2017, fascinante e perigoso

A hora deve ser de esperança ativa em meio à lama transbordante. O Brasil não pode ficar estacionado. O ano que nasce será desenhado em função daquilo que os brasileiros responsáveis ou irresponsáveis querem fazer com o país.

Francisco Petros

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O ano de 2016 se foi. Até aquilo que foi positivo permaneceu incrustado pelos espinhos da crise política e econômica. O Brasil merece mais, mas quem dispõe à República um pouco de atenção? Esse é o ponto central a ser realçado prima facie. O mais importante, diga-se, muito embora fique esquecido no noticiário. O momento interregno entre a história das últimas décadas e as delações premiadas do escândalo dessa hora passou da exposição das vísceras podres da política para o desamor absoluto para com o país e seu povo. As elites da nação expropriaram o país e lhe tiraram a esperança. Isso mesmo.

Foi nesse contexto de absoluto desamor para com o país que a crise brasileira se converteu em monumental, espetacular e ferina para a alma de nosso povo. Sem a generosidade para com a República não haverá sobrevivência sequer para os valores verdadeiramente democráticos, estes ainda e lamentavelmente infantis no Brasil da Constituição de 1988. Há, ainda, aqueles que desejam colocar em perspectiva em meio à crise a oportunidade de forjar saídas violentas. O sonho da velha esquerda virou devaneio e a sua ressurreição implicaria em mais tumulto sem solução. De outro, há a grande parcela da elite acomodada em preocupante statu quo no qual prevalece o uso e a confusão entre o público e o privado, este último o escoadouro do benefício que caberia a todos. Ou alguém acredita que Sarney, Renan, Geddel, Crivella, Maluf et caterva fazem parte de alguma horda que guerreia pelo bem de todos? Chega de hipocrisia.

A revelação, cada vez mais aberta, de que a crise tem fortíssimos componentes institucionais também afasta os argumentos falsos de que o impeachment da ex-Presidente da República Dilma Rousseff teria ocorrido sob o manto da institucionalidade plena. Aquele movimento político foi o meio encontrado pela elite política para expurgar, em nome do povo, o analfabetismo econômico do governo da petista em evidente contraposição com os preceitos constitucionais – o debate sobre o tema tornou-se uma disputa de derby futebolístico. De outro lado, ao transpor o impedimento presidencial pelas veias das instituições viu-se o quanto essas estavam esclerosadas. Não é possível excetuar nenhum dos poderes: os interesses das corporações, a corrupção e a falta de defesa do interesse público, já conhecidos, tornaram-se cristalinos e em cores sombrias. A tergiversação sobre essa realidade política-institucional é mero diversionismo quase sempre associado com algo imediato, legítimo ou ilegítimo.

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Estamos defronte a perigoso percurso em 2017, ano fascinante e, de muitas formas, aterrorizador. Vejamos.

A crise política sempre foi latente, não resta dúvida. A era pós-redemocratização, avante o mercado financeiro em meio à colocação em prática dos preceitos constitucionais de 1988, se iniciaram na assunção, pelo voto direto, de Fernando Collor, aquele, impedido em 1992, depois de um pedaço de tempo retornou à política para recomendar à Dilma Rousseff que se cuidasse que o impeachment vinha pela porta da frente. Daí por diante, enquanto o mundo do Hemisfério Norte encerrava a era do Welfare State por aqui o bem-estar era compartilhado por poucos e engendrado por um processo de crescente concentração de renda, ao tempo em que o Estado brasileiro distribuía os benefícios formais da Constituição-cidadã de 1988 que gestavam no médio prazo mais problemas fiscais que material e verdadeira distribuição de renda. Esse engodo político só não se concretizou completamente porque tivemos a edição, com imenso sucesso, do Plano de Estabilização Econômica, aquele chamado de real. Nesse evento, viu-se que o ganho momentâneo de renda para os mais pobres não se traduziu em mudança estrutural capaz de render os primeiros traços de República ao povo brasileiro: o capital rapidamente se reorganizou institucional e politicamente e às cartas não mudaram de mãos na política. De crise em crise, a era FHC se sustentava em uma maioria parlamentar desorganizada e, quando necessário, à chantagem política e organizada para a promoção de seus interesses. (O diário político de FHC recentemente publicado espelha em certa medida essa realidade). A privatização, meio comum de alteração das estruturas produtivas – uma espécie de política industrial -, por aqui não representou oportunidade para se criar o capitalismo popular tão propagado por certa Academia liberal. Ao contrário, os bens vendidos aos poucos privados serviram ao serviço da dívida externa e interna. A produtividade não se alterou dramaticamente e a ausência de competitividade da economia brasileira ficou cada dia mais descampada pelos déficits externos estruturais em meio aos preços elevados dos bens e serviços privatizados. Enquanto isso o mundo girava e ia em frente.

Os partidos políticos gostaram do jogo e, pouco a pouco, saíram de um “oportunismo-amador” para um “profissionalismo de locupletação”: fosse de esquerda (onde FHC nunca esteve), fosse de direita (onde sabe-se a esquerda colheu práticas obscuras), a turba legislativa espalhada pelo país forjou um modelo institucional de trocas políticas: com pouco louvor à relação entre medidas políticas e interesses públicos, a prática tornou-se plutocrática em dois sentidos paralelos. De um lado, localizava-se o balcão de negócios subterrâneos cujo objetivo final, via de regra, era o enriquecimento político do detentor do mandato de representação popular. Na outra paralela, a estratégia de manutenção no poder, via a utilização de partidos políticos em benefícios próprios aos políticos. Ambas as paralelas têm como fonte comum o constante e volumoso fluxo financeiro daqueles homens e empresas que negociam com o Estado. A Petrobras é o corolário desse processo.

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As empreiteiras e outros mercadores que lidam negocialmente com o Estado, se em passado remoto já prevaleciam perante o interesse público, na República pós-1988 passaram a condição de “instituições plenamente dominantes”. Por debaixo dos vastos lençóis do Erário, ano a ano, os legisladores foram se apropriando do processo em troca de suas mercancias e madrepérolas amealhadas do orçamento. Na República de 1988 contei mais de 54 crises, entre o Legislativo e o Executivo, que evidenciavam o nefasto processo de tomada do poder por parte dos detentores das grandes parcelas da economia. A exclusão do povo do convívio com a mínima cidadania não provocou maiores percalços. A democracia formalmente prosperava sob FHC, enquanto eram minadas as bases de um capitalismo mais real e integrado pelas hordas de miseráveis das cidades e do campo.

A ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva foi para muitos um sinal de esperança. Aqui, esperava-se a inclusão social e alguma limpeza substancial no bojo das relações entre o público e o privado.

O que se viu foi que, com rapidez de cometa, Lula converteu-se em prócer das relações mais subterrâneas entre o Estado, a política congressual, o Judiciário e o capital que sempre se alimentou nas decaídas mamas do Estado. Com dois agravantes notáveis, entre outros tantos relevantes: (i) ao capitalismo inacabado que vigora desde a República Velha o principado de Lula juntou à dinâmica da politicagem o organizado corporativismo que lhe acolitou desde o seu surgimento político em 1978. A consequência foi que ao pacto político expropriador do Estado somou-se o sindicalismo duvidoso, ética e politicamente, com as massas organizadas que iam dos Ministros da Suprema Corte aos escreventes e escrivães, passando pelos burocratas do Estado que deveriam cuidar das políticas públicas. Nesse contexto de estranho “pacto social”, a economia esclerosada e não-competitiva consolidava déficits estruturais no campo fiscal, desindustrialização, falta de tecnologia, produtividade em queda, tributos elevados, burocracia corrupta e inconsequente e uma sociedade tomada pela ausência de novos paradigmas, notadamente no campo da educação e da inovação no campo produtivo.

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Esse foi o movimento estrutural do Governo Lula, mas com adicional e relevante detalhe. A economia mundial deu-lhe bônus substantivo, vindo dos elevados preços das commodities, que acomodou todas as tendências estruturais que levariam o país à falência face à vigência da política congressual e das empreitadas caras obtidas por meio de grossa propina. O tal do pré-sal, gigantesca reserva natural do Brasil, é parte integrante desse pacto que se somou ao espetacular bônus externo. As raposas não frequentavam mais o galinheiro em busca do sangue fresco dos ovíparos – as obras públicas clássicas, as estradas e as hidrelétricas. Chegou o tempo do petróleo, com a estatal investindo ao redor de USD 40 bilhões por ano. A ideologia do pré-sal escondia a trama dos pactuantes de Lula. A hora exigia organização: partidos políticos indicavam diretores e gerentes da empresa, os caciques do Congresso coletavam recursos. Um pouco ia para o partido, muito para os bolsos dos piratas. Da Petrobras o assalto se multiplicou por todas as estatais e pelo setor público. Todos os controles do Estado foram manietados pelo pacto lulante.

Com Dilma Rousseff esse processo mostrou completamente à Nação que a República no Brasil é ficção completa. Enquanto os milionários jogadores disputavam copas e olimpíadas, a esclerose do Estado aparecia com o declínio gradual e sistemático do bônus externo. Todos os problemas estruturais do país passaram a flutuar como boiam os detritos de toda a espécie na Baía da Guanabara. A pálida, envergonhada, arrogante e incompetente figura presidencial fraquejou diante do desfazimento do pacto lulante – não foram poucos os que gabaram, em nome de Lula, a sua habilidade política, não é mesmo?

Essa necessária digressão política se faz necessária para que se verifique que é muitíssimo provável que estejamos diante do final de longo período de um pacto nefasto à República. Não é possível dizer que 2017 será a apoteose desse processo, mas devemos estar próximos ao seu encerramento. Seria necessário, inclusive, que os analistas de plantão tivessem a humildade de reconhecer que as suas previsões carecem de substância científica para dizer que o PIB será +1% ou -2%. O domínio da política no cenário retira a capacidade prospectiva das ferramentas de análise.

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A inflação cai, o câmbio voltou a se valorizar, os salários despencaram e o desemprego escancara. Não há força-motriz para o consumo – o crédito é caro e inexistente em largo volume -, não há tração para os investimentos – o capital se acovarda e busca outros cantos mais lucrativos.

Temos de nos concentrar na política. A economia virá a reboque. (Sinto muito se poucos estão afeitos à humildade de reconhecer que a política carrega a economia e não vice-versa).

A esclerose da política brasileira irá, inexoravelmente, produzir retumbantes novidades. Sei que é muito difícil informar isso quando se pergunta “quem será o novo líder?” e nada se vê no horizonte. Pois é: no limiar do mundo novo é difícil crer que há mudança estrutural pelo caminho.

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Isso não significa que o novo horizonte será promissor – que fique bem claro! A Alemanha da hiperinflação dos anos 1920 produziu Adolf Hitler nos anos 1930 e todos sabem onde foi dar. Um exemplo apenas.

O fascínio de 2017 será esse: estamos muitos próximos de uma grande mudança. O vazio político, pós-1988 e, mais recentemente, do pacto lulante, é resultado da falência completa e total de um modelo bem longevo do país. A crise não é mais conjuntural. É estrutural. A derrocada tem sido longa e profunda e esse será o motivo para que a atual crise chegue ao seu ápice em 2017 ou, no máximo, em 2018.

A sociedade brasileira herda agora a dor que resulta de sua indiferença para com a política. Sejamos sinceros: enorme parte das elites (do empresariado à universidade) e do povo aceitou ou se aproveitou desse processo de derrocada de nosso país. Do “jeitinho brasileiro” magnificado pela mídia e, até mesmo, certos círculos de “intelectuais”, às tenebrosas transações brasilienses, o cultivo das mazelas históricas tornou-se incontrolável. O paciente pode morrer ou, ao menos, ficar aleijado por longo período.

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A hora, todavia, deve ser de esperança ativa em meio à lama transbordante. O Brasil não pode ficar estacionado. O ano que nasce será desenhado em função daquilo que os brasileiros responsáveis ou irresponsáveis querem fazer com o país. De cara é preciso alertar: não saímos dessa sem amor pelo Brasil. Não é algo piegas. É a verdade necessária diante do vertiginoso desamor a que se chegou para com o Brasil.

Nos próximos artigos irei provocar os nossos leitores com “portas de saídas” para a crise do Brasil. Debater e agir. É o que temos de fazer.

Estaremos juntos em 2017.