Banco Central após o Copom: um olho no peixe e outro no gato

Parece subtendido que, numa perspectiva de curto-médio prazo, é possível que o efeito da crise política sobre a inflação seja liquidamente neutro ou até desinflacionário

Equipe InfoMoney

(Divulgação)

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*Zeina Latif é economista-chefe da XP Investimentos

No comunicado que anunciou o corte da taxa Selic em 1pp para 10,25%, o Copom de imediato admite que a atividade econômica poderá fraquejar por conta da crise política. Já a inflação, o BC vai acompanhar. Ele admite, naturalmente, que não sabe para onde vai o câmbio, em um contexto internacional favorável que mitiga o impacto da crise, e tampouco seu repasse na inflação. Suas projeções de inflação hoje (4,0% e 4,6% para 2017 e 2018, respectivamente, com Selic de 8,5%) estariam menos confiáveis. Bastante sensato.

Parece subtendido que, numa perspectiva de curto-médio prazo, é possível que o efeito da crise política sobre a inflação seja liquidamente neutro ou até desinflacionário.

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Segundo o BC, o principal fator de risco é o processo de reformas ser afetado, limitando o espaço para queda da taxa de juros estrutural (aquela que mantém a inflação estável no longo prazo). Ou seja, o BC acredita que a taxa estrutural está em queda, mas não sabe o fôlego do movimento. Não é um BC pessimista. Diante das incertezas, vai “testar” de forma mais cautelosa a taxa estrutural.

O Copom afirma que uma “redução moderada do ritmo de flexibilização monetária (…) deve se mostrar adequada na próxima reunião”. Uma sinalização de um corte de 0,75pp.

Alguns comentários:

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1) Com a taxa de juros se aproximando de 1 dígito, algo próximo do que deve ser a taxa de juros estrutural hoje, é natural que o BC adote um tom mais conservador. Já havíamos alertado para isso. E um corte de 0,75pp, se confirmado, não chega a ser modesto.

2) O BC vê espaço para continuar cortando a taxa de juros. A taxa de juros de equilíbrio de curto prazo, que é a taxa que produz inflação estável tendo em vista as condições atuais da economia, está provavelmente abaixo da taxa estrutural. O BC está sensível ao quadro da atividade e vê espaço para política monetária anticíclica, sem ameaçar o cumprimento da meta.

3) A depender dos desdobramentos da crise no curto prazo, não é possível descartar totalmente a manutenção do ritmo de 1pp na próxima reunião. É possível que a atividade econômica seja mais afetada que a taxa de câmbio. O cenário alternativo ao 0,75pp pode ser 1pp, e não 0,5pp.

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4) O BC está correto em avaliar o risco de a reforma da previdência não ser aprovado. Seria estranho não fazê-lo. O BC não pode ser torcedor.

Enfim, um Copom equilibrado, que avalia os fatores cíclicos e estruturais afetando a inflação, que considera os desdobramentos da crise no curto prazo, mas sem perder de vista as consequências, no horizonte temporal relevante para a política monetária, de não se aprovar a reforma da previdência.