Bem avaliado na economia, Temer continua cometendo tropeços desgastantes na política

Tais como receber Eduardo Cunho na residência oficial e adiar a sanção da Lei das Estatais, o que pode permitir nomeações políticas para as empresas públicas antes que ela entre em vigor – coisas que ferem a imagem do governo junto à opinião pública

José Marcio Mendonça

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Uma interpretação corrente entre analistas e até entre alguns políticos é que o governo interino de Michel Temer está com o passo acertado no campo econômico, porém tropeça, às vezes até bisonhamente, no terreno pedregoso da política – o que prejudica, pelo menos juntos a opinião pública, a retomada da confiança na administração federal. Pesquisa do Instituto Ipsos, relatada ontem no “Primeiras Leituras”, dá a medida desse descompasso: a aprovação da gestão interina do Palácio do Planalto é apenas cinco pontos percentuais melhor que a da presidente afastada Dilma Rousseff – 70% contra 75%.

E ontem e anteontem o presidente em exercício cometeu novos tropeços políticos.

Adiou, por exemplo, pela segunda vez a sanção da Lei das Estatais que, entre outras coisas, inibe as indicações políticas (e de políticos na ativa partidária) para as diretorias de empresas públicas e de fundos de pensão. A alegação é que vai ser feita uma análise jurídica mais acurada do documento.

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A realidade, contudo, é um pouco diferente: a insatisfação da base aliada com as nomeações para esses cargos, com muitos indicados dos partidos e aliados que seriam impedidos de assumir assim que a lei entrar em vigor.

Em parte isso explica, por exemplo, a nomeação do ex-deputado paulista Guilherme Campos, presidente licenciado do PSD e um dos homens de confiança do ministro Gilberto Kassab, às vésperas do Senado votar a Lei das Estatais, para presidir os Correios. Campos não preenche os novos requisitos da legislação para o lugar. Temer tem assegurado que respeitará “a essência” do texto aprovado pelo Congresso – enquanto não sanciona a lei, todavia, ganha-se tempo e nomeações têm saído.

O outro tropeço foi o encontro, que era para passar despercebido, mas vazou, do presidente com o deputado Eduardo Cunha, o presidente afastado da Câmara, já réu em dois processos por suspeita de corrupção no STF e passando por um pedido de cassação no Legislativo. Não é o que pode se chamar, neste momento, uma “boa companhia”, quando a sociedade brasileira está no limite de tolerância com os desvios de conduta política no Brasil.

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O que Temer e Cunha teriam a conversar de útil nas atuais circunstâncias? O Palácio do Planalto apressou-se em dizer que foi um encontro para tratar do “quadro político”, algo muito vago. Especulações indicam que Cunha foi pedir um derradeiro apoio a Temer para tentar salvar o mandato. A “Folha de S. Paulo” diz que eles discutiram a sucessão de Cunha na Câmara. O deputado fluminense deseja colocar em seu lugar alguém de seu grupo.

Impeachment: perícia do

Senado agrada aos dois lados

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A novela do impeachment teve um capítulo ontem que deu muito que falar, animou ao mesmo tempo os adeptos do afastamento de Dilma e os defensores da presidente licenciada, mas que, segundo os analistas, não deverá ter influência nos rumos do processo no Senado.

Por duas razões:

(1) nessa altura, a não ser que realmente surja um fato relevante para valer, o jogo já está jogado, não há indecisos reais entre os senadores – e a tendência é pelo afastamento definitivo da Dilma;

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(2) o fato de ontem, o parecer dos peritos do Senado a respeito das pedaladas e os decretos de crédito suplementar, motivação técnica e jurídica do pedido de afastamento, diz que houve crime fiscal – num caso, sem a participação direta da presidente licenciada (as pedaladas) e outra com seu envolvimento. Ou seja, ficou tudo mais ou menos na mesma, o levou lado um lado e outro a dizer que os laudos “são contundentes”.

Preste-se a atenção a duas reuniões hoje em Brasil: (1) de Dilma com a executiva do PT, provavelmente com a audiência também do ex-presidente Lula, para discutir as estratégias de defesa da presidente, inclusive a proposta de um plebiscito sobre eleições presidenciais antecipadas; (2) o jantar que o presidente do Senado, Renan Calheiros, oferece ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, com a presença de líderes do Senado e líderes partidários para selar a aproximação de Renan definitivamente do governo.

No mundo, enquanto a Europa e a Grã-Bretanha não se definem e as coisas estão mais confusas (vide artigo de Giles Lapouge no “Estado”), o Brexit continua causando estragos. A perda nas bolsas de Londres, Paris, Frankfurt e Ásia já somam R$ 5,9 bilhões, valor superior ao PIB brasileiro de 2015. O valor dos bancos da UE caiu 144 bilhões de euros. Para os analistas, o pânico gerado pela decisão dos britânicos de deixar a União Europeia ainda não passou totalmente.

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Informe-se mais sobre as consequência do Brexit e também sobre a situação das telecomunicações no Brasil depois do pedido de recuperação judicial da Oi com a entrevista do economista Arthur Barrionuevo, professor da FGV e ex-Cade, no “Na Real na TV”

Outros destaques dos

jornais do dia

– “Pelo menos cinco estados já planejam privatizações” (Globo)

– “Venda de participações da Eletrobras em empresas pode render R$ 20 bi” (Globo/Folha)

– “Dívida pública registrou o aumento de 2,82% em maio, para R$ 2,878 tri” (Globo/Estado)

– “BM&FBovespa vai flexibilizar o Novo Mercado” (Valor)

– “Ciro sugere sequestrar Lula até uma embaixada” (Globo)

– “Delator diz ter pago R$ 30 milhões a Jucá, Renan e Braga” (Estado)

– “Palocci pediu R$ 15 milhões por Belo Monte, diz delator” (Estado)

– “MP apura se presidente da Cesp beneficiou parentes” (Estado)

LEITURAS SUGERIDAS

1. Celso Ming – “Complexo de expropriação” (diz que espraia-se pelo mundo entre as classes médias a sensação de que estão sendo expropriadas “pelo sistema” ou pelos estrangeiros) – Estado

2. Tony Blair – “Brexit foi atordoante” (diz que o centro precisa retomar sua força, redescobrir a capacidade de analisar problemas e encontrar soluções que pairem acima do populismo raivoso) – Estado

3. Giles Lapouge – “Incerteza na Europa” (diz que se pode concluir que a partir de agora que, graças ao Brexit, as coisas estão bem claras: a Europa está cada vez mais confusa) – Estado

4. Sergio Lazzarini – “Norma para estatais traz avanços e retrocessos” (diz que nova lei ajuda a inibir o uso político das estatais, mas aumenta chances de conflito no campo jurídico) – Folha

5. Delfim Netto – “A perplexidade do investidor” (diz a grande dúvida é “quem será o presidente do país no Natal?” e que as indefinições prejudicam a volta dos investimentos estrangeiros ao Brasil) – Valor