Grécia, muito além de um acordo financeiro

A saída da crise grega passará, de “forma organizada” (com um acordo com a União Europeia) ou pelo caos (pelo não-financiamento da Europa), pela desvalorização (corte) de sua dívida e, possivelmente, pela saída do euro

Francisco Petros

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 Estamos a comemorar este ano os 200 anos da Batalha de Waterloo (Bélgica) que destroçou os planos de Napoleão de dominar a cena política na Europa. Também lembramos neste ano o encerramento da II Guerra mundial que devastou a Europa e parte relevante da Ásia e matou cerca de 75 milhões de pessoas. A derrota de Adolf Hitler representou a renovação da esperança mundial na paz e na prosperidade, especialmente no Novo Continente.

Não se pode dizer que a Europa “civilizada” seja exemplo glorioso de experiências que correspondam à sua fama. Dividida e intricada em interesses regionais e nacionais, o continente jamais alcançou a serenidade que a América conquistou para se tornar a potência que é. A maior marca do Velho Continente é a tragédia da guerra e a capacidade de construir lentamente e destruir com enorme rapidez a união dos povos em objetivos comuns. Basta verificarmos o que aconteceu no centro da Europa na guerra da antiga Iugoslávia entre 1991 e 2001 para concluir que a civilidade europeia tem limites relativamente estreitos.

A crise da Grécia, país belo e centro da construção do humanismo ocidental, é a representação da desunião da Europa na consecução da edificação da União Europeia, concebida e iniciada por dois gigantes da política, o francês Charles de Gaulle e o alemão Konrad Adenauer. Foi à luz dos ideais do Tratado de Roma (1957) que se concebeu os germes daquilo que se tornaria a atual União Europeia. Depois da destruição das Guerras Mundiais, esperava-se o progresso contínuo e a maior igualdade entre as nações. Exemplo para o mundo, como se informava a mídia do Continente desde 1981, ano da fundação da União Europeia. 

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A Grécia, 11 milhões de habitantes, país que atualmente representa 2% do PIB europeu (antes da crise de 2008 era 4%), aderiu à Organização do Tratado do Atlântico Norte em 1952, foi o segundo país da Europa meridional a aderir à Comunidade Econômica Europeia o que permitiu que já no nascimento da União Europeia se tornasse país-membro pleno e, posteriormente (2001) adotou a moeda única, o euro. Antes, na II Guerra Mundial, lutou contra a Itália fascista, rechaçando as tropas de Mussolini e foi em 1942 invadida pela Alemanha nazista. Em 1946 iniciou-se uma sangrenta guerra civil, encerrada em 1949. Foi o único país abaixo da denominada “Cortina de Ferro” que não se tornou comunista.

O sofrimento, a penúria e a luta pela democracia e a liberdade são as marcas da Grécia contemporânea. Apesar dos muitos percalços o país balcânico sempre esteve ao lado da Europa e contra as barbáries do nazismo, do comunismo e do fascismo.

Desde 2001, o país passou por um período de administração econômica de qualidade duvidosa, recheada pelo descontrole das finanças públicas, pelo falseamento de informações econômicas e pelo descontrole em relação ao endividamento público. Estas desastrosas políticas econômicas foram adotadas, de forma contínua, pelos governos do PASOK (Partido Socialista) e Nea Democratia (conservadores), os mesmos partidos que, no atual momento de crise, a maioria dos países da União Europeia gostariam de estar negociando.

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A eleição em janeiro deste ano de Alexis Tsipras, sob a égide do Partido Syriza, partido da esquerda radical, é o resultado do longo período de “ajustes” que foram requeridos pela União Europeia para que continuasse financiando a Grécia no período pós-2008. É o “preço” da má administração dos governos do passado, dizem alguns analistas desinformados. De fato, a Grécia foi o país que mais reformas implementou no período pós-crise, com o objetivo de angariar recursos fiscais e bancar a insuficiência dos recursos externos. Faltam reformas relevantes, sobretudo no que diz respeito à previdência social e ao funcionalismo público. Todavia, tais reformas são as mesmas que nenhum país da União Europeia conseguiu implementar até agora. Inclusa a Alemanha de Merkel.

Desde 2008 o PIB grego caiu 43% e, mesmo assim, o déficit fiscal gravita no momento em torno de -1%. Projeções do FMI indicam que mesmo se a Grécia fechar o acordo com a União Europeia ao longo de 2015, o PIB deve cair ao longo dos próximos três anos, mais 4%. O desemprego do país está ao redor de 27%, sendo que entre os jovens (até 30 anos) alcança a marca recorde de 50%. A dívida grega atualmente representa 185% do PIB do país quando em 2008 era de 104% do PIB. Não precisa ser genial, como alguns analistas por aqui e alhures desejariam ser, para perceber que esta dívida é impagável e que o país está na depressão econômica, sem esperança e sem rumo certo. Se na Alemanha, de Angela Merkel, nos anos 20 do século passado, a depressão levou ao nazismo e à guerra, os gregos optaram pelo Syriza, não por convicção ideológica, mas como a única alternativa para elaborar um “basta” ao desolador cenário do país.

A saída da crise grega passará, de “forma organizada” (com um acordo co a União Europeia) ou pelo caos (pelo não-financiamento da Europa), pela desvalorização (corte) de sua dívida e, possivelmente, pela saída do euro. A exigência da União Europeia, do BCE e do FMI (denominada de troika) de que a Grécia produza 1% de superávit primário num cenário de depressão é simplesmente irreal, senão absurda. Ocorre, que a troika, diante desta realidade, precisa conter a restruturação da dívida grega, pois que os espanhóis, irlandenses e portugueses e, em menor medida, os italianos, estão em situação de penúria (não tanto quanto a Grécia, é claro!) e podem se entusiasmar e votar nos partidos políticos radicais que florescem em meio à tragédia social e econômica. Além disso, Holande, Merkel et caterva precisam cuidar de seus quintais eleitorais. Há quem os denomine, especialmente Merkel, de “estadista”. Os gregos têm mesmo é saudade de Adenauer.

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Do outro lado do Atlântico, os EUA, os quais adotaram uma política econômica focada no crescimento para superar a crise de 2008, a qual está finalmente superada após sete anos, olham para o Velho Continente e perguntam, via Barack Obama: a União Europeia deixará a Grécia quebrar? Não importa aos líderes europeus a posição estratégica do país na Europa do Leste? Como ficará o país na aliança militar da OTAN? Não preocupa o fato de que o único socorro à Grécia está sendo soprado por Vladimir Putin, o qual tem ambições geopolíticas na Europa Central e Meridional?

Os europeus terão de pensar nestas questões com rapidez, especialmente na reunião desta quinta-feira (18/6) em Bruxelas entre os Ministros das Finanças dos países da União Europeia. A probabilidade maior é que o destino da Grécia seja o exílio da Europa e o caos social e político. Assim foi escrita a História da Europa no passado e que deve se repetir agora.

Enquanto isso, Alexis Tsipras, o primeiro-ministro grego, visita hoje a Rússia e amanhã conversa com Putin.

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A Grécia, que pela construção de seus pensadores e a arte de seus estadistas, forjou a civilização ocidental, merecia um destino mais digno.