Consequências do coronavírus atingem fintechs brasileiras – e algumas vão ficar pelo caminho

De Nubank a Creditas, empresas da era digital focadas em crédito têm enorme desafio pela frente, mas as menores vão sofrer mais

Paula Zogbi

(shutterstock)

Publicidade

SÃO PAULO – No início de 2020, boa parte das casas de análise desaconselharam investimentos em bancos tradicionais, citando maiores dificuldades e margens pressionadas à medida que o Banco Central melhorava o ambiente competitivo para as fintechs no país. Com o coronavírus, porém, o jogo mudou de figura – e os disruptores entram em seu primeiro teste de fogo.

Em relatório, o analista Jorge Kuri, do Morgan Stanley, avaliou os impactos de consequências da crise em empresas financeiras da era digital – principalmente as que ainda não tiveram tempo de estabelecer uma reputação no mercado.

“Vemos um período agudo entre três e seis meses de problemas se amontoando, seguidos de algo entre 12 e 18 meses de lenta recuperação”, diz o parecer.

Masterclass

As Ações mais Promissoras da Bolsa

Baixe uma lista de 10 ações de Small Caps que, na opinião dos especialistas, possuem potencial de valorização para os próximos meses e anos, e assista a uma aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Para o Morgan, empresas “amplamente estabelecidas”, como PagSeguro, Stone, XP e Original não são o grande alvo de preocupação. Dessas, as mais dependentes de crédito em seu core business, como Nubank, Creditas e Banco Inter serão “testadas”, mas devem se sair relativamente bem, na visão do time de analistas.

“Nossa preocupação é especificamente com as outras 95% das companhias, as centenas de pequenas e médias fintechs“, cuja sobrevivência está de fato em risco pela profundidade da recessão e desafios consequentes. Dentre as consequências da quarentena para a economia que abalam o ecossistema, as mais graves, na visão deles, são três (a seguir):

O menor apetite a risco pelos fundos de venture capital e investidores em geral, o que, quando não inviabiliza financiamentos, aumenta os juros significativamente.

Continua depois da publicidade

Esse fator afeta todas as categorias de fintechs, e não só as de crédito, já que startups em geral necessitam de financiamento externo em seus primeiros anos de existência.

Em 2019, o investimento em fintechs no país totalizou US$ 936 milhões, 35% do total registrado em venture capital para startups em geral, de acordo com a Data Miner.

Uma alta abrupta da inadimplência, principalmente entre os consumidores “subprime” – que são justamente o público-alvo dessas empresas.

O Boletim Focus mais recente aponta para recessão de 3,34% para o PIB brasileiro este ano, mas o Morgan “não se surpreenderia” com uma queda da ordem de 5%. Isso significa que os clientes que tomam crédito nessas fintechs, em geral pessoas com maior dificuldade em encontrar subsídios em grandes bancos por terem perfil de crédito de menor qualidade, verão queda abrupta na receita.

A média de crescimento da inadimplência em cartões de crédito para 15 países nas crises dos últimos 10 anos foi de 47% entre seis e nove meses após o início da recessão.

O relatório exemplifica a gravidade deste ponto com Banco Inter, onde 71% dos novos empréstimos nos últimos 12 meses são oriundos de cartões de crédito – estes emitidos, em sua maioria, para clientes sem relação anterior com a instituição.

Queda nos volumes e no crescimento de receitas com menos investimentos e aumento da preferência pela segurança de instituições financeiras já estabelecidas

Dado o cenário descrito nos itens anteriores, “as fintechs serão forçadas a focar em preservação de capital e crescer vagarosamente – exatamente o oposto do que vêm fazendo desde o início”, lembrou o Morgan – ou seja, fatalmente menos capital será investido na atração de clientes.

Outro agravante e que momentos de crise como este podem gerar desinteresse por parte dos clientes, principalmente porque muitos deles usam as empresas novatas como segunda conta, mantendo o relacionamento com bancos tradicionais. Com isso, o Morgan avalia o risco de um flight-to-safety (alusão ao termo flight-to-quality usado principalmente no mercado imobiliário), ou seja, uma busca pela segurança dos players maiores.

Quem sai ganhando?

O Brasil tem a maior indústria de fintechs da América Latina, aponta pesquisa da Fintech Lab. Em 2019, operavam 529 empresas financeiras baseadas em tecnologia no país, sendo a vertical de pagamentos a mais relevante, com 151 representantes. Crédito, a frente que deve ser mais afetada, aparecia em segundo lugar, com 95 representantes. De todas, 61% das fintechs brasileiras operam há três anos ou menos e cerca de 48% têm até 10 funcionários.

A queda dessas centenas de pequenas e jovens empresas pode levar grandes instituições a recuperar parte do terreno perdido e sair fortalecidas da crise. “Ainda que poucas [fintechs] tenham fatia de mercado relevante, a imensa quantidade de novos pequenos empreendimentos estava evidentemente impactando volumes e preços”, aponta Kuri.

Por sua vez, essas fintechs já estabelecidas podem observar uma janela interessante para fusões e aquisições, “mas a preservação de capital pode limitar a consolidação entre disruptoras”.

Do ponto de vista de investimentos, o relatório aponta ações de grandes bancos e fintechs estabelecidas (como Stone e PagSeguro) como bons jogadores para uma carteira que queira aproveitar esse movimento. Desaconselha, entretanto, o investimento em Banco Inter (BIDI4), cujo modelo de negócio é “aparentemente difícil de monetizar”.

Paula Zogbi

Analista de conteúdo da Rico Investimentos, ex-editora de finanças do InfoMoney