Varejo forte em março sugere que impacto da política restritiva do BC ainda está defasado, dizem analistas

Previsão dos economistas é que aperto nas condições de crédito e endividamento das famílias devem desacelerar vendas à frente

Roberto de Lira

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A alta mensal de 0,8% nas vendas do varejo em março, somada a outros resultados recentes de atividade – a produção industrial avançou 1,1% no mês e o volume do setor de serviços cresceu 0,9% ante fevereiro – sugere que os efeitos da política monetária restritiva imposta pelo Banco Central não apareceram com força no primeiro trimestre. Segundo analistas, o encarecimento do crédito, num ambiente de maior endividamento das famílias, deve desacelerar as vendas mais à frente.

Os economistas do Banco Original, Marco Caruso e Igor Cadilhac, destacam que a leitura ampliada das vendas varejistas – que engloba todos os setores, incluindo as atividades de veículos, motos, partes e peças, material de construção e os atacarejos – acelerou para uma alta 3,6% em março ante o mesmo mês do ano passado e que as vendas fecharam o primeiro trimestre com alta de 2,4%.

O principal motivo para o descolamento do dado em relação às projeções – o consenso Refinitiv estimava queda de 0,8% na leitura mensal – foi a estabilidade no segmento de hiper, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo, o grupo mais representativo no peso mensal da pesquisa. “Esperávamos que a abertura sentisse o impacto da inflação do período, mas isso não parece ter refletido nos números”, comentaram

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Com relação ao varejo ampliado, a principal contribuição veio por veículos, motocicletas, partes e peças, que avançou 3,7% em março. “Como era esperado pela análise dos indicadores coincidentes de alta frequência, o setor de transportes vem se recuperando da queda nos meses antecedentes”, afirmaram.

Caruso e Cadilhac observaram que, olhando à frente, apesar da surpresa positiva, a restrição e o encarecimento do crédito, em conjunto com o alto comprometimento de renda das famílias, devem seguir pesando nos itens de maior valor agregado. “Com os números de março, observamos todos os setores da atividade econômica no campo positivo. Com isso, projetamos um IBC-Br de 0,5% no mês”, estimaram.

Para Matheus Pizzani, economista da CM Capital, o crescimento do comércio acima da expectativa do mercado em março pode ser atribuído ao movimento de correção frente ao desempenho de fevereiro, quando o indicador não apresentou variação.

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Ele também citou que a inflação mais amena em março também teve papel importante no resultado, privilegiando o consumo de itens como alimentos e demais itens de despesas pessoais. “O reflexo na PMC pôde ser sentido pelo crescimento do segmento de hiper e supermercados, que teve alta apesar de seu grande grupo não apresentar variação, e dos artigos farmacêuticos”, explicou.

Pizzani também destacou que a divulgação de março ainda não trouxe sinalizações claras sobre o efeito da política monetária na economia, visto que apesar da retração do consumo de itens semiduráveis – como no caso do grupo de tecidos, vestuário e calçados – houve avanço no grupo de móveis e eletrodomésticos

“O que deixa margem para uma possível interpretação de que o nível de atividade tanto quantitativamente quanto qualitativamente ainda sustenta a atual posição do BC quanto aos juros”, analisou.

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Para os próximos períodos, a expectativa da CM Capital é que os efeitos do aperto monetário, traduzidos no aumento do desemprego e na queda da renda, acabem se sobressaindo em detrimento a possíveis benefícios gerados por surpresas positivas no campo da inflação, reforçando a perspectiva de desaceleração do setor de comércio ao longo de 2023.

Resiliência

Claudia Moreno, economista do C6 Bank, comentou que, apesar de o comércio vir mostrando uma resiliência maior neste começo do ano, isso não muda nossa visão de que o setor deve desacelerar à frente, impactado pelo efeito dos juros altos e pela desaceleração da economia global.

“A combinação desses fatores acaba inibindo o desempenho do varejo, principalmente dos segmentos sensíveis a crédito, que até agora vêm registrando desempenho positivo”, declarou.

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Para o mês de abril, a projeção preliminar do C6 Bank é que o varejo ampliado registre uma queda de 2,4% e que, ao longo do ano, continue andando de lado. “Com o resultado de hoje do comércio, nossa previsão de crescimento do PIB para 2023 é de 1,5%, agora com viés de alta”, estimou.

Relatório do Goldman Sachs assinado pelo economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do banco, afirma que o aumento da atividade de varejo em março não foi particularmente amplo, tendo sido impulsionado pelas vendas de equipamentos de escritório e TI e de produtos farmacêuticos.

O banco de investimentos continua a ver dois movimentos distintos que vão trazer impacto para as vendas varejistas nas próximas divulgações. Pelo lado positivo, a atividade varejista tende a se beneficiar de estímulos fiscais, da expansão da renda real do trabalho da redução da inflação e da robusta renda agrícola.

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No entanto, por outro lado, espera-se o enfraquecimento do impulso da reabertura econômica, condições monetárias e financeiras domésticas apertadas, altos níveis de endividamento das famílias, baixos níveis de ociosidade econômica, confiança fraca do consumidor e das empresas e uma reviravolta no ciclo de crédito.

Na análise do Santander Brasil, março mostrou números ainda positivos tanto para os segmentos de renda quanto para as atividades de crédito. O primeiro registrou variação de +1,2% na comparação com o mesmo mês do ano passado, enquanto o segundo teve alta de 0,3%.

“O índice amplo teve outro forte aumento e foi uma surpresa positiva, na esteira de um forte desempenho das vendas de veículos. Olhando para o futuro, esperamos que a atividade de varejo retorne a uma tendência de desempenho morno”, comentou o analista Gabriel Couto em relatório.

O Santander projeta um crescimento de 1,0% do PIB em 2023, com desaceleração significativa da demanda doméstica e da oferta cíclica, decorrente principalmente da esperada recessão global e da política rígida do BC. “Mas esperamos forte crescimento para produtos agrícolas não cíclicos, refletindo uma previsão de alta histórica para a safra de grãos.”

A leitura feita pelos analistas do Itaú, Natália Cotarelli e Matheus Felipe Fuck, é a mesma. Ele afirmaram em relatório que os números positivos das vendas do varejo no primeiro trimestre mostraram certa resiliência da atividade econômica no período.

“O mercado de trabalho mais forte do que o esperado e o estímulo fiscal apoiaram os gastos das famílias. Apesar disso, esperamos alguma desaceleração nas vendas básicas do varejo nos próximos meses em meio aos efeitos defasados ​​da política monetária.”