Sputnik V: Anvisa nega importação da vacina russa por estados brasileiros

Decisão nega pedidos de dez estados. Anvisa ressalta presença de adenovírus replicante e falta de informações em estudos clínicos

Mariana Fonseca

Sputnik V, vacina russa contra a Covid-19 (REUTERS/Agustin Marcarian)

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SÃO PAULO – A Sputnik V, vacina russa contra a Covid-19, teve pedidos de importação para o Brasil negados. Os requerimentos foram feitos com base na lei 14.124/2021 pelos estados Acre, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia e Sergipe. Estão com pedidos pendentes de avaliação os estados de Rondônia, Sergipe, Tocantins, Amapá e Pará, além dos municípios de Niterói (RJ) e Maricá (RJ).

A decisão foi tomada de forma unânime durante a 7ª Reunião Extraordinária Pública da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A reunião se dedicou a analisar “pedidos de autorização excepcional e temporária para importação e distribuição da vacina Sputnik V.”

Alex Campos, relator da decisão e um dos diretores da agência, ressaltou que tal autorização seria diferente dos pedidos de uso emergencial ou de registro definitivo das vacinas contra Covid-19. Novos pedidos sempre podem ser feitos diante de novos documentos e evidências, complementou o relator.

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Anvisa: área técnica pede explicações

A Sputnik V foi desenvolvida pelo laboratório russo Instituto Gamaleya e pelo Fundo de Investimentos Diretos da Rússia. A vacina foi aprovada em cerca de 50 países e está sendo aplicada em países como Argentina, México e a própria Rússia. Porém, a Anvisa destacou várias barreiras para a importação da Sputnik V.

Gustavo Santos, gerente-geral de medicamentos e produtos biológicos na Anvisa, não recomendou a importação do imunizante.

Santos ressaltou que a agência encontrou adenovírus replicantes na vacina russa. Os adenovírus fazem parte do método de vetor viral para criar vacinas, usado para a Sputnik V. O adenovírus carrega o material genético do coronavírus para dentro do nosso corpo, com o objetivo de ajudar o sistema imune do paciente a criar uma resposta imunológica mais poderosa. Mas esse adenovírus é modificado para não conseguir se reproduzir e, por isso, não é capaz de causar uma doença.

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A presença de adenovírus replicantes pode ter impacto na segurança da saúde humana, como acúmulo dos adenovírus em tecidos. Eventos de trombose estão sendo ligados a imunizantes que usam a tecnologia de vetor viral, exemplifica Santos. “O vírus que deve ser usado apenas para carregar o material genético do coronavírus para as células humanas se replica. Isso é uma não conformidade grave (…) Perguntas cruciais não foram respondidas.”

A presença dos vírus replicantes foi verificada em todos os lotes analisados pela Anvisa, diz Santos. Essa presença estaria em desacordo com o desenvolvimento de vacinas que usam a tecnologia de vetor viral e com o perfil de qualidade esperado pela agência. Ainda, não houve apresentação de justificativa para a existência dos vírus replicantes.

Quanto às apresentações de estudos clínicos sobre eficácia, segurança e imunogenicidade, o gerente-geral diz que “foram detectadas falhas e dados faltantes nos relatórios, que limitam as possibilidades de conclusão”.

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Santos afirma que não estão claras, por exemplo, a instrução dada aos pacientes para reportar efeitos adversos; a avaliação desses efeitos pela equipe médica; e a relação de causalidade entre o imunizante e efeitos adversos graves, como óbitos. A Sputnik V também não teria apresentado a análise de segurança por faixa etária, por comorbidade e para soropositivos. A falta de todas essas informações dificulta a elaboração da bula para a Sputnik V, afirma o gerente-geral.

A Anvisa também afirma que os dados sobre a eficácia da vacina são incertos, porque não houve padronização na avaliação dos pacientes (como quais primeiros sintomas seriam considerados, período de coleta e quais amostras seriam coletadas). Também não se apresentaram informações sobre persistência ou decaimento de anticorpos após 42 dias, o que avaliaria a imunogenicidade.

Mesmo se tais informações fossem apresentadas, a falta de padronização inviabilizaria a análise pela Anvisa. “Não se pode excluir a possibilidade de terem ocorridos casos que foram considerados negativos durante o estudo, quando, na verdade, poderiam ser positivos para Covid-19”, diz Santos.

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Em fevereiro deste ano, a Sputnik V divulgou eficácia global de 91,6% contra casos sintomáticos da Covid-19 na revista The Lancet. Na última semana, a vacina russa também divulgou eficácia de 97,6% em estudos no mundo real, com 3,8 milhões de russos. Para o gerente-geral da Anvisa, a avaliação sanitária é diferente da científica, porque pressupõe acesso aos dados brutos dos estudos. “Como ter confiabilidade nos dados se não conseguimos ter acesso, por exemplo, ao diagnóstico das pessoas que tiveram Covid-19?”.

A Sputnik V também não teria respondido quais foram os efeitos da mudança de fabricante, local e etapas de fabricação da substância ativa e do produto acabado. Em escala laboratorial, cinco litros de vacina são elaborados. Já na escala comercial/industrial, são mil litros de vacina. A Anvisa diz que não recebeu estudos que comparam a performance da vacina dos estudos clínicos com a vacina que seria enviada ao Brasil.

Ana Carolina Araújo, gerente-geral de inspeção e fiscalização sanitária da Anvisa, também não recomendou a importação do imunizante. A área realizou inspeções em fábricas russas para a Sputnik V, como as plantas voltadas a insumos Generium e UfaVITA. Já a inspeção no Instituto Gamaleya, que fabrica as doses prontas, não foi permitida pelo governo russo. Ana afirmou que “o risco inerente a fabricação não é possível de ser superado” tanto para os insumos fabricados quanto para os produtos acabados em ampola de cinco doses ou de dose única.

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Suzie Marie Gomes, gerente-geral de monitoramento de produtos sujeitos à vigilância sanitária da Anvisa, foi na mesma linha de Santos e Ana e não recomendou a importação. “A ausência de dados as falhas detectadas (…) não permitem garantir que o produto, objeto do pedido de importação, é seguro para a população brasileira.”

Demanda de governadores, retirada da campanha federal

O interesse pela Sputnik V vem principalmente de governadores estaduais, que protocolaram o pedido que foi analisado pela Anvisa nesta segunda-feira (26). Segundo a Agência Brasil, os pedidos dos governadores somam 66 milhões de doses.

O Supremo Tribunal Federal (STF) colocou um prazo de 30 dias a partir de 29 de março para a Anvisa analisar a importação do imunizante pelo Maranhão, que pediu aval para importar 4,5 milhões de doses da Sputnik V. O prazo do STF venceria em 28 de abril, após uma prorrogação ter sido negada pelo ministro Ricardo Lewandowski. Isso motivou a reunião da Anvisa desta segunda-feira (26), que optou pela resposta negativa à importação.

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Já o Ministério da Saúde assinou um contrato para aquisição de 10 milhões de doses. Há ainda um acordo entre o Instituto Gamaleya e o laboratório brasileiro União Química para transferência de tecnologia entre os centros de pesquisa e para produção e distribuição da Sputnik V pelo laboratório brasileiro no futuro.

Mas o governo federal se antecipou aos problemas na aprovação da Sputnik V. No último sábado (24), o Ministério da Saúde tirou as doses russas do seu cronograma de entregas. A pasta ressaltou que o imunizante aguardava aprovação regulatória.

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Mariana Fonseca

Subeditora do InfoMoney, escreve e edita matérias sobre empreendedorismo, gestão e inovação. Coapresentadora do podcast e dos vídeos da marca Do Zero Ao Topo.