Histórias da Bolsa: o escabroso caso Laep e 6 lições para aprender com ele

As acusações feitas pela CVM contra a companhia assustam até gente que já viu muita coisa escabrosa no mercado financeiro

João Sandrini

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SÃO PAULO – A Laep (MILK33) é um dos piores investimentos de todos os tempos na Bovespa. Foram captados mais de R$ 1 bilhão no mercado de capitais brasileiro – e todo esse dinheiro já pode ter virado pó. A empresa teve a liquidação decretada pela Suprema Corte de Bermudas por não pagar dívidas, está sendo processada pela Comissão de Valores Mobiliários e pelo Ministério Público na Justiça Federal de São Paulo e, até o fechamento desta edição, estava com a negociação de seus papéis suspensa na BM&FBovespa.

O ex-controlador Marcus Elias e o ex-executivo Luiz Cezar Fernandes, fundador do banco Pactual (hoje BTG Pactual), são réus na ação movida pela CVM. Os bens da holding Laep e de Elias estão bloqueados por decisão judicial. Na ação civil pública, a CVM vê a “existência de fortes e convergentes elementos no sentido da ocorrência de uma gigantesca operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários” e acusa a empresa de lesão grave aos acionistas, suspeita de desvio de recursos e esvaziamento de patrimônio, entre outras irregularidades.

A Revista InfoMoney tentou conversar com a CVM, os advogados da Laep, Marcus Elias e Luiz Cezar Fernandes, mas ninguém quis se manifestar. Caberá à Justiça decidir quem está com a razão nos próximos anos. Quem investe em Bolsa, no entanto, já pode tirar uma série de lições do caso:

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1 – Cuidado redobrado com empresas com sede no exterior
A Laep tem sede em Bermudas, um notório paraíso fiscal. Ao abrir o capital na Bovespa, ao invés de ações, a empresa emitiu BDR (brazilian depositary receipts), que são recibos que comprovam a existência dessas ações em Bermudas. Os BDR foram criados com a finalidade de permitir que empresas estrangeiras possam captar dinheiro no mercado de capitais brasileiro. Não há nada de errado nisso. Inclusive muitas empresas brasileiras, como a Vale e a Petrobras, também já levantaram dinheiro nos Estados Unidos com a emissão de ADR (american depositary receipts). O que o investidor deve ter consciência é que, ao comprar BDR, ele estará aplicando sua poupança em uma empresa que não necessariamente estará sujeita às regras rígidas da Lei das S/A e poderá ficar menos protegido em questões polêmicas. Se por um lado a legislação que rege a competência da CVM garante à autarquia o poder de apurar e punir condutas fraudulentas no mercado sempre que seus efeitos ocasionem danos a pessoas residentes em território nacional, por outro é válido notar que algumas operações realizadas pela Laep simplesmente não teriam acontecido se a empresa tivesse sede no Brasil. Um bom exemplo são as mais de 200 operações de aumento de capital, com emissão de novas ações, realizadas pela empresa em cinco anos sem que os donos dos BDR tivessem direito de preferência na compra dos papéis. O estatuto da Laep até deixava claro o poder do controlador de emitir novas ações, mas o conselho de administração só poderia afastar o direito de preferência dos atuais acionistas “em situações excepcionais”. Ao transformar o que era uma hipótese excepcional em procedimento recorrente, a Laep cometeu um “flagrante abuso de direito”, segundo a CVM, e lesou milhares de investidores, que tiveram suas participações na empresa diluídas brutalmente. De certa forma, a CVM já aprimorou a legislação brasileira e tapou esse tipo de brecha. A instrução 480, editada em dezembro de 2009, estabelece que somente empresas com mais de 50% dos ativos no exterior possam emitir BDR. Ou seja, hoje uma companhia tão brasileira quanto a Laep não conseguiria realizar IPO na Bovespa com a mesma estrutura jurídica.

2 – Na hora de avaliar riscos, desça aos detalhes
A partir de uma análise superficial, a oferta inicial de ações (IPO) da Laep, realizada em outubro de 2007, poderia parecer muito interessante. A empresa controlava a marca Parmalat, uma das mais fortes no setor de lácteos. A promessa era formar um “campeão nacional” que consolidaria o mercado, obtendo poder de barganha e redução de custos para lucrar muito mesmo em um setor sabidamente de margens apertadas. O controlador Marcus Elias frequentava eventos da alta sociedade paulistana, era amigo de André Esteves, o maior acionista do BTG Pactual, e chegou a namorar a modelo inglesa Naomi Campbell. Um dos argumentos usados por ele para convencer os investidores a comprar ações da Laep era que o setor de leite ainda era arcaico e que, com um programa de melhoramento genético do gado brasileiro, seria possível aumentar muito a produtividade das vacas. À primeira vista, portanto, parecia uma ação para comprar sem pestanejar. Mas o diabo mora nos detalhes. Quem lesse com atenção o prospecto divulgado pela empresa ao mercado na época do IPO teria motivos para ficar com os dois pés atrás. No documento, a empresa dizia com todas as letras que aumentos de capital, distribuição de dividendos, direitos de retirada, direitos de preferência e eleições de membros do conselho de administração não seriam feito de acordo com as regras brasileiras. Era como se o filme de terror em que milhares de brasileiros depois passaram a protagonizar como vítimas já estivesse com seu roteiro escrito anos antes – e só quem não leu o prospecto não sabia que o mocinho poderia se dar mal no final. Desastre dado, não adianta chorar pelo leite derramado.

3 – Controlador tem superpoderes?
Pule fora Ao emitir R$ 508 milhões em ações no IPO, o capital da Laep passou a ser dividido em 127,7 milhões de ações classe A e 15 milhões de ações classe B, com diferentes direitos para cada tipo de papel. As ações classe B, todas detidas pela Laep Holdings e por Marcus Elias, garantem direito a voto em qualquer decisão relativa à empresa. Já as ações classe A, que dão lastro aos BDR vendidos no Brasil, possuem direito a voto somente em casos específicos. No prospecto elaborado para o IPO, a Laep já esclarecia que os detentores de ações classe A teriam uma influência limitada nas decisões da companhia e que eventuais conflitos de interesse poderiam causar a desvalorização desses papéis. Mesmo a execução de sentenças judiciais movidas por investidores brasileiros contra a Laep poderiam ter dificuldade em ser cumpridas porque a sede da empresa está em Bermudas. Ainda que essas cláusulas configurem, no entender da CVM, “nítido abuso de direito”, eram sinais claros que o investidor deveria pular fora.

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4 – Não seja o último a abandonar o barco
As ações da Laep estrearam na Bovespa com o preço ajustado de R$ 750 e, em um momento de euforia com o Brasil, chegaram a bater na máxima de R$ 820. Um ano depois da abertura de capital, entretanto, já valiam um quarto disso, e, ao final de 2011, menos de R$ 10. Apenas com as operações de aumento de capital, os acionistas foram diluídos em 96%. Isso significa que alguém que comprou 1% da Laep no IPO passou a deter apenas 0,04% da empresa com as seguidas emissões de novas ações. Como os papéis também se desvalorizaram ao longo do tempo, o acionista que comprou R$ 10.000 no IPO perdeu R$ 9.996 até setembro e teve os outros R$ 4 congelados pela decisão da Bovespa de suspender as negociações dos papéis. Como casos de reviravolta em empresas tão problemáticas como a Laep são raríssimos no mercado de capitais, teria feito muito mais sentido realizar o prejuízo lá atrás e limitar a dilapidação do patrimônio. Lembre-se que grandes investidores como Warren Buffett defendem a estratégia conhecida como “buy and hold”, mas eles só compram ativos de primeiríssima qualidade. Definitivamente esse não é o caso da Laep, que acumulou um prejuízo de quase R$ 1 bilhão entre 2009 e 2012. Com ações de alto risco, o melhor é estabelecer um limite máximo de perda tolerável, colocar uma ordem de “stop loss” no home broker, ser disciplinado e realizar o prejuízo para não afundar junto com um navio que está prestes a ir a pique.

5 – O fundo GEM entrou?
Saia Uma das operações mais ardilosas feitas pela Laep referem-se aos aumentos de capital com supostos ingressos de recursos pelo fundo especializado em mercados emergentes GEM. Em seu site, o fundo GEM informa que tem US$ 3,4 bilhões sob gestão, possui escritórios em Nova York, Londres e Paris e que realiza investimentos alternativos em 65 países. Em 2010, a Laep divulgou dois fatos relevantes em que comunicou que o fundo compraria um total de R$ 195 milhões em ações da empresa em aumentos de capital com o objetivo de reforçar seu caixa, financiar investimentos e permitir novas aquisições. Os fatos relevantes aumentaram a confiança de alguns investidores na Laep, uma vez que parecia que uma grande gestora de recursos estaria disposta a colocar milhões de reais na companhia. Só que a CVM descobriu que a Laep omitiu uma “informação de extrema relevância” nos fatos relevantes divulgados. Segundo a autarquia, o fundo GEM não colocava dinheiro novo na empresa. Ao invés disso, alugava ações da Laep que estavam em poder do controlador, os vendia em Bolsa derrubando as cotações, fazia caixa e depois os recomprava com o mesmo dinheiro, mas por um preço ainda menor no aumento de capital. Esses mesmos papéis comprados na oferta eram devolvidos ao controlador da companhia para zerar a operação de aluguel. Ao contrário do que foi anunciado pela Laep em fatos relevantes, o fundo GEM não só não colocou nenhum centavo na Laep, já que o dinheiro injetado nos aumentos de capital havia sido levantado dias antes coma venda dos papéis alugados, como ainda lucrou R$ 36,7 milhões com esses negócios. Na ação civil pública, a CVM afirma: “A companhia omitiu dolosamente estas informações do mercado, induzindo os investidores a pensar que haveria a entrada de um novo investidor disposto a aportar volume considerável de recursos próprios na companhia. (…) Em poucas palavras: o mercado, a CVM e os investidores foram enganados!” Segundo reportagem publicada pelo jornal Valor, o fundo GEM fez, posteriormente, operações semelhantes com ações de Teka, Tecnosolo e Agrenco. Como esse tipo de operação derruba o preço das ações e ainda dilui as participações dos minoritários, se uma empresa em que você investe divulgar que o fundo GEM se tornará acionista, é hora de vender os papéis o mais rápido possível. Procurado, o fundo GEM não quis comentar.

6 – Arbitragem tem risco
Em 3 de agosto de 2012, a Laep informou que solicitaria à CVM autorização para a realização de uma oferta pública para a recompra de todos os BDR em circulação na Bovespa pelo preço de R$ 0,517 por papel. Nos dias e meses seguintes, a cotação dos BDR se ajustou à possibilidade de um fechamento de capital e passou a um patamar pouco abaixo de R$ 0,517. Nesse período, muitos investidores compraram o papel em mercado por R$ 0,46 ou R$ 0,47 na expectativa de vendê-lo com um ganho de até 11% no momento da conclusão da OPA. Esse tipo de operação de arbitragem é muito comum no mercado financeiro e há até fundos que fazem apenas isso. Mas erra o investidor que acredita se tratar de uma operação de renda fixa. Quem tentou ganhar dinheiro com a OPA da Laep se deu mal porque a CVM rejeitou o pedido da companhia para realizar o fechamento de capital. Para a autarquia, a OPA seria contra o interesse dos acionistas minoritários, uma vez que, após levantar mais de R$ 1 bilhão em diversas operações no mercado brasileiro, a Laep gastaria só R$ 21 milhões para recomprar esses mesmos papéis. Como a empresa desistiu da OPA em setembro e logo depois teve a liquidação decretada, quem ainda mantinha os papéis à espera da OPA pode ter perdido todo o capital investido.