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O governo brasileiro enfrenta uma janela de oportunidade limitada para recuperar a confiança do mercado na sustentabilidade fiscal do país. É o que afirmam os especialistas do JP Morgan. A análise do banco foi divulgada em relatório após as declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na terça-feira (29), de que o pacote de corte de gastos ainda não possui números definidos nem data para ser divulgado, serem recebidas de forma negativa pelos investidores.
O relatório da instituição enfatiza a necessidade urgente de medidas estruturais mais amplas, que poderiam mitigar riscos fiscais e assegurar que o crescimento dos gastos obrigatórios permaneça dentro do limite.
Apesar dos sinais positivos emitidos pela equipe econômica desde 2023 e de recentes mudanças que aumentam a probabilidade de cumprimento da meta fiscal para este ano, os estrategistas observam que o mercado permanece cético quanto à trajetória das contas públicas no médio e longo prazo. Destacam ainda que as mudanças frequentes na métrica fiscal — com a exclusão de despesas como precatórios e desastres naturais, por exemplo — podem minar a credibilidade da meta e dificultar a ancoragem das expectativas.
Para o JPMorgan, os últimos movimentos, como a revisão da meta para 2025 e a proposta de inclusão de recursos privados não reclamados como receita primária para este ano, reforçam, segundo o banco, o desalinhamento entre as metas estabelecidas pelo governo e as expectativas dos investidores. Os analistas afirmam que o sucesso em estabilizar essa dissonância depende da implementação de medidas efetivas e da comunicação clara sobre as intenções do governo.
Crescimento das despesas obrigatórias
O crescimento das despesas obrigatórias, sobretudo com a Previdência Social, tem se destacado nos primeiros meses deste ano, e os analistas alertam que esse crescimento ameaça tornar inviável o teto de 2,5% para o aumento das despesas até 2026, a menos que sejam adotadas ações mais decisivas. Mesmo com resultados marginais melhores nos primeiros meses deste ano, o JPMorgan ressalta que o aumento estrutural de despesas não se alinha à meta de contenção de gastos.
O relatório também pontua o risco representado por iniciativas voltadas para expandir benefícios e linhas de crédito, como os recentes debates sobre subsídios para o gás de cozinha e o uso de fundos soberanos para aumentar o crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
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Entre as propostas mais preocupantes, segundo os analistas, está a triangulação de transferências sociais fora do orçamento central, que, para o banco, enfraqueceria o sistema de responsabilidade fiscal e a credibilidade das contas públicas.
4T24: a última chance para aprovar medidas fiscais significativas?
Para o último trimestre de 2024 (4T24), o relatório sugere que a janela de oportunidade se resume a um curto período entre novembro e dezembro, após a quinta revisão fiscal bimestral do ano, marcada para 22 de novembro. Nesse intervalo, dizem os estrategistas, o foco deve estar em medidas de aumento de receita e em uma possível revisão estrutural de benefícios sociais, embora os analistas ponderem que mudanças profundas são improváveis diante das resistências políticas.
Segundo o JPMorgan, o mercado pode tolerar pequenas decepções no curto prazo, desde que o governo demonstre um compromisso claro com a melhoria das contas fiscais no longo prazo. Esse compromisso incluiria, idealmente, um esforço para limitar iniciativas quasi-fiscais (que podem afetar o balanço do setor público sem afetar o déficit orçamentário) que, de acordo com o relatório, têm se tornado mais comuns e aumentam o risco de descontrole no médio prazo.
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O relatório conclui que, enquanto medidas estruturais podem não ser viáveis até o final de 2024, uma segunda janela de oportunidades pode surgir entre fevereiro e abril de 2025, antes da apresentação das diretrizes orçamentárias de 2026. No entanto, o custo de perder essas oportunidades será crescente, com uma perspectiva fiscal cada vez mais desafiadora que pode exigir políticas monetárias mais rigorosas ao se aproximar o ano eleitoral de 2026.
Elaboração de medidas para conter despesas
A expectativa pela divulgação de medidas de contenção de gastos foi impulsionada por declarações da ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), que mencionou um “pacote” a ser enviado pelo governo ao Congresso após as eleições municipais. A necessidade dessas medidas é tema recorrente entre analistas desde o início da nova gestão, mas a urgência aumentou recentemente devido ao crescimento da dívida pública e à criação de créditos extraordinários para despesas fora da meta fiscal. O governo almeja zerar o déficit fiscal em 2024, equilibrando receitas e despesas.
Para alcançar essa meta, a equipe econômica já anunciou várias iniciativas focadas no aumento de arrecadação, mas os ajustes nas despesas, que seguem em alta, foram limitados até agora. Em agosto, o Tribunal de Contas da União (TCU) emitiu um alerta sobre o risco de “shutdown” da máquina pública até 2028, considerando o crescimento das emendas impositivas e dos mínimos constitucionais para saúde e educação.
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Dados técnicos do TCU indicam uma queda de 88% no espaço para despesas discricionárias — os “gastos livres” dos ministérios que financiam políticas públicas não obrigatórias. Em 2024, esses gastos devem atingir R$ 100,9 bilhões, mas a projeção para 2028 é de apenas R$ 11,7 bilhões, após deduções com emendas e mínimos constitucionais.
Na quarta-feira (31), após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Palácio da Alvorada, em Brasília, Haddad disse que o encontro permitiu uma “convergência importante em torno de um princípio de reforçar o arcabouço fiscal”. Segundo o ministro, algumas dessas medidas “invariavelmente” exigirão uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o que implica um desafio adicional na elaboração e um trabalho jurídico prévio antes de iniciar o diálogo com o Congresso Nacional.
No X (antigo Twitter), o ministro Rui Costa declarou que “quem apostar contra o Brasil vai perder”. Ele afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fará “os ajustes necessários para garantir o crescimento do país, promover investimentos e cumprir o arcabouço fiscal, mantendo as despesas dentro das regras da meta fiscal”.
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Paralelo a isso, a ministra Simone Tebet afirmou que o pacote fiscal submetido a Lula é sólido, mas aguarda a aprovação final do presidente. Ela sugeriu que o anúncio ocorra em novembro, embora sem definir uma data específica.