Bitcoin sobe 44% em 2023 e pinta ano de retomada: “Não alocar não é razoável”, diz gestor da Hashdex

Ao InfoMoney, João Marco Cunha faz um balanço do rali das criptos em 2023, comemora o retorno de investidores e aposta que fundo do poço já passou

Paulo Barros

João Marco Braga da Cunha, gestor de portfólio da Hashdex (Divulgação)

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O Bitcoin está imparável em 2023. Apesar de uma correção que começou na noite de ontem e se estende nesta sexta-feira (17), a criptomoeda acumula valorização de 44% até aqui neste ano e, aos US$ 24 mil, já chega a um salto de quase 55% em três meses, desde que atingiu US$ 15.500 no auge da crise desencadeada pela corretora FTX.

Isso sem falar nas criptos menores, chamadas de altcoins. Ao contrário de outros momentos de recuperação no passado, em que o Bitcoin subia sozinho e deixava o restante do mercado para trás, o setor apresenta uma retomada em conjunto.

O destaque no último um mês e meio é o SingularityNET (AGIX), que acumula valorização de impressionantes 845% em meio à empolgação em torno do tema da Inteligência Artificial após a popularização do ChatGPT. Já tokens como Render (RNDR), Aptos (APT) e Magic (MAGIC) – todos muito novos – somam entre 300% e 400% de alta no ano. Segundo o agregador CoinMarketCap, há 24 criptomoedas que subiram pelo menos 100% em 2023.

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A guinada do setor veio na esteira de um maior otimismo em torno de ativos de risco, com investidores começando a considerar que a curva de juros nos EUA pode estar próxima do pico. No entanto, a valorização do mercado de ações foi muito menor – em 2023, os índices S&P500, Dow Jones e Nasdaq acumulam alta de 6,43%, 1,72% e 13,33%, respectivamente.

Para João Marco Cunha, gestor de portfólio da Hashdex, essa diferença não tem apenas a ver com a volatilidade conhecida dos ativos digitais.

“O mercado de cripto estava muito comprimido. Em dezembro, Bitcoin e Ethereum foram até razoavelmente resilientes, dada a queda nos ativos tradicionais, mas os menores foram todos amassados. Tivemos o evento da FTX e, a partir daquele momento, se criou uma expectativa do mercado de cripto de qual seria a próxima bomba. E acho que, de certa forma, só o fato de a bomba não vir, acabou sendo entendido como uma notícia positiva”, avalia o gestor em entrevista ao InfoMoney. “Tem aquela frase em inglês que diz ‘no news, good news’, acho que o mercado entrou nesse humor”.

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Os sintomas de melhora do humor no investidor de criptos estão por todos os lados. Nos fundos e ETFs da Hashdex, houve aumento tanto em frequência quanto em tamanho de investimentos, e alguns investidores maiores voltaram a dar as caras. Embora ainda esteja longe do pico de euforia do mercado em 2021, a Hashdex já observa melhoria no fluxo de cotistas dos fundos e ETFs, o que indica um primeiro momento de recuperação.

E os juros altos?

Além da crise no setor cripto, os produtos da gestora acompanharam a tendência de menores volumes em renda variável em geral, que tiveram recursos sugados pela renda fixa. Mas, para a Hashdex, a disparada recente do Bitcoin é uma prova de que as oportunidades de ganho na nova classe de ativos ainda pode superar e muito os títulos com juros altos no Brasil.

“Se você coloca os juros do Brasil, altos ou baixos, em perspectiva com a rentabilidade histórica do Bitcoin, verá que o juro sai de 2% a 12%, ou seja, 10 pontos para cima ou para baixo, enquanto o Bitcoin historicamente entrega um rendimento de mais de 50% ao ano. A diferença ainda é muito grande”, pondera Cunha.

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“Obviamente que enquanto estivermos em um momento de juro alto, veremos carteiras com uma composição maior de renda fixa. Mas a gente acredita que, independentemente da fase do ciclo, a gente tenta educar as pessoas para que elas saibam que cripto tem um papel muito importante no portfólio, especialmente em um momento como esse, em que os preços estão comprimidos”.

Apesar de ter havido uma subida muito forte em janeiro, destaca o gestor, os preços continuam com um drawdown de mais de 60% em relação ao topo de 2021, o que acaba gerando oportunidade. “Sempre com aquele mantra de ter uma alocação adequada ao perfil de risco, que em geral vai ser pequena, de poucos pontos percentuais, em uma visão de longo prazo”, ressalta.

Temor de uma nova FTX

Mas, pouca gente aposta em um ano sem mais solavancos internos no setor. Ultimamente, a exchange Binance está mais do que nunca sob holofotes de reguladores, e, embora a empresa já admita estar se preparando para pagar multas, ainda não se sabe onde o caso vai parar. O temor de uma nova FTX permanece no ar.

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Ao mesmo tempo, o ambiente macro segue trazendo dúvidas, seja com maiores tensões geopolíticas entre EUA e China e a guerra na Ucrânia, que completa um ano na próxima semana, ou com incertezas sobre o fim do combate à inflação. Além disso, o aumento global de juros reduz drasticamente a abundância de liquidez que existiu por boa parte da vida da criptomoeda, criando um cenário novo. Será que o Bitcoin conseguirá crescer mesmo sem tanto dinheiro circulando?

João Marco Cunha acredita que sim. “O potencial de ganho em cripto é tão maior que nas classes tradicionais, que não fazer uma alocação pequena em cripto acaba não sendo uma decisão razoável”, comenta.

“O dinheiro barato talvez tenha impulsionado muitos ativos de alto risco, forçou muita gente a correr mais risco para obter seus objetivos de investimento, então realmente o apetite ao risco vai ser menor daqui pra frente, ou pelo menos enquanto prevalecer esse regime de desinflação. Mas isso não tem um impacto decisivo nas principais teses de investimento em cripto”, diz.

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Com menos dinheiro disponível no mundo, a aposta é que o setor irá crescer pelo simples fato de que é uma tecnologia nova que resolve problemas reais, mas que ainda tem adoção muito pequena. “Cripto tem algo como 0,8% do market cap total de ativos sob gestão, entre centenas de trilhões de dólares. Como alocação média do investidor mundial me parece pouco, tem espaço para uma alocação um pouco maior”, analisa Cunha.

“Depende obviamente do perfil de risco, mas como média, agregando pessoas em várias fases do ciclo de investimento, é muito pouco. Tem muita gente que tem zero. A B3 por exemplo, tem alguns milhões de investidores e só algumas centenas de milhares de pessoas em ETFs de cripto. Tem um potencial para crescer a base de investidores muito substancial”.

À espera dos jovens

A reticência de boa parte dos investidores é justificada. Além do momento delicado para ativos de risco, o setor cripto ainda alimenta suspeitas de que não irá vingar, especialmente depois de crises como as da FTX. Mas especialistas do setor ressaltam que os problemas em torno de empresas não têm ligação com a tecnologia em si – as pessoas só demoram para perceber a diferença.

“Cada vez que temos uma crise grande e o mercado sobrevive, faz menos sentido achar que esse mercado vai morrer. É talvez a quarta ou quinta grande crise em termos de preço, e cripto sempre sai da crise e se reinventa. Para o investidor entender, é questão de tempo”, aposta o gestor. Para ele, em algum momento haverá uma normalização dos criptoativos. “As carteiras recomendadas terão uma alocação em cripto, não vai mais ser um grande tabu”.

A opinião tem base em dados coletados pela Hashdex. Em pesquisas internas conduzidas pela gestora brasileira, o perfil do investidor de cripto se mostra amplamente composto pelo público mais jovem – quanto mais jovem, maior é a propensão em investir em cripto. Como essa geração só vai crescer em termos de participação na poupança global, o movimento acaba sendo, por si só, um driver de fluxo de capital para a classe de ativos.

“Acho bastante provável que a gente, daqui a um tempo, consiga constatar que o pior momento realmente passou no ano passado, e que este ano é de alguma recuperação, no mínimo uma estabilização”, pontua o gestor.

Paulo Barros

Editor de Investimentos