24 de janeiro se tornou o divisor de águas do mercado, diz Luiz Fernando Figueiredo

Para o ex-diretor do Banco Central e sócio-fundador da Mauá Investimentos, as chances de aprovação da reforma em fevereiro, na volta do Congresso, são baixíssimas - em torno de 30% - e, por isso, o risco da eleição só aumenta

Paula Barra

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SÃO PAULO – A reforma da Previdência não é uma opção, será obrigatória para o próximo governo. “Se ela não for atacada, o País pode quebrar logo na frente (…) mas uma coisa que aprendemos quando trabalhamos no governo é que a agenda de crise você não consegue controlar, só se reage a ela”, diz Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central entre 1999 e 2003 e que viveu na pele a crise de confiança dentro do governo. Para ele, que atualmente atua do “outro lado do mercado”, como sócio-fundador da Mauá Investimentos, gestora com cerca de R$ 4,8 bilhões em ativos sob gestão, as chances de aprovação em fevereiro, quando o debate será retomado, na volta do Congresso, são baixíssimas – em torno de 30% – e, por isso, o risco da eleição aumenta. 

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Embora a economia deva sentir pouco o processo eleitoral este ano (ele estima crescimento do PIB de 3% em 2018), os ativos brasileiros podem sofrer mais, dependendo da probabilidade de cada candidato ganhar. “Lula estar ou não no páreo fará toda a diferença de como será o ano do ponto de vista dos ativos, porque estamos falando de uma necessidade muito grande de reforma”, disse o ex-diretor do BC em entrevista exclusiva ao InfoMoney. Por conta disso, ele aponta que o dia 24 de janeiro (quando está marcado o julgamento do ex-presidente no Tribunal Regional Federal da 4ª Região) será um “divisor de águas” para o mercado. 

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Para ele, a grande novidade será se o julgamento for unânime entre os três desembargadores, o que o tornaria o ex-presidente quase que certamente inelegível. “Se isso acontecer, muda todo o processo eleitoral, com uma chance muito grande de alguém de centro vencer e endereçar a questão da Previdência. Nesse cenário, os ativos brasileiros performariam muito bem”, comenta.  

Mas, por conta de tantas incertezas, ele diz que prefere esperar para ver como o processo vai se desenvolver para ter uma exposição mais firme em Brasil. “Fora a eleição, o único risco que temos, que não deve ser negligenciado, é que está em curso o início de um processo de normalização das taxas de juros no mundo e esses processos nunca são totalmente calmo, gradual. Eles têm solavancos e podem acontecer acidentes. Você passa ter um mundo não tão benigno para países emergentes, como o Brasil”. 

Veja abaixo os trechos da entrevista: 

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As grandes surpresas de 2017

Fiquei muito surpreso com a capacidade de Temer se manter no governo e ter uma base mínima no Congresso depois da deleção premiada do Joesley Batista. O que aconteceu é que a agenda de reformas continuou. Infelizmente, esse evento e as duas denúncias contra Temer que passaram no Congresso acabou atrabalhando em termos de tempo e, até de capacidade, a discussão da reforma da Previdência. A vítima de todo esse imbróglio foi a reforma da Previdência. Outras reformas até andaram, uma muito relevante e que passou um pouco despercebida foi a mudança da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) para TLP (Taxa de Longo Prazo) – a taxa que corrige os empréstimos do BNDES ao setor produtivo. Essa é uma mudança muito relevante, já que reduz os juros estruturais do Brasil, que é um dos nossos principais problemas.

Além disso, a economia já começou claramente a melhorar. Prevemos um crescimento de 3% este ano e será um crescimento que virá com uma queda do desemprego, que começou a reduzir mais cedo do que se previa, e com uma inflação muito tranquila. Então, a tendência é que a Selic fique nesse nível mais baixo por bastante tempo. Isso tudo para dizer que o ambiente econômico é um ambiente de melhora, bem gradual, mas contínua. E isso, no final, faz até com que o ambiente na eleição seja um ambiente que tende a ser de continuidade das reformas.

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Não há plano B para a reforma da Previdência

A reforma da Previdência não vai trazer impactos de curto prazo, mas, se no próximo governo não for atacada, o País pode quebrar logo na frente. Podemos entrar em um ciclo vicioso de novo e, desta vez, não temos mais muito tempo. Ela é obrigatória. O ideal seria fazer agora, em fevereiro, mas acho que não tem grandes chances de acontecer – cerca de 30%. Ou seja, para o próximo governo, ela terá que ser feita, de qualquer forma, o que aumenta o risco para o País em um governo não comprometido com essa reforma ou com uma situação fiscal mais arrumada.

O que eu quero dizer é o seguinte: não ter feito agora é ruim, não há dúvida. Se tivéssemos feito, os ativos brasileiros estariam em outro preço, muito mais valorizados. Como ela não aconteceu, mas que não é uma coisa que se não acontecer já o país ficará comprometido, aumenta o risco da eleição e ela passa a ser ainda mais relevante por conta disso.

Ainda assim, a economia provavelmente vai sentir muito pouco o processo eleitoral, os ativos brasileiros que podem sofrer muito mais, dependendo da probabilidade de cada candidato ganhar. Os ativos vão flutuar em função disso. 

24 de janeiro: o divisor de águas do mercado
O que pode mudar tudo é o dia 24 de janeiro, que se tornou um divisor de águas do mercado, quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região julgará Lula. Se for condenado por unanimidade, sem divergências, a chances de sair ileso são muito pequenas e o prazo para resolver a questão seria curto. Então, ele se tornaria quase que certamente inelegível. Se isso acontecer, muda o processo eleitoral. Você teria uma chance muito grande de que alguém de centro ganhasse, dando sobrevida à questão da Previdência. Ou seja, os ativos brasileiros poderiam performar muito bem a partir daí.

Uma segunda hipótese é que Lula seja condenado pelos três desembargadores, mas com divergências sobre o tempo de prisão, o que abriria espaço para mais alegações e processo se arrastaria mais. Lula seguiria no páreo e o risco ainda estaria acesso. 

Já uma terceira hipótese é ele ganhar no julgamento, o que pode complicaria todo  o quadro da eleição.

Lula estar ou não no páreo faz toda a diferença de como será o ano do ponto de vista dos ativos, já que estamos falando de uma necessidade muito grande de reforma, que tem que acontecer. Se vamos ser um país que está olhando para frente ou não. Os ativos vão flutuar ao longo do ano dependendendo disso.

Com Lula no páreo, muita cautela

Caso o dia 24 de janeiro não seja um divisor de águas – isto é, Lula siga no páreo -, nós vamos com muito cuidado, muita cautela. Não porque a economia em si vai sofrer um grande baque, mas porque a eleição fica incerta e quanto maior a incerteza, mais os ativos brasileiros vão sofrer.

Hoje, o risco Lula está presente. As pessoas olham e falam: pode ser um ano complexo. A grande novidade será se realmente o julgamento for unânime. Mas acho que, de qualquer maneira, o mercado responderá para os dois lados, mas será muito mais intenso se for unânime em tudo.

Se o processo for tranquilo, Bolsa para cima
Não trabalhamos com projeção, mas vemos a Bolsa indo muito bem caso seja um processo mais tranquilo. Do contrário, isso pode ser muito diferente. E, de novo, não dá para apostar nisso de véspera. É uma incerteza que ninguém tem como prejulgar. Ninguém sabe ainda. Preferimos esperar para ver como isso vai se desenvolver para depois tomar uma posição mais firme com Brasil.

Se a perspectiva do processo eleitoral for tranquila, sem possibilidade de retrocesso, os ativos brasileiros tendem a performar muito bem. O único risco que nós temos, que não deve ser negligenciado, é porque está em curso o início de um processo de normalização das taxas de juros no mundo e esses processos nunca são totalmente tranquilos, calmos e graduais. Eles têm solavancos e podem acontecer acidentes e você passa a ter um mundo não tão benigno para países emergentes, como o Brasil, como temos visto nos últimos anos. Esse é um risco que temos que considerar.

Pesquisas devem começar a fazer preço a partir de abril
Olhar as pesquisas eleitorais agora tem pouco valor. O processo começa a ganhar tração mesmo a partir de abril/maio, quando você tem mais clareza sobre os prováveis candidatos e, aí sim, as pesquisas começam a ter alguma relevância. Mas, para começar a entender o processo mesmo, só a partir de julho/agosto. Então, está cedo demais, mas um risco que deve se ter em mente nessa eleição é a fragmentação do centro. 

O que tinhamos até então eram: Luciano Huck, João Doria, Henrique Meirelles e Geraldo Alckmin. Para ficar nesses quatro, Huck disse que está fora, Doria também. Meirelles ainda é possivel, mas tivemos também uma aglutinação em torno do Alckmin pelo PSDB, que estava muito dividido, que é mais um fator que ajuda a não ter fragmentação durante a eleição. Ainda assim, é muito cedo. Me parece que o caminho está na direção correta, mas ainda é cedo para afirmar isso completamente. 

O risco-Lula
Vejo dois cenários com Lula na disputa: um seria o Lula candidato, outro, o presidente, que eu não acho que vá acontecer. O Lula candidato é de dar medo. Já ele como presidente é de dar muito menos medo.

Uma coisa que aprendemos quando trabalhamos no governo é que a agenda de crise você não consegue controlar, só se reage a ela. Então, ele precisaria fazer um movimento para que o ambiente seja mais estável. O problema é que o candidato é mais radical, mesmo que o presidente não o seja. Nesse cenário, ate as pessoas acreditarem que ele será o ‘Lula paz e amor’ de 2002 vai demorar muito e vai ter muita volatilidade até que ele mostre que não será a pessoa tão nociva quanto parece que seria.    

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