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O que pode dar errado com Bitcoin, Libra e outras criptomoedas?

Pode acontecer uma monumental queda de braço entre governo e mercado (leia-se: entre o governo e as pessoas). Quem vencerá?
Por  Bruno Meyerhof Salama -
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Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores

O que pode dar errado com as criptomoedas? Em tempos normais, não muita coisa. Os riscos estão listados em um comunicado emitido em 2018 pela US Commodity Futures Trading Commission (CFTC), entidade americana que regula os mercados de futuros e opções.

Primeiro, as corretoras de criptoativos não são reguladas por governos, podem não possuir mecanismos de proteção adequados e de vez em quando acontece de serem hackeadas ou fraudadas.

Segundo, os preços dos criptoativos podem flutuar abruptamente e por isso é possível perder (mas também ganhar) fortunas.

Terceiro, o mercado pode ser manipulado, existe risco de hackeamento e fraude e nada garante que as próprias corretoras de criptoativos não estejam elas próprias envolvidas em manipulação de mercado ou outras fraudes.

Em suma: existem riscos – mas o que nesta vida não os tem? Afinal, se os criptoativos realmente se espalharem e todo mundo começar a usá-los pra valer, um bitcoin, (mas não uma libra, como veremos abaixo), pode chegar a valer… sabe-se lá quanto. Isso é verdade.

Essa análise no entanto pressupõe uma certa normalidade da política e das finanças internacionais. E fora da normalidade: será que muda alguma coisa? Este é o ponto-chave. Pode acontecer uma monumental queda de braço entre governo e mercado (leia-se: entre o governo e as pessoas). Quem vencerá?

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Há uma diferença entre o que os criptoativos são hoje, e o que se imagina que eles possam vir a ser.

Nos Estados Unidos, já existem algumas lojas de vendas online que aceitam pagamento em bitcoin. Também é possível usar bitcoins para comprar gift cards em grandes redes como Home Depot, KMart e Amazon. E com um gift card pode-se comprar basicamente qualquer coisa e em qualquer lugar.

As criptomoedas também são usadas para certas operações do dia-a-dia em alguns países passando por instabilidade monetária, Argentina e Venezuela sendo bons exemplos. Ainda assim, a liquidação de operações com criptoativos é bastante incomum.

Mas quando se fala em “sucesso” dos criptoativos, o que se tem em mente é um cenário completamente diferente. O que se imagina é um mundo em que as trocas mais corriqueiras e variadas sejam liquidadas em criptomoedas – e, por causa disso, em que os preços sejam também cotados em criptomoedas.

Este seria um mundo em que o sistema bancário como o conhecemos hoje teria se tornado bem menos relevante, porque as pessoas guardariam liquidez em bitcoins, libras etc., mas não em moedas nacionais.

Neste mundo futurista, os governos teriam dificuldade para estimular a economia diminuindo as taxas de juros básicas.

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Hoje em dia, para enfrentar ciclos de baixa atividade, os governos imprimem moeda e compram títulos públicos em circulação no mercado. Isso força a queda dos juros nesses títulos, puxando para baixo o juro cobrado em outras operações na economia como um todo, estimulando o consumo e o investimento.

É prática corriqueira. Essa mecânica de política monetária funciona se o grosso das economias das pessoas e empresas estiver guardado em moeda nacional. Mas se as economias estão guardadas em criptoativos, o estímulo dado pelo governo não alteraria os preços na economia. O governo sequer teria como “criar” dinheiro para tentar estimular a economia, o que tem suas vantagens.

Para entender o problema, pense no seguinte. Em 1933, no meio da Grande Depressão, o presidente Roosevelt emitiu um decreto proibindo as pessoas e empresas de guardarem ouro. Na época, era comum que os contratos contivessem a chamada “cláusula ouro”, que permitia ao credor escolher entre pagamento em dinheiro ou em ouro.

Mas pela medida de Roosevelt, todo o ouro tinha que ser vendido ao governo a um preço pré-determinado – quem descumprisse poderia ir preso – e o uso do ouro como indexador dos contratos foi também proibido.

A estratégia de Roosevelt era dificultar a poupança privada, forçando as pessoas a gastarem para inflacionar os preços e reverter o ciclo deflacionário americano. Foi uma medida extrema, de eficácia duvidosa, e empregada para um momento de crise aguda.

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Esse exemplo histórico ilustra bem o tipo de problema que pode acontecer em situações “anormais”. Se as economias das pessoas estiverem guardadas em criptoativos –aliás chamados de “ouro sintético” – o governo poderia proibir a liquidação de obrigações com criptos, forçando o uso da moeda estatal, moeda esta que ele, governo, deseja inflacionar…

Nesse cenário anormal porém nada impossível, negociar (ou pagar) com criptoativos seria como negociar com qualquer outra substância proibida. Mesmo que o governo não conseguisse, por questões técnicas, controlar a internet para impedir o uso de criptoativos a simples proibição jogaria todas as operações cripto para a ilegalidade.

Muita gente iria então se desfazer dos criptoativos, jogando o valor para baixo e diminuindo sua atratividade.

Será que daria certo? Se tentado por um governo de país em desenvolvimento, possivelmente daria errado. Trata-se no geral de governos mais fracos e com menos legitimidade popular. Mas a bem da verdade, crises econômicas nos países periféricos não são propriamente “anormais”.

A anormalidade, ou pelo menos exceção, seria a crise nos países do coração do sistema. Nesses, o controle das criptomoedas têm maior chance de êxito. Algumas iniciativas recentes do governo chinês de fechar corretoras de bitcoins e proibir os ICOs (Initial Coin Offerings) parecem ter sido exitosas.

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Essa chance de êxito é tanto maior quanto mais centralizada for a criação monetária privada. Por exemplo, é difícil controlar (ou proibir) a negociação em bitcoin, porque o bitcoin é uma moeda sem um administrador.

Já a Libra, do Facebook, terá na Libra Association, sediada na Suíça, uma espécie de “banco central privado” que emitirá moeda conforme necessário (porém, ao contrário da maioria dos bancos centrais, as emissões de Libras serão lastreadas por uma cesta de ativos e moedas). Do ponto de vista técnico, proibir este único ator é bem mais fácil.

Outro fator que pode afetar o sucesso ou insucesso de eventual investida do governo é a extensão do uso privado. A partir de certo ponto, uma criptomoeda pode ser tornar “too big to ban”, isto é, ampla demais para ser proibida.

É algo parecido com o que acontece hoje com o Uber. Em alguns lugares, o serviço já é tão difundido que a mera ameaça de restrição já causa enorme antipatia dos mais variados setores da população, redundando na incapacidade prática dos governos de reimplantarem as antigas regras que favoreciam o transporte em táxis.

No fim das contas, por trás da discussão sobre as criptos está uma das mais velhas discussões na seara monetária. Serão as moedas criação da lei estatal, sustentadas pela ameaça do governo de usar força física e violência? Ou serão as moedas resultado do uso repetido e da convenção entre as pessoas?

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Sempre se soube que os dois fatores – força política e convenção – de reforçam mutuamente. Mas também, às vezes se chocam. Este é apenas o mais recente capítulo dessa longa novela.

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Sobre os autores:

Bruno Meyerhof Salama – Lecturer em UC Berkeley Law School onde leciona as disciplinas de Law and Economics, Law and Technology e Law and Development. Professor Associado da FGV Direito SP. Advogado admitido pela OAB e pelo New York State Bar. Integrou o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional indicado pela ANBIMA. Doutor em direito pela Universidade da Califórnia em Berkeley, mestre em economia pela FGV, bacharel em direito pela USP.

Leonidas Zelmanovitz – Fellow na fundação educacional Liberty Fund, nos Estados Unidos. Fundador e ex-CEO da Mercurio D.T.V.M. S.A. Formado em direito pela Universidade Federal de Porto Alegre, possui mestrado em Economia Austríaca pela Universidad Rey Juan Carlos em Madri e doutorado em Economia Aplicada pela mesma universidade.

Importante: os comentários e opiniões contidos neste texto são de responsabilidade do autor e nãp necessariamente refletem a opinião do InfoMoney ou de seus controladores.

Bruno Meyerhof Salama Lecturer em UC Berkeley Law School nas disciplinas de Law and Economics, Law and Technology e Law and Development. Advogado no Brasil e nos Estados Unidos. Integrou o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional. Doutor em direito por UC Berkeley, mestre em economia pela FGV e bacharel em direito pela USP

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