O quão perigosa é a ambição do Facebook com a Libra?

Nenhuma empresa tem tantas condições de criar uma moeda descentralizada e independente. E é justamente aí que mora o perigo

Equipe InfoMoney

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David Marcus, executivo do Facebook responsável pela iniciativa de criação da criptomoeda Libra, apresentou-se diante de uma comissão do Senado americano nesta semana para prestar explicações sobre o projeto.

Do ponto de vista do Facebook, o objetivo não-declarado da aparição era demonstrar humildade e deixar claro que a empresa está disposta a levar as considerações das autoridades antes — e não pedir desculpas depois, como era de praxe — de seguir em frente.

A ideia da Libra é ambiciosa: uma moeda descentralizada e independente nos modelos do Bitcoin, que basicamente driblaria a infra-estrutura bancária e simplificaria a vida dos consumidores. Mas o que Marcus ouviu da boca dos senadores não foram exatamente palavras de conforto. Alguns exemplos:

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  1. “O Facebook é perigoso. Como uma criança com uma caixa de fósforos na mão, o Facebook já botou fogo na casa várias vezes e sempre diz que o incêndio foi uma experiência de aprendizado”, disse o democrata Sherrod Brown.
  2. “Não confio no Facebook. Em vez de arrumar a casa, vocês estão começando outro modelo de negócios”, afirmou a republicana Martha McSally.

  3. “De todas as empresas do mundo, por que justamente o Facebook deveria fazer isso?”, perguntou o também democrata Brian Schatz.

O comentário de Schatz colocou o dedo na ferida. Talvez não exista empresa no mundo hoje que conte com menos boa vontade da população — e, por extensão, dos políticos e das autoridades reguladoras — que a rede social criada por Mark Zuckerberg no quarto do seu alojamento em Harvard, há 15 anos. Os últimos tempos são uma sucessão de más notícias, trapalhadas e justificativas.

O Facebook foi o epicentro do escândalo de privacidade da Cambridge Analytica, empresa que teve acesso a informações privadas de dezenas de milhões de usuários da rede social, uma base de dados que depois foi usada nas campanhas de Donald Trump e do Brexit.

Em setembro do ano passado, o Facebook sofreu a maior invasão de hackers de sua história — 30 milhões de usuários tiveram roubados seus dados pessoais, incluindo endereços de e-mail e número de telefone.

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E, num caso especialmente cruel, militares de Myanmar, no Sudeste Asiático, usaram o Facebook num esforço organizado para despertar o ódio contra os rohingya, uma minoria muçulmana do país alvo de uma campanha de limpeza étnica.

Depois de muita hesitação — apesar de evidências — , a empresa decidiu tomar medidas para cancelar certa contas que espalhavam desinformação no país. E a lista não para por aqui.

É difícil compreender o alcance e o poder do Facebook, que tem 2,38 bilhões de usuários ao redor do mundo somente contando a rede social “mãe” – a empresa também é dona do Instagram e do WhatsApp.

Mas o que está ficando claro para agências reguladoras ao redor do mundo é que uma empresa desse tamanho não pode agir ao seu bel prazer. A presença de Marcus na audiência no Senado americano foi um sinal.

Reino Unido, Irlanda, França e Alemanha estão investigando a coleta e o processamento de informações pessoais pela empresa. Austrália, Índia, Nova Zelândia e Cingapura, também – e em alguns casos já impuseram restrições à companhia.

Na semana passada, a Federal Trade Commission (FTC), a agência americana que zela pela concorrência, anunciou ter chegado a um acordo com o Facebook. Como punição pelos tropeços de privacidade pela empresa, a FTC multou o Facebook em US$ 5 bilhões.

Trata-se da maior multa jamais aplicada pela agência, e a companhia ainda aguarda um OK do ministério da Justiça para pagar a conta. Mas os investidores literalmente deram de ombros. Nas horas seguintes à divulgação da notícia, as ações do Facebook subiram – a companhia já tinha sinalizado que uma multa vinha por aí – ou seja, para o mercado, estava tudo dentro da normalidade.

US$ 5 bilhões não é pouco dinheiro, é claro, mas é preciso colocar as coisas em proporção. O valor corresponde a mais ou menos um mês de faturamento da empresa.

No primeiro trimestre deste ano, o Facebook teve US$ 15 bilhões em receitas, e a expectativa é que no segundo trimestre do ano (cujos resultados serão anunciados na semana que vem), elas fiquem em US$ 16,3 bilhões, um crescimento de 25% em relação ao mesmo período do ano passado.

Nilay Patel, editor do influente site de tecnologia The Verge, disse que a multa “é uma piada constrangedora”. A colunista Kara Swisher, do New York Times, publicou um artigo com o título: “Coloquem outro zero na multa do Facebook. Aí a gente conversa”.

Para tornar realidade a visão grandiosa do projeto Libra — e para sobreviver como existe hoje –, o Facebook terá de superar um obstáculo enorme: sua própria reputação.

Num artigo que causou enorme impacto depois de sua publicação, em maio passado, Chris Hughes, um dos co-fundadores da empresa, disse sentir “raiva e responsabilidade” pela situação atual da empresa. Hughes está longe do Facebook há mais de dez anos, mas conhece como poucos a personalidade do CEO Zuckerberg — eles foram colegas em Harvard.

“Mark é uma pessoa boa, uma pessoa gentil. Mas fico bravo porque o foco no crescimento o levou a sacrificar segurança e civilidade em troca de cliques.” Hughes defendeu uma quebra do Facebook. “Somos um país com tradição de impor controles a monopólios, por mais bem intencionados que sejam os líderes dessas empresas. O poder de Mark não tem precedentes e é antiamericano.”

Hughes é apenas mais um a apontar o dedo acusador contra as grandes empresas de tecnologia americanas. Scott Galloway, professor da escola de administração da New York University, cunhou a expressão “As Quatro”: Facebook, Amazon, Google e Apple.

Na opinião de Galloway, já passou da hora de o governo americano impor controles ao crescimento desmedido – e alguns dirão descontrolado – dessas empresas. “O acesso da Amazon ao capital barato significa que eles podem experimentar dez ideias, enquanto os concorrentes tentam só uma”, diz Galloway.

“Temos de ter a coragem para agir, mas acho que não temos estômago porque essas empresas nos convenceram de que, de algum jeito, fazer isso não é ‘ocidental’, não é inovador, é coisa do velho mundo’”, afirma Galloway.

Mas, na prática, essas empresas estariam sufocando a inovação. “O acesso da Amazon ao capital barato significa que eles podem experimentar dez ideias, enquanto os concorrentes tentam só uma. A formação de novas empresas caiu pela metade nos últimos 40 anos.”

Como proceder é uma das perguntas mais importantes que rondam o mundo da tecnologia na próxima década. Em relação ao Facebook, Hughes sugere transformar WhatsApp e Instagram em companhias independentes.

O Facebook também seria impedido de adquirir novas empresas durante vários anos. “Imagine um mercado competitivo em que o consumidor possa escolher entre uma rede social que ofereça altos níveis de privacidade, outra que cobre uma mensalidade mas tenha poucos anúncios e ainda outra que permita que o usuário customize o que vai ver.”

Por enquanto, essa visão é somente um sonho para quem deseja uma vida online com mais proteções e mais privacidade. Mas o cerco ao Facebook está se fechando, e esse sonho nunca esteve tão perto de virar realidade.

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