Campos Neto mais “dovish” e divisão do BC podem abalar mercado após otimismo inicial com Copom?

Para parte do mercado, alta do dólar na sessão também reflete temor de interferência política após "gesto" do presidente do BC

Lara Rizério

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Enquanto o corte da Selic mais agressivo do que a grande maioria do mercado esperava, em 0,5 ponto percentual, foi considerado positivo para o mercado, as nuances da decisão também repercutem e impactam negativamente alguns ativos, como o real, na sessão pós-Copom desta quinta-feira (3).

Além do cenário menos favorável para o chamado “carry trade” (operação que consiste na tomada de empréstimo em país de juro baixo e aplicação desses recursos em mercado de renda fixa de retornos maiores, sendo que uma queda da Selic diminui essa vantagem), operadores de mercado destacaram um outro motivo para o salto do dólar na sessão.

A divisa americana comercial fechou a sessão com avanço de 1,94%, a R$ 4,898 na compra e R$ 4,899 na venda, chegando a R$ 4,90 na máxima do dia.

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O outro fator citado por participantes do mercado é uma preocupação com a possibilidade de que a postura monetária mais branda do Copom reflita, de alguma forma, a pressão política exercida desde o início do ano pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com um coro de autoridades cobrando cortes da Selic.

“O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, teve uma mudança bastante significativa de postura em relação à última decisão do Copom, quando houve unanimidade entre os diretores para que se mantivesse estável a taxa Selic em um comunicado duro, sem sequer citar a possibilidade de reduções futuras da taxa de juros”, disse à Reuters Leonel Oliveira Mattos, analista de inteligência de mercados da StoneX.

“É preciso mencionar o contexto dessa decisão, que agora iniciou dois diretores indicados pelo novo governo Lula. Então, coincide esse período, e os agentes de mercado acabam se questionando se essa é apenas uma coincidência ou não.”

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Campos Neto acabou sendo o voto de desempate, determinante para que o BC cortasse os juros em 0,5 ponto percentual, em uma decisão por 5 votos a 4.

Ao mesmo tempo em que este pode ser interpretado como um aceno ao governo em meio a recorrentes críticas de políticas ao presidente do BC, no geral, agentes no mercado dizem que seria ruim para o ambiente de negócios do Brasil qualquer tipo de interferência política na autoridade monetária, que é independente. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse na véspera que a decisão do Copom foi baseada inteiramente em critérios técnicos e não representou uma concessão às críticas do governo.

O ex-secretário-executivo de sua pasta, Gabriel Galípolo, é um dos novos diretores do BC que fez sua estreia no Copom esta semana, ocupando a cadeira de Política Monetária. O outro indicado do governo à autarquia é Ailton Aquino, que assumiu a diretoria de Fiscalização. Os dois votaram pelo corte mais agressivo dos juros, em 0,5 ponto.

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Na mesma linha, Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, reforça que Campos Neto acompanhou o novo diretor de política monetária do BC, indicado pelo atual governo e foi contrário ao diretor de política econômica Diogo Guillen.

A divisão gera algumas reflexões, aponta. A primeira delas é sobre a dinâmica de um Copom independente com diretores indicados por presidentes diferentes.

“Roberto Campos Neto já foi criticado por ser muito ligado às discussões políticas e a decisão pode trazer de volta essa impressão. A segunda diz respeito à postura do Copom a partir de 2025, quando mudar o regime de metas e os diretores forem todos indicados pelo atual presidente [esse último a partir de 2026]. A decisão pode levantar a hipótese de um Copom mais leniente com a inflação à frente”, avalia o economista da Rio Bravo.

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Os mandatos de dois diretores do BC, Fernanda Guardado e Mauricio Moura, expiram em dezembro de 2023 (ambos votaram a favor de um corte mais brando, de 25 pontos-base nesta reunião). Assim, os dois novos membros já serão indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que pode significar uma composição do conselho mais “dovish” do que antes.

Conforme destaca o BNP Paribas, juros mais baixos também vêm com um custo. “Cortes de juros mais agressivos em 2024 se traduzirão em expectativas de inflação mais altas no médio prazo, exigindo alguma reação de política monetária, em nossa opinião. Agora prevemos uma altas nas taxas em 2025 com uma inflação mais alta. Esperamos que o BC retome o ciclo de aperto quando a inflação não atingir a meta. Vemos taxas de 11,75% em 2023, 8,5% em 2024 e 10,0% em 2025”, avalia.

Cabe ressaltar que outros três diretores e Campos Neto encerram o mandato em 31 de dezembro de 2025. Desta maneira o governo Lula terá 100% dos indicados para o colegiado em 2026.

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Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, também reforça que, além do que placar apertado com o desempate de Campos Neto, o presidente do BC e Diogo Guillen de lados opostos foi o que mais chamou a atenção.

“O primeiro ponto é que Diogo Guillen foi indicado por Campos Neto. Segundo ponto, na ausência dele, Guillen assume a presidência da instituição. E esses dois membros votaram de forma divergentes. Ainda que tenha impacto positivo para o mercado, isso significa uma divergência muito grande em termos de composição do Copom e significa que, quando for divulgada a ata, nós vamos ver esses contrapontos trazidos pelos 4 membros, que votaram por um reajuste de apenas 0,25 ponto percentual”, avalia.

Comunicado hawkish – e a ata?

No curto prazo, contudo, analistas apontam que o tom do comunicado do Copom foi “hawkish” (duro, mostrando preocupação com a inflação), apesar do corte de 0,5 ponto.

Para economistas do UBS BB, o aspecto mais importante do comunicado do Copom que acompanhou a decisão foi justamente a sinalização de várias reuniões em direção a um ritmo de 0,50 ponto.

“Essa escolha provavelmente foi feita para evitar uma ampla gama de expectativas sobre o ritmo das taxas para as próximas reuniões. Muito provavelmente, 0,50 ponto será a norma até o final do ano”, afirmaram Alexandre de Azara e equipe em relatório enviado a clientes.

Isso porque, conforme aponta a economista-chefe da CM Capital, os ciclos de queda e de alta na taxa de juros costumam começar menos intensos e vão sendo intensificados ao longo do processo, de forma com que a autoridade monetária entenda quais são os efeitos da nova política na esfera real.

“Quando o BC opta por um ajuste mais intenso no início desse ciclo, significa assim que provavelmente não promoverá reajustes de 25 pontos-base, pelo menos não nas próximas várias reuniões. O  reajuste mínimo será de 50 pontos”, avalia. Porém, sendo mais explícito sobre os próximos passos, também sinaliza que não haverá um corte mais forte, de 75 pontos-base.

O JPMorgan também reforça o tom hawkish do comunicado, que repetiu três vezes que o Copom está comprometido em manter uma política monetária contracionista até que o processo desinflacionário se consolide e as expectativas de inflação se ancorem em torno da meta. Além disso, a projeção do BC para 2024 se manteve em 3,4%, contrariando a expectativa do banco de redução de 10pontos-base e ficando acima da meta, com a projeção para 2025 em 3%.

“Essa comunicação um tanto agressiva em meio a um movimento de queda maior do que a esperada nos juros levanta algumas questões”, avalia o JP.

Segundo o banco, é natural que, com o projeto de autonomia do BC e a mudança de governo, a função de reação e comunicação do BCB esteja mudando – e a decisão reforça isso.

“A ata do Copom da próxima semana [terça-feira, 8] provavelmente ajudará  a lançar alguma luz sobre a extensão dessas mudanças”, avalia o JPMorgan.

Para Argenta, a ata também será importante para entender as duas linhas de pensamento sobre o Copom (corte de 0,25 ponto versus 0,5 ponto).

Ao apontar que, apesar das advertências habituais, o BC de agosto foi bastante diferente do Copom de junho, a Levante Corp também reforça os possíveis motivos dessa alteração.

“Reflexo da mudança da composição do Comitê, com a entrada de Gabriel Galípolo e Ailton de Aquino Santos, ou a constatação de que a inflação perdeu vigor? Só será possível responder essas perguntas com a leitura da Ata – e mesmo assim, não é garantido que haverá respostas”, avalia a equipe de análise da casa.

“Sempre restará a dúvida de que uma alteração tão abrupta na linguagem do Comitê teve alguma motivação (e aqui valem as aspas) ‘política’. Sem a sinalização clara de corte dos juros, isso poderia colocar um componente de imprevisibilidade nas próximas reuniões do Comitê”, avalia.

(com Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.