“Oráculo de Londrina”? Seguindo os passos de Buffett, gestor paranaense acumula 630% de ganhos em 9 anos

Fundador da Real Investor, o gestor César Paiva, conta como aprendeu muito com um dos maiores erros do fundo e detalha como estruturou a compra de um papel que subiu 82% no ano passado

Rafael Souza Ribeiro

Cesar Paiva, da Real Investor

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SÃO PAULO – Um dos maiores investidores do mercado de ações de todos os tempos, Warren Buffett fez fortuna utilizando a estratégia conhecida como “value investing”, que em poucas palavras resume-se na busca de investir em boas empresas a preços atrativos. Seu sucesso em “comprar príncipes pelo preço de sapos”, como ele mesmo já definiu sua forma de investir, fez com que ficasse conhecido no mercado financeiro como o “Oráculo de Omaha”, fazendo referência sua cidade natal de poucos menos de 500 mil habitantes localizada no estado norte-americano de Nebraska e sede da Berkshire Hathaway, o que acaba sendo um diferencial para o megainvestidor.

Para Buffett, estar longe da agitação dos grandes centros financeiros dos EUA é uma grande vantagem, já que acaba se dedicando mais aos estudos próprios e não se contamina com o excesso de informações caso estivesse em Nova York, por exemplo.Trazendo essa comparação para o Brasil, seria como se um grande investidor fizesse sucesso na bolsa e não ficasse no eixo “Faria Lima-Leblon”. Inspirado em Buffett, foi que César Paiva fundou a Real Investor, bem longe da agitação dos grandes centros financeiros.

“Quando comecei tive a sorte de me deparar com os livros do Buffett e foi minha fonte de inspiração. Inclusive, Londrina [município do Paraná] lembra muito Omaha pela quantidade de habitantes e se ele conseguiu nos EUA, por que não conseguiria abrir uma gestora independente mesmo fora do eixo Rio – São Paulo?”, disse Paiva no Congresso de Investimento de Valor realizado pela Suno Research em outubro. Foi então que no final de 2008 fundou a Real Investor, que começou como um clube de investimento e hoje administra cerca de R$ 300 milhões.

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Com rentabilidade de 630% desde sua criação em dezembro de 2008, contra valorização de 120% e 150% do Ibovespa e do CDI no mesmo período, respectivamente, não é difícil concluir que foram muito mais acertos do que erros nesta trajetória e algumas regras básicas foram importantes neste processo : i) “acertar grande e errar pequeno”, ou seja, não cortar os ganhos prematuramente e saber calibrar os pesos do portfólio; ii) “ser seletivamente contrário ao senso comum”, o que significa ser crítico com as “dicas” e ter opinião própria; iii) “reconhecer os erros”, que foi essencial para dar a volta por cima no ano passado. Entre 2014 e 2015, o fundo entrou em uma tendência de baixa, como dizem os grafistas, mas Paiva levou isso como um grande aprendizado, que foi fundamental para despontar em 2016. Justamente um dos maiores erros do gestor ajudou na escolha de uma ação rejeitada pelo mercado e que no final das contas rendeu muitos frutos para o fundo.

Saraiva: um grande erro, mas um valioso aprendizado
Dentro da terminologia dos value investors, existe o chamado “Value Trap”, que seria uma espécie de armadilha de valor. Porém, como ninguém prevê o futuro, falar que foi uma “cilada” investir em determinada ação fica fácil, o difícil é identificar o problema e ter a coragem de desistir de um case que você estou com tanto afinco. Esse foi o caso com as ações da Saraiva (SLED4) e Paiva detalha exatamente como foi esse processo.

Com o bom histórico de crescimento de lucro e receita, boas margens operacionais, faturamento crescente a cada trimestre e ROE (Retorno sobre Patrimônio Líquido) na ordem de 20%, a varejista chamou muito atenção de Paiva no início de 2013, principalmente pelo alto desconto em termos de múltiplo e pela história bastante promissora. Tendo em vista as perspectivas positivas para o setor de educação e varejo – cada vez mais crescendo com a penetração do Fies – os papéis das educacionais dispararam na bolsa e estavam negociados com P/L (Preço dividido pelo lucro) médio de 20x, enquanto Saraiva, que era uma derivada desses dois setores e um “player perfeito para surfar essa onda”, segundo Paiva, estava negociando com P/L em torno de 8x. Foi o que o fez começar a comprar as ações no início de 2013, quando estavam na faixa de R$ 20,00.

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Outras duas sinalizações da empresa animaram o gestor da Real Investor: a Saraiva tinha acabado de divulgar um guidance bastante promissor de receita e Ebitda e logo depois anunciou um programa de recompra de ações. “Nós gostamos muito deste tipo de sinalização dos controladores, pois mostra confiança no negócio e sinaliza ao mercado que está barata”, diz Paiva. “Estávamos pagando o que valia a editora e levando o varejo da empresa de graça”, revela o gestor, que lembra também dos rumores de que a Amazon poderia comprar as operações da Saraiva. Com tantas variáveis positivas, o que poderia dar de errado? Daí vem uma das “ciladas” mais presentes em um value trap: a qualidade (ou a falta de qualidade) do controlador.

Ainda no fim de 2013, quando as compras da gestora foram iniciadas, a Saraiva surpreendeu ao anunciar a saída do presidente Marcílio Pousada para a Raia Drogasil – empresa que tem sido símbolo de sucesso na Bolsa nesta década. Depois de Pousada, outros executivos entraram na Saraiva, mas não tiveram o mesmo sucesso, revela Paiva, fato que refletiu diretamente no desempenho da livraria. A série de reavaliações negativas do valor dos ativos da Saraiva, somada aos fracos resultados das operações de varejo físico e online, drenaram o caixa da companhia e elevaram o endividamento. A resposta do mercado foi impiedosa: em 2014, a empresa perdeu 75% de valor de mercado e fechou aquele ano a R$ 5,50 – detalhe: atualmente ela encontra-se na faixa de R$ 4,30. A Real Investor adquiriu SLED4 a um preço médio de R$ 16,00 e vendeu com um médio R$ 9,00, conferindo uma perda de 45%. Tal efeito pode ser percebido na curva de rentabilidade do fundo, que embora impressionante no longo prazo teve um duro resultado em 2014.


*Fonte: Real Investor

Time For Fun: Ninguém acreditava – ainda bem!
Se por um lado foi duro absorver esse prejuízo, mesmo que diluído na carteira de ações, Saraiva serviu como um grande aprendizado para o gestor da Real Investor, que, “seletivamente contrário ao senso comum” viu em uma empresa ao primeiro olhar sem solução, uma oportunidade de ouro para investir. Esse foi o caso com as ações da Time For Fun (SHOW3), um exemplo de como ganhar dinheiro olhando para frente e antecipando os movimentos.

Em abril de 2011 a Time For Fun (T4F) lançou sua Oferta Pública de Ações e os R$ 540 milhões captados no mercado serviram para fortalecer suas operações, expandindo a atuação na América Latina e abrindo caminho para a entrada de grandes festivais, como, por exemplo, o Lollapalooza. Esse sucesso chamou atenção e não demorou muito para que outros players entrassem no mercado atrás da sua fatia do bolo. De acordo com Paiva, esse aumento da competição foi destrutivo para o mercado de entretenimento, pois acabou diluindo as margens dos patrocínios, inflando os cachês dos artistas e desequilibrando a oferta x demanda por espetáculos, resultando em taxas de ocupação baixas. Essa combinação resultou em queda de receita e maiores custos, afetando diretamente o lucro e as ações da empresa, que entre 2012 e 2014 (período do aumento da concorrência) recuou cerca de 80% e ficou “largada” pelo mercado. Neste momento que o gestor começou olhar o papel com mais carinho, pois os múltiplos baixíssimos encheram os olhos.

“A empresa estava muito barata em relação ao seu potencial, não pelos números que ela estava entregando, já que era uma sequência de prejuízo, mas pelo histórico de resultados, o que fazia muito sentido projetar que ela voltaria a ser a companhia que era no passado [antes do efeito da concorrência]”, relembra o gestor, citando o modelo de negócio da T4F, que não consome muito capital de giro e alta margem de lucro.

O processo de decisão de investimento passou primeiro em entender a lógica da concorrência e até quando esses novos entrantes estavam dispostos a queimar caixa para bancar esse desequilíbrio. Como são empresas S.A. de capital fechado de grande porte, elas publicam seus números no Diário Oficial e os resultados foram reveladores: “nós ficamos bem animados, uma vez que constatamos um prejuízo gigantesco e dívida na mesma direção, ou seja, esses novos entrantes não vão durar muito tempo”, constatou Paiva na época. Observando que o canibalismo da concorrência não era o caminho para ganhar dinheiro, nesses dois anos a T4F acumulou uma posição de caixa líquida bem relevante e isso deu ainda mais confiança para o gestor que estava olhando a ação certa, mesmo com grandes fundos se desfazendo de suas posições.

Foi então que em meados de 2014, por volta dos R$ 4,50, a Real Investor encarteirou os papéis com participação de 4% do portfólio, mas devido ao momento ruim dos resultados, o que desanimou ainda mais os investidores, uma nova onda vendedora devastou as ações, que atingiram a mínima de R$ 1,96 em 2015 e foi nesta faixa de R$ 2,00 que Paiva triplicou sua posição: “pelo fato de ter estudado bastante a empresa e conhecer muito bem o case, antecipando a melhora de resultado, nós tivemos a convicção de aumentar nossa participação. Não foi fácil tomar essa decisão, mas mantemos a racionalidade”, lembra o gestor. O sinal de que a decisão estava certa foi quando o controlador elevou sua participação na empresa nos mesmos níveis de preço.

Depois de publicar o pior prejuízo da história no quatro trimestre de 2014, atingindo R$ 42,4 milhões, a empresa apresentou melhores resultados em 2015 como o esperado, tanto pela menor concorrência, recuperando as margens de lucro como uma melhor precificação dos shows e receita maior de patrocínio, como pelo o encerramento do contrato como o Cirque du Soleil, que drenou muito capital no seu período de vigência (2013 – 2014) e ajudou a recuperar a rentabilidade da companhia. Até que neste ano, por volta de R$ 8,00, o gestor decidiu encerrar sua posição na empresa por avaliar que o risco x retorno não valia mais a pena e esse case ficou marcado como um dos grandes acertos do fundo.

“Uma reflexão que eu deixo desse investimento em particular é que o investidor deve olhar para frente para ganhar dinheiro, tentar se antecipar e sair um pouco do óbvio, ainda mais em mercados competitivos como atualmente”, constata o gestor.

Tecnisa: Pensando fora da caixa
Além de falar de seus acertos e erros, Paiva comenta de uma oportunidade que está monitorando no mercado imobiliário, setor que está fora do radar do mercado por conta das dúvidas sobre a saúde financeira das empresas. Justamente por essa percepção negativa que surgiu o interesse pelo gestor, que aponta pelo menos três fatores apontando que o setor de fato chegou no fundo do poço: i) financiamento imobiliário com taxas reduzidas; ii) governo entrando em acordo para a regulação dos distratos – quando há desistência da compra ou venda do imóvel na planta; iii) melhora das prévias operacionais das construtoras neste ano.

Assim como no caso de T4F, Paiva está visualizando o setor daqui dois anos para frente para se antecipar aos movimentos do mercado e a empresa escolhida para “surfar essa onda” de recuperação é Tecnisa (TCSA3), companhia que detém 80% do seu landbank (carteira de terrenos) concentrada na cidade de São Paulo. Inclusive, o fundador da empresa, Meyer Nigri concedeu entrevista para o especial InfoMoney Fora Curva, explicando como a empresa sobreviveu a pior crise do setor imobiliário em mais de 40 anos – confira a reportagem completa.

As ações chamaram a atenção do gestor pelo seu preço atrativo em relação ao NAV (valor de liquidação), ou seja, considerando os terrenos, recebíveis e liquidando todas as dívidas, há um belo upside em relação ao ativo líquido. Outro ponto importante foi o equacionamento do endividamento com a redução dos custos administrativos e após dois aumentos de capital, que contou com a participação do controlador e da Cyrela (CYRE3), o que foi um “belo de um sinal” na visão de Paiva, pois o fundador da Cyrela, Elie Horn, tem uma grande expertise no setor imobiliário. Porém, em setembro, quando o papel chegou a subir 14% ao marcar máxima em R$ 2,74, a Cyrela reduziu sua participação na empresa de 13,6% para 9,98%, o que não foi uma boa sinalização, segundo Paiva, mas não desmerece todo o case.

Somado aos esforços em capitalizar a empresa, Nigri e toda a diretoria está focada em monetizar sua carteira de terrenos, ou seja, abandonou a estratégia de lançamentos para focar na comercialização dos estoques, que hoje está avaliado em R$ 5 bilhões e 77% prontos para entrega. Considerando o NAV e os riscos envolvidos, a Real Investor tem como preço-alvo para 12 meses de R$ 3,50, o que representa um upside de 50% em relação ao último fechamento.