As criptomoedas estão recriando a crise financeira de 2008?

As finanças descentralizadas são “grandes demais para dar errado”?

CoinDesk

(Getty Images)

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*Por Michael J. Casey

No geral, a newsletter Galaxy Brain, de Charlie Warzel, é uma boa leitura. Mas, nesta semana, trouxe um título provocante: “As criptomoedas estão recriando a crise financeira de 2008?”.

Como esperado, é uma pergunta retórica. A newsletter do jornalista da The Atlantic trouxe uma entrevista com a professora de Direito da American University Hilary J. Allen, na qual ela falava sobre seu projeto de pesquisa recente, que argumenta que as finanças descentralizadas (DeFi) estão repetindo os erros do shadow banking que antecederam o tumulto financeiro do fim dos anos 2000.

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A tese de Allen afirma que o alto grau de complexidade acerca dos novos modelos de DeFi para empréstimos, seguros e pagamentos vai deixar a mesma lacuna dos riscos fomentados pelas obrigações de dívidas colateralizadas (CDO, na sigla em inglês) e credit default swaps (CDS) no período pré-crise da bolha imobiliária. “A opacidade de complexidade induzida aumenta a chance de esses riscos serem subestimados em épocas boas (causando bolhas) e superestimados em época ruins (agravando o pânico)”, escreveu.

Allen está pedindo que o governo americano interfira para regular o setor antes que se integre ainda mais ao sistema financeiro tradicional. O argumento dela é que os aplicativos descentralizados (DApps) deveriam ser licenciados e seus fundadores e desenvolvedores, sujeitos a sanções caso resistam.

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Muitos na comunidade de criptomoedas não vão gostar disso. Nesse setor, acusar programadores open source de crimes é visto como danoso à inovação.

Antes de mais nada, devo admitir que algumas observações de Allen sobre DeFi fazem sentido e alguns dos paralelos que ela traça com a crise financeira são legítimos e importantes.

Sim, uma pessoa comum não vai entender DeFi. Assim como os engenheiros financeiros de Wall Street que exploraram a caixa-preta dos CDS e CDOs, dando prejuízo aos clientes dos bancos, essa complexidade também permite que fundadores de projetos de DeFi tenham vantagens assimétricas. É por isso que são comuns os rug pulls (puxadas de tapete) e outros golpes em investidores que confiam demais no setor.

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Outras observações válidas de Allen: hoje, em DeFi, existe um comportamento muito parecido com o da bolha de 2008 e há muito mais centralização, com intermediários de confiança, do que admitem os entusiastas da descentralização.

Mas, há um defeito fundamental na perspectiva de Allen, que pode levar a um grave erro de diretriz política.

O problema que não pode ser ignorado

A grande diferença entre os inovadores de DeFi dos anos 2020 e aqueles de Wall Street dos anos 2000 é que estes — os banqueiros — operam dentro de uma estrutura política abrangente que sequer encosta naqueles — os desenvolvedores de criptomoedas. Com seu poder de criar dinheiro através do sistema de reservas fracionárias, os bancos funcionam como agentes governamentais da política monetária, uma posição especialmente sancionada que traz consigo acesso privilegiado à liquidez do Federal Reserve. Há uma interdependência entre governos e bancos que, em algumas ocasiões, já virou uma codependência.

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Prova número 1: o problema de ser “grande demais para dar errado” no começo da crise financeira. Essa ideia dizia que um colapso potencial de um banco grande e sistematicamente interconectado seria uma ameaça tão catastrófica à economia que o governo não teria nenhuma alternativa a não ser ajudar essas instituições caso estivessem em perigo — exatamente o que aconteceu em 2008.

Foi um problema moral perigoso que, nos anos 2000, provocou uma enorme distorção no mercado. Antes da crise, os bancos tinham riscos assimétricos. Eles poderiam lucrar enquanto o mercado de hipotecas estava aquecido, mas não sofriam as consequências se e quando o setor piorasse. O resultado foi uma versão deformada e distorcida do capitalismo na qual os lucros são privados e as perdas, socializadas.

Allen refere-se a isso para descartar entusiastas de criptomoedas como ingênuos, sugerindo que o interesse deles em DeFi é motivado por um desdém por resgates financeiros. Na realidade, as ações do governo federal para ajudar o sistema financeiro em 2008 foram necessárias. Eu acho que ela não entendeu a questão. Pode-se acreditar, como eu acredito, que o resgate de 2008 foi dos males o menor e, ao mesmo tempo, criticar o sistema de dependência “grande demais para dar errado”, que deixou o governo sem alternativa a não ser fazer esse resgate.

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É essa a esperança que as criptomoedas trazem. Nós temos a possibilidade de libertar nosso sistema financeiro da dependência de intermediários excessivamente poderosos que há muito demandam para si uma proporção excessiva dos recursos da economia e do capital político.

Para alcançar isso, não precisamos necessariamente atingir um padrão utópico de descentralização total. (Eu acho bem cansativos esses críticos, tipo Allen, que “pegam você no pulo” sobre o quanto as criptomoedas não são tão descentralizadas quanto sugere a narrativa. Todas as pessoas inteligentes desse espaço sabem disso.) Em vez disso, precisamos de um sistema suficientemente aberto a competição e inovação para um grupo de participantes significativamente abrangente, mais do que o sistema atual. Isso quer dizer que certos elementos deveriam ser descentralizados e não necessitar de autorização de uma instituição central, enquanto outros requerem o envolvimento de participantes confiáveis para alcançar a eficiência apropriada. O que importa aqui é um equilíbrio que sujeite toda instituição a algum tipo de pressão do mercado.

Inovação fácil x inovação difícil

É isso que torna a comparação de inovação por complexidade inválida nesses dois setores. Visto que os bancos têm um monopólio licenciado sobre a criação monetária, um papel tão essencial que lhes dá proteção implícita de contribuinte contra perdas, a sua “inovação” é moldada por incentivos muito diferentes e pesos e contrapesos distintos daqueles de desenvolvedores de DeFi. Os bancos se deram o luxo de desenvolver CDS, CDOs e produtos lastreados em tranches emitidas por outros CDOs para aumentar a alavancagem e maximizar os lucros a curto prazo sem precisar calibrar essas apostas com o risco de o mercado se virar contra eles.

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Em contrapartida, os desenvolvedores de DeFi encaram um mercado muito mais fluido e implacável. Não só porque eles não têm a garantia implícita de contribuinte dos bancos mas também por conta de um elemento essencial de DeFi: a composição open source do código e os poucos obstáculos para entrada. Essa estrutura garante que qualquer pessoa com conhecimento suficiente de código crie um novo formador de mercado automatizado, um novo token de governança e um novo algoritmo de stablecoin sem precisar pedir permissão do governo ou de outra instituição intermediária. E isso significa que ela pode desafiar os encarregados.

Pense na história de DeFi dos últimos dois anos. Primeiro, o MakerDAO (MKR) era a menina dos olhos do mercado, daí veio a Compound (COMP), então a Aave (AAVE), em seguida a SushiSwap (SUSHI) e depois produtos híbridos de jogos/serviços de DeFi, como a Axie Infinity (AXS). Todos foram fundados poucos meses antes do seu sucesso repentino. Compare-os com os vencedores que surgiram das cinzas da crise hipotecária dos Estados Unidos: o JPMorgan Chase e o Bank of America. Eles foram fundados em 1799 e 1904, respectivamente.

Se conseguir ser sustentado, o dinamismo do DeFi vai impedir a rigidez que, segundo Allen, pode gerar o mesmo tipo de risco sistêmico que consumiu o sistema bancário nos anos 2000. Afinal, o mercado está constantemente corrigindo os tokens de diferentes vencedores e perdedores. O importante é a sinalização do preço.

Além disso, embora seja verdade que DeFi não é perfeitamente centralizado e que é complicado demais para o cidadão comum, os usuários finais de produtos de DeFi têm muito mais influência sobre o que é construído do que os clientes de bancos. Muitos deles têm tokens de governança e, com seu comportamento oscilante, mantêm os desenvolvedores de DeFi alertas, algo que não preocupa tanto os bancários.

De fato, os investidores de risco vão continuar a perder dinheiro em rug pulls e quebras de código enquanto outros ficam ricos. Mas esse alvoroço é diferente dos problemas sistêmicos que envolveram o sistema financeiro nos anos 2000, quando todos e todo ativo ativo de risco estavam ganhando por alguns anos, antes de começarem a perder muito e ao mesmo tempo. O mais importante de tudo: a ameaça constante de fracasso gera nos desenvolvedores um incentivo para oferecer produtos mais confiáveis, o motivo pelo qual, apesar das histórias de terror, o sistema tem regularmente crescido ao longo do tempo.

O que pode ameaçar esse balanço impulsionado pelo mercado? Um modelo regulatório mal pensado.

Quer aumentar o risco sistêmico em DeFi? Então, dê aos bancos, com seus modelos de empréstimo com base em riscos, uma vantagem sobre desenvolvedores open source. Faça estes pedirem permissão para obter as licenças que os bancos, privilegiados, já têm. Aumente os custos de inovação real e focada no mercado e tire os riscos de inovações exploratórias a curto prazo ao apoiar esse sistema com seguro do governo e garantias de contribuintes.

Não quero dizer que os provedores de serviços centralizados não devam ser responsabilizados, perante a lei, por preservar a estabilidade financeira e proteger os consumidores. Mas, enquanto circula em Washington uma série de propostas conflitantes para regulamentação de stablecoins, DeFi e o mercado de criptomoedas no geral, nós devemos aprender as lições que a crise de 2008 nos ensinou — as lições certas, não as erradas.

*Michael J. Casey é diretor de comunicações da CoinDesk

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