Colunista InfoMoney: Livre comércio é para inglês ver

Lobby e apoio político de setores falam mais alto que simples teoria, especialmente nos mercados agropecuários

Chau Kuo Hue

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A recente aprovação no Congresso americano de um projeto de regulamentação do sistema financeiro é um forte sinal aos economistas de que o livre mercado não é a solução ótima que tantos livros básicos e seus complexos modelos matemáticos apregoam. Isto me faz pensar sobre a regulação existente nos mercados agropecuários, um dos mais protegidos do mundo.

Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, os produtores de leite recebem subsídios do governo. No passado, a relação era incestuosa, de modo que o apoio governamental não se limitava a garantir preços mínimos, mas também concedia facilidades para exportar (através de linhas de financiamento ou outros instrumentos criativos) e até mesmo acesso a ração a menores preços em comparação aos de mercado. O protecionismo também é visível na China, onde há preocupação com os criadores de suínos, no Japão com os produtores de arroz, e na África já se cogita levantar instrumentos para proteger o produtor local de frango.

 “O lobby e apoio político
 de setores falam mais
 alto do que uma simples
 teoria”

No livro The Principles of Political Economy and Taxation, de David Ricardo, comenta-se sobre a teoria das vantagens comparativas, na qual o comércio entre os países pode ser benéfico para os residentes caso haja um intercâmbio de produtos nos quais cada um possui maior produtividade. Por exemplo, se o Brasil possui minério de ferro de alta qualidade, e sua extração é de baixo custo (mas ressaltando que não importa o custo absoluto), nada mais natural que exporte laminados de aço, enquanto que o Japão, por possuir melhor estrutura industrial para produzir eletroeletrônicos, exporte componentes eletrônicos.

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Entretanto, relembrando aqui o título do livro de Joelmir Beting, na prática a teoria é outra. O Brasil realiza vendas externas de minério de ferro e o Japão os transforma em laminados de aço (pois impõe pesadas tarifas de importação sobre derivados de minério de ferro) e os comercializa ao mundo via produtos de alto valor agregado.d

Para evitar abusos no “livre comércio” internacional, a Organização Mundial do Comércio (OMC) é uma instância na qual os países que se sentem prejudicados pelos subsídios de seus parceiros comerciais podem fazer uma reclamação e entrar em um processo para serem ressarcidos e porem um fim no apoio governamental a um determinado setor.

No entanto, não é tarefa fácil provar que uma economia proporciona subsídios, já que geralmente tais instrumentos não são demonstrados de forma tão escancarada. No caso do algodão, no qual o Brasil ganhou um contencioso sobre os Estados Unidos, foram anos de processo.

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Casos como o da regulação financeira nos EUA, que tende a se estender para a Europa, e o dos subsídios no setor agropecuário, mostram que, provavelmente, os livros de economia no futuro deverão ser modificados, deixando de doutrinar os alunos de que a livre economia é o fim maior. Seria ingenuidade achar que a proteção a produtores locais um dia termine de vez, já que o lobby e o apoio político de setores falam mais alto do que uma simples teoria.

Chau Kuo Hue é economista e escreve mensalmente na InfoMoney.
chau.hue@infomoney.com.br