervir na Vale e Petrobras, duas gigantes nacionais, ampliaram uma dúvida e preocupação dos investidores com o risco de um governo mais intervencionista.

Esse tipo de preocupação existe desde o início do terceiro mandato de Lula. Há uma dúvida se o governo vai ser mais pragmático na condução da política econômica, como nos primeiros anos do petista, ou se haverá um descuido com as contas públicas e o governo atuará com a mão mais pesada nos rumos da economia.

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“O que a gente vê é um cenário de Bolsa capengando, sem ímpeto e sem fôlego”, afirma Campos Neto, da Tendências. “E, olhando o comportamento de capitais estrangeiros, há uma saída bastante forte. Talvez tenha um pouco de realização de lucro, depois dos ganhos do ano passado, mas, talvez, os investidores comecem a farejar alguns sinais mais problemáticas da agenda econômica interna.”

Um termômetro desse medo pode ser lido na pesquisa Genial/Quaest, que foi divulgada na quarta-feira, 20, com participantes do mercado financeiro. O levantamento mostrou que metade dos entrevistados aponta o intervencionismo como o maior risco para o governo Lula. É a principal preocupação. Na sequência, estão o estouro da meta fiscal (23%) e a perda da popularidade do presidente (19%).

No caso da Petrobras, por exemplo, o governo suspendeu o pagamento dos dividendos extraordinários, o que frustrou os investidores. No dia seguinte ao anúncio, em 8 de março, R$ 1,8 bilhão de recursos de estrangeiros deixaram a Bolsa.

Em valor de mercado, a companhia perdeu cerca de R$ 56,6 bilhões desde a decisão envolvendo os dividendos, de acordo com cálculos de Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria. Em 2024, a queda acumulada é de R$ 25,1 bilhões.

“Até os dados de fevereiro e começo de março, a saída do investidor internacional era relacionado ao cenário global”, diz Marcela, da Principal Claritas. “Só que, desde 8 de março, o primeiro dia depois da decisão da Petrobras em não distribuir os dividendos extraordinários, ficamos numa dúvida se essa continuidade de saída do estrangeiro também está relacionada com dúvidas sobre o cenário interno.”

Na Vale, o governo atuou para emplacar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega no comando da companhia no lugar de Eduardo Bartolomeo. O conselho de administração da mineradora decidiu renovar o mandato do executivo até 31 de dezembro. Ele deveria sair em maio. A mineradora contratou uma companhia de recursos humanos para ajudar na sucessão.

A sucessão tumultuada e a queda do preço do minério de ferro no mercado internacional já levaram a Vale a perder R$ 70,1 bilhões em valor de mercado neste ano.

“Houve mais ruído do governo neste início de ano do que em 2023, mas a nossa visão é de que faz parte do jogo. O cenário que a gente vê não se caracteriza por uma guinada grande da política ou que será (um governo) muito mais intervencionista”, diz Paulo Abreu, sócio e gestor da Mantaro Capital.

“Tem esses momentos de mais ruídos, mas que costumam ser seguidos de mais calmaria no governo Lula.”

No ano passado, o Ibovespa (principal índice da Bolsa brasileira) se valorizou 22,28%. Em 2024, a queda acumulada é de 5,33%.