Oportunismo político ou choque de consciência: Mantega fez o que o mercado queria?

Mercado gostou das medidas de incentivo à Bovespa e às exportadoras, mas ministro pode não ter conseguido convencer uma torcida que já passou a torcer contra o governo nos últimos tempos

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – De repente, um ministro com a popularidade fortemente arranhada no mercado brasileiro veste um boné verde-amarelo e sai distribuindo presentes para os mais diversos setores e atores da economia nacional. Entre incentivos fiscais e programas de refinanciamento, Guido Mantega se levanta de sua cadeira no ministério da Fazenda e sai propagando uma onda de otimismo dos investidores. Os acontecimentos recentes reforçariam suspeitas de interesse eleitoral ou seriam votos de confiança ao que poderia simbolizar as pazes do ministério da Fazenda com os investidores? Na ótica de boa parte do mercado financeiro, Mantega tem alimentado reações divididas.

Na semana seguinte a uma notícia importante da oposição, o ministro dá o braço a torcer àqueles que pedem maior incentivo ao desenvolvimento da sétima maior economia do mundo e anuncia dois pacotes importantes – algo esperado já há muito tempo. O mercado gostou, mas será que o ministro conseguiu convencer uma torcida que já passou inclusive a torcer contra o governo nos últimos tempos?

Antes de procurar uma resposta rápida para isso, vale uma breve retrospectiva sobre as medidas e o contexto.

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1º pacote: Mantega, o amigo da Bovespa

No último dia 16 de junho, Mantega anunciou medidas de estímulo ao mercado de capitais brasileiro, que vão desde a desoneração de IR (imposto de renda) sobre lucros até a regulamentação dos ETFs (Fundos de índice, na sigla em inglês) e sistematização de mais cursos introdutórios sobre o funcionamento do mercado financeiro a fim de atrair mais investidores comuns e novas pequenas e médias empresas à Bovespa.

O pacotão foi visto com bons olhos por uma parcela expressiva dos especialistas do mercado financeiro. Para muitos, foi o primeiro grande acerto do governo no mercado de capitais depois de um período de forte controvérsia, com o intervencionismo da equipe econômica desagradando a maioria liberal dos investidores.

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O assessor de investimentos da XP Investimentos, Leandro Salles, ressalta que os incentivos devem ser positivos em diversos aspectos: a isenção de IR pode tornar o investimento em Bolsa mais atraente, inclusive para quem jamais se arriscou no mercado de renda variável, além de incentivar empresas menores a abrirem capital; a preocupação com a clareza, educação dos investidores e redução burocrática do mercado contribuem para tornar a Bolsa um pouco mais atraente.

Trata-se de uma boa primeira oportunidade para o País tirar parte do atraso em relação a outras economias, que, apesar de menores, vencem com sobras o Brasil quando o assunto é participação da população na Bolsa. Enquanto Chile e Peru têm de 10% a 15% da população investindo no mercado de capitais, a economia verde-amarela não conta com mais de 0,03% de seus cidadãos na BM&FBovespa – fato que foi lembrado pelo próprio presidente da Bolsa, Edemir Pinto, durante o evento. No mesmo raciocínio, enquanto as principais bolsas de Índia, China e Hong Kong conta, em média, com cerca de 1.628 empresas listadas, a Bovespa não chega nem a 400.

Bernardo Gomes, presidente da empresa de desenvolvimento de softwares Senior Solution (SNSL3) e representante do grupo das “small caps” beneficiadas com as medidas, diz que o principal desafio enfrentado pelos empreendedores no Brasil é a dificuldade em acessar recursos financeiros para levar à frente seus planos e projetos de desenvolvimento. Na visão dele, este seria um dos principais pontos que as 5 medidas de Mantega podem melhorar.

“Vejo com otimismo as medidas de estímulo para transformar o mercado de capitais em uma fonte consistente de financiamento para esse segmento. As pequenas e médias empresas já representam uma parcela importante da economia brasileira. E, com esse impulso, poderão acelerar ainda mais seu crescimento, gerando retorno econômico e social para o País, com o aumento da competitividade, da criação de empregos, do pagamento de tributos e da geração de valor para seus investidores”, afirmou durante o evento. Gomes, no entanto, destaca que o anúncio das novas medidas não deve trazer mudanças nas estratégias da Senior Solution no sentido de novos aportes não planejados na Bolsa para que a companhia se beneficie dos incentivos.

Apesar de os impactos serem bem vistos pelo mercado, é possível que os efeitos disso só comecem a ser sentidos no ano que vem. Ou seja, o pacotão pode ser insuficiente para evitar que 2014 passe em branco no quesito IPOs (Oferta Pública Inicial) na Bolsa. Como o próprio Mantega afirmou, trata-se da criação de uma “geração de ações incentivadas”, com impactos previstos para o longo prazo. Gomes complementou a fala do ministro argumentando que a realização de abertura de capital dentro de uma empresa demanda tempo em um processo de determinação de estratégias.

2º pacote: Mantega, o amigo da indústria

Na mesma linha de incentivos ao desenvolvimento do mercado brasileiro, o ministro anunciou na última quarta-feira (18) medidas para estimular a produção da indústria nacional, com a prorrogação dos financiamentos feitos ao setor via BNDES através do PSI (Programa de Sustentação do Investimento) em mais um ano, para o final de 2015. Os valores não foram definidos, mas devem ser similar aos deste ano, de R$ 80 bilhões, dando um apoio às empresas brasileiras para adquirir bens de capital, ampliar frotas e investir em tecnologia.

Na mesma data, Mantega confirmou a volta permanente do programa Reintegra, que devolve parte dos impostos pagos por exportadores de produtos manufaturados, com variação de alíquota entre 0,1% e 3%, e anunciou o novo formato do programa de refinanciamento de dívidas fiscais, o Refis. Enquanto antes, era necessário o pagamento de 10% sobre dívidas de até R$ 1 milhão e 20% para débitos superiores a esse montante. Agora, as empresas precisam pagar 5% das dívidas de até R$ 1 milhão, 10% para débitos de R$ 1 milhão a R$ 10 milhões, 15% para valores entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões, e 20% acima de R$ 20 milhões. O pagamento deverá ser feito no ato de adesão ao programa.

Em relatório, o Citi Research afirmou que Fibria (FIBR3) e Suzano (SUZB5) seriam as empresas mais beneficiadas dentre as que possuem ações na Bolsa, podendo ter um impacto positivo no Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) previsto para 2015 de 6,8% e 5,9%, respectivamente. Ambas viram suas ações subirem forte na última semana, sendo um dos principais destaques do Ibovespa no período.

Ainda na lista das beneficiadas, aparece outra fabricante de papel e celulose, a Klabin (KLBN11). A Usiminas (USIM5) no de siderurgia, Tupy (TUPY3) no de fundição de blocos, Embraer (EMBR3) no de fabricação de aeronaves e Braskem (BRKM5) no petroquímico se juntam ao time das que devem ter um impacto de, no mínimo, 1% no Ebitda estimado para o ano que vem, aponta o Citi.

O presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson de Andrade, viu as medidas do novo pacote com otimismo. “O pacote pode fazer que investimentos do setor no Brasil voltem com confiança”, afirmou em matéria publicada pela Agência Estado. “O aumento da margem de preferência (para empresas brasileiras) para um índice único de 25% [no PSI] é importante, porque muitos setores não tinham condição de competir com a Ásia”, complementou. Apesar da avaliação positiva, Andrade cobra mais velocidade do governo para tomar medidas em prol de setores que precisam de ajuda para se recuperar, como é o caso das indústrias têxtil, de máquinas e equipamentos, química, entre outras.

Resposta à oposição ou fruto de longo planejamento?
Um fato, porém, tem atraído a curiosidade do mercado ultimamente. Em um ano de eleições, a mudança de postura do governo frente ao mercado, na tentativa de reconquistar a confiança deteriorada, normalmente já teria alimentado o ceticismo do cidadão sobre as reais intenções envolvidas por trás dos anúncios feitos. No entanto, mais do que isso, o timing das atuações de Mantega pode causar um estranhamento ainda maior. No último sábado (14), dois dias antes da primeira das duas aparições do ministro mais longevo do País para divulgar medidas de incentivo ao mercado, o principal partido da oposição – o PSDB -, confirmou a candidatura do senador Aécio Neves como seu representante na corrida eleitoral de outubro.

Em sua defesa, Mantega jura que uma coisa não tem nada a ver com a outra e argumenta que as medidas estavam sendo estudadas há mais ou menos um ano, quando Edemir Pinto, presidente da Bovespa, e ele se reuniram pela primeira vez para tratar do assunto. Segundo a equipe do projeto, foram necessárias diversas visitas e análises de mercados do exterior para que a engrenagem do pacotão de incentivo fosse enfim acertada em seus detalhes.

Entretanto, a retórica do ministro não explica o fato de a semana escolhida para os anúncios ser exatamente a mesma que a usada pelos tucanos para confirmar o candidato já esperado tanto pelos especialistas, como para boa parte da sociedade civil. É difícil chegar a uma conclusão definitiva sobre essa questão, mas talvez outra pergunta seja ainda mais importante nesta altura do campeonato: os pacotões de Mantega serão suficientes para o governo reconquistar a confiança do mercado em tão pouco tempo?

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.