China é fator que impulsiona agosto de realização e queda na Bolsa brasileira, diz head do Santander

Vinicius Vieira diz que asset tem uma visão "cautelosamente otimista" com as ações locais, diante da forte volatilidade, mas destaca avanços em reformas

Bruna Furlani

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O início do ciclo de afrouxamento monetário, que levou a Selic para o patamar de 13,25% ao ano, trouxe consigo a expectativa de que haveria uma alta mais forte na Bolsa, o que não ocorreu até agora.

Até a última terça-feira (15), o Ibovespa acumulava 11 pregões seguidos no vermelho – movimento que tentava ser revertido na sessão desta quarta-feira (16). Um dos motivos para a correção pode estar na China, afirma Vinicius Vieira, head de renda variável da Santander Asset.

“China é um fator que veio pior em termos econômicos e tem impulsionado essa realização”, diz. “O desempenho chinês foi o que mais me surpreendeu negativamente”, avaliou o executivo, em entrevista ao InfoMoney nesta quarta-feira (16).

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Uma das explicações é que uma boa parte do Ibovespa é formada por empresas de commodities, como Vale e Petrobras, que acabam sendo afetadas após uma certa perda de fôlego econômico chinês.

Nesta semana, as vendas no varejo da China e a produção industrial em julho, por exemplo, voltaram a decepcionar – ao desacelerar em relação ao mês anterior e ao ficar abaixo das previsões de analistas.

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A produção industrial do país cresceu 3,7% em julho relação ao mesmo mês do ano anterior, o que mostrou uma desaceleração em relação aos 4,4% observados em junho. O dado também ficou abaixo dos 4,4% esperados pelos analistas consultados pela Reuters.

Já as vendas no varejo subiram 2,5% no mês em termos anualizados, também em proporção menor aos 3,1% de junho. Nesse caso, a mediana das projeções estava em 4,5%. A evolução das vendas no varejo também foi a mais fraca desde dezembro.

Larissa Wachholz, especialista em China e sócia da assessoria financeira Vallya Participações, considera que a frustração com os dados chinesas está mais ligado ao excesso de otimismo que os analistas ocidentais tinham em relação à recuperação chinesa após o fim das restrições impostas pela Covid. Em entrevista ao Radar, programa do canal do Infomoney no YouTube, ela explicou que os chineses tinham uma visão mais cautelosa, esperando uma resposta maior apenas após outubro.

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“O que a gente ouvia dos chineses é que não era uma expectativa muito grande até outubro. Para eles, é preciso primeiro recuperar a confiança do consumidor para que tenha uma volta do consumo das famílias”, diz.

A China passa por uma transição de seu modelo econômico, em que o governo quer reduzir a dependência das exportações e espera que o consumo doméstico ganhe participação no PIB.

Para Wachholz, o Brasil pode tirar benefício desse cenário porque é exportador de matérias-primas que são consideradas essenciais nesse projeto: soja, proteína animal, celulose, minério de ferro e petróleo.

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No caso dos três primeiros itens, a especialista vê que eles são considerados essenciais e pouco devem sofrer com as mudanças na China. A soja é necessária para a produção animal local; a proteína bovina está ligada a uma busca maior de bem-estar das famílias e a celulose, ao movimento de mais embalagens para uma sociedade que deve se tornar mais consumista.

Já o petróleo ainda será necessário enquanto não é concluída a transição energética. A situação menos favorável seria a do minério de ferro, que depende de como ficará a dinâmica do setor imobiliário nas grandes cidades e em cidades do interior.

“O Brasil tem uma pauta exportadora que é essencialmente de produtos primários. Isso dá uma resiliência maior”, avalia.

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Cautela no otimismo

Apesar de destacar a preocupação com o gigante asiático, Vieira avalia que a correção vista na Bolsa brasileira representa um “movimento técnico natural” e afirma que a casa está com uma visão “cautelosamente otimista” com a classe de ativos.

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A cautela tem como justificativa a forte volatilidade vista nos últimos meses, embora a Santander Asset reforce que houve avanço na agenda econômica com as reformas e em termos de política monetária, com a flexibilização dos juros, além do que a inflação está mais “controlada”. “Tudo isso cria um ambiente mais favorável para a renda variável e para a Bolsa”, diz.

Ao ser questionado sobre os ruídos envolvendo o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad vistos nessa semana, Vieira disse que eles fazem parte da política. “Acho que a Bolsa brasileira está num movimento natural. O mercado global está caindo nesse mês. É difícil dissociar. Não dá pra dizer que tem a ver”, afirmou Vieira sobre o mal-estar entre Executivo e Legislativo.

Nesta semana, em entrevista ao jornalista Reinaldo Azevedo, Haddad disse que a Câmara está com um “poder muito grande” e que em sua trajetória política em Brasília “nunca viu nada parecido”.

A fala de Haddad teria repercutido mal entre aliados de Lira e o próprio presidente da Câmara, e teria ajudado a postergar uma reunião prevista para discutir o arcabouço fiscal, que agora ficou marcada para o início da semana que vem.

A casa também tem monitorado com cuidado a tramitação da reforma tributária no Congresso, mas tem evitado fazer alterações precipitadas. “Não deixamos de alocar em nenhum setor. Temos uma carteira diversificada. Estamos monitorando conforme os eventos vêm acontecendo”, justifica Vieira, dizendo que não há informação suficiente para tomar uma decisão de alocação no momento.

O foco da asset agora tem sido em papéis ligados à construção civil, varejo e consumo, ou seja, setores domésticos e cíclicos, que poderiam ser beneficiados com a queda da Selic. A casa preferiu não falar sobre ações específicas com as quais está mais otimista.

Na visão de Vieira, não há um gatilho específico que poderia levar à alta da Bolsa no curto prazo, mas a “história de longo prazo é mais positiva”. “Estamos numa temporada de férias no hemisfério Norte, o que diminui a liquidez. Passando a temporada de resultados e voltando a ter uma liquidez normal com um ambiente neutro global, podemos ter um processo natural de descompressão. Vai estabilizar e aos poucos, volta a subir”, pondera.

Mês de realizações

Embora agosto esteja sendo complicado para as ações locais, o executivo observa que o movimento de realização não é uma exclusividade brasileira, citando que o período é de correção também nas Bolsas americanas.

No acumulado de agosto até terça-feira (15), o S&P 500 registrava recuo de 3,29%, enquanto Nasdaq e Dow Jones apresentavam queda de 4,98% e 1,72%, respectivamente.

Vieira afirma que a abertura da curva de juros americana, ou seja, a alta dos juros nos Estados Unidos, afetou o S&P 500, embora a visão sobre a temporada de balanços tenha sido mais positiva. Nesta semana, o rendimento do título do Tesouro americano (Treasury) com vencimento em 10 anos chegou a bater 4,226%, nível mais alto já registrado neste ano.

“Tem um movimento de realização natural depois de uma alta tão forte”, destaca o profissional.