Podemos esperar uma guinada na China?

Comitê central do Partido Comunista chinês se reúne neste semana para desenhar rumos para a economia

Roberto de Lira

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O Politburo do Partido Comunista da China se reúne nesta semana, entre os dias 28 e 30, em um encontro que será utilizado, entre outros temas, para avaliar o desempenho econômico do país nos primeiros seis meses de 2023 e ditar rumos para a segunda metade do ano.

Algumas decisões podem apontar qual caminho a segunda maior economia do planeta pode seguir nos anos à frente, que terão um contexto geopolítico de muita competição com as potências do Ocidente.

O que os estrategistas globais de investimentos e os especialistas em China mais têm feito nos últimos meses é projetar que tipo e qual a dimensão de estímulos poderiam ser dados para acelerar a atividade econômica, que custa a engrenar desde que foram retiradas as restrições impostas pela pandemia de covid-19 na virada do ano.

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A opinião majoritária é que será difícil para o regime comandado por Xi Jinping dar uma guinada em sua linha de atuação e apontar uma “bazuca” financeira de apoio similar à que foi feita após a quebra do Lehmann Brothers em 2008.

Mas também não se espera que a mão forte do Estado continue a comprimir em demasia o setor imobiliário e as empresas privadas, especialmente as “big techs”, como foi feito entre 2020 e 2022.

Marcos Caramuru, conselheiro internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e ex-embaixador do Brasil na China, lembra que encontros como o desta semana são mais marcados por algum direcionamento em linhas de ação do que pelo anúncio de medidas, que são tomadas ao longo do tempo. Mas pondera que o reconhecimento dos problemas atuais existe.

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“Eles têm um dilema neste momento e ele tem a ver, primeiro, com algum esgotamento do modelo de crescimento baseado em investimento, sobretudo em infraestrutura, e muito no setor imobiliário. A segunda coisa é voltar a despertar a confiança e acho que essa redução da confiança tem algo a ver com a vertente ideológica do governo”, comenta.

Setor privado desconfiado

Os dados do PIB divulgados na semana passada dão uma fotografia de que a aposta quase exclusiva no investimento estatal cobrou seu preço. A economia cresceu apenas 0,8% no segundo trimestre ante o trimestre anterior, vindo de uma alta de 2,2% nos primeiros três meses do ano. E, enquanto os investimentos estatais aumentaram perto de 7,5%, os do setor privado caíram 0,6% no período.

Caramuru afirma que isso é natural na empresas privadas. “Quando eles sentem que a vertente ideológica está mais aguçada, o setor privado se retrai. Isso sempre foi assim. Mas agora de uma forma mais visível.”

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Roberto Dumas Damas, economista e professor de pós-graduação do Insper e da FIA, acredita que a China atingiu o momento que toda economia madura enfrenta, quando os retornos dos investimentos passam a ser cada vez mais decrescentes. Em resumo, os investimentos geram cada vez menos crescimento do PIB. Assim, não faz sentido reduzir a capacidade do setor privado de aportar recursos, impondo exageradas regras de regulação.

Damas explica que, como a China já está perdendo o bônus demográfico – as pessoas estão gerando menos filhos por opção e não mais por orientação do partido – e como esse retorno decrescente do capital investido exigiria aportes maiores por parte do Estado, o motor de crescimento que resta é elevar a produtividade, o que joga a luz sobre o setor privado.

“Quem é mais produtivo são as empresas privadas. Só que o governo de Xi Jinping fez um ‘crackdown’ (repressão) nas empresas privadas, como a Tencent, ByteDance (dona do TikTok), Meituan e Alibaba”  (uma das mais ativas concorrentes no varejo brasileiro), lembra, acrescentando que o setor responde por 60% a 70% da inovação na China. Para ele, a política do X Jinping de estimular mais ainda as empresas estatais está prejudicando justamente as empresas que poderiam ter mais produtividade.

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Caramuru concorda, mas lembra que já está acontecendo uma flexibilização nesse aperto às “big techs”. “Agora, eles estão tentado fazer o oposto. Estão chamando as empresas de tecnologia para conversar porque precisam delas para garantir uma operação saudável no mercado e precisam que elas invistam em tecnologia. E o que estão prometendo de volta é deixá-las trabalhar, em primeiro lugar”, destaca.

Também estão caminhando para um ambiente regulatório razoável, completa o ex-embaixador, no qual não apareçam “surpresas”. “Eles se deram conta de que as medidas que adotaram anteriormente tiveram impacto muito negativo sobre o comportamento dessas empresas. E que precisa delas para voltar a crescer”, explica. Até mesmo a aproximação do empresariado com as instâncias políticas tem sido cada vez mais incentivada, completa.

De fato, ao divulgar na semana passada um documento com diretrizes para o estímulo à atividade econômica, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma deu especial atenção ao setor privado e ao empreendedorismo.

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“A economia privada tornou-se um elemento intrínseco do sistema econômico da China e uma força significativa no desenvolvimento econômico sustentável e saudável”, disse um funcionário durante uma coletiva de imprensa.

Ele destacou, por exemplo, que 50,9% dos negócios estrangeiros chineses foram conduzidos por empresas privadas em 2022 e que isso será essencial para promover a modernização chinesa e  trará uma base indispensável para o desenvolvimento de alta qualidade da economia.

Investimento no exterior

O que tem se visto atualmente é muito investimento direto chinês mundo afora, diz Caramuru. “O que é reflexo, primeiro, da ideia de que a China pode ser vítima de uma má vontade global e que é melhor diversificar os investimentos mesmo. Ou também pode ser que, se a confiança é baixa internamente, é melhor investir fora. Porque consegue se aproveitar de economias onde o nível de confiança é mais elevado”, argumenta.

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Damas lembra que Xi Jinping já anunciou diversas vezes que o objetivo dele é ganhar a batalha geopolítica no aspecto da produtividade e da inovação tecnológica. E que isso é um dos  motivos para os Estados Unidos e a Europa lançarem mão de medidas protecionistas, como a proibição de exportações de peças-chave para a montagem de semicondutores que possam levar a China a um novo patamar de Inteligência Artificial.

O contexto atual é que outros países estão em busca de novas soluções para depender cada vez menos dos produtos chineses, conta o ex-embaixador Caramuru. É a chamada política “de-risking”, lançada por Jake Sullivan, conselheiro de Segurança Nacional do EUA, para reduzir a dependência extrema de certos itens chineses, o que ficou bastante claro durante e depois da pandemia de covid-19.

Setor imobiliário

Sobre que tipo de estímulo ou direcionamento pode ser dado a partir da reunião desta semana, há uma convergência de que não se devem esperar grandes movimentos. O principal motivo é que uma das causas dos atuais problemas chineses no campo macroeconômico foi o pacote de estímulo de cerca de US$ 139 bilhões praticado durante a crise financeira iniciada em 2008.

Uma das consequências foi que a inflação chinesa disparou, com os preços das casas acelerando a ponto de causar uma bolha imobiliária entre 2014 e 2015, que acabou por estourar e levar a perdas estimadas em cerca de US$ 5 trilhões na bolsa local.

Foi isso que motivou a política de desalavancagem do setor imobiliário, a implantação por Pequim do sistema das “três linhas vermelhas” para limitar a proporção do endividamento e aumentar a vigilância sobre os financiamentos.

Damas lembra que uma das  “red lines” determina que o caixa das incorporadoras não pode ser menor do que a dívida líquida de curto prazo. Daí, incorporadoras como a Evergrande começaram a vender ativos a um preço mais baixo para tentar se adequar. “Isso causou uma queda, desinflou a bolha de ativos de ‘real state’. Era isso que ele (Xi Jinping) queria: desinflar a bolha, porque achava que estava com muita especulação. Só que o ‘real state’ responde por 30% do PIB da China”, explica.

Este, portanto, é dos atuais dilemas do governo chinês, pois voltar atrás e dar novo impulso ao setor imobiliário pode cobrar um preço de credibilidade do regime, uma vez que seria uma guinada de 180 graus em relação ao que tem sido feito, diz o professor do Insper.

Urbanização

Caramuru vê como uma das saídas possíveis que o governo passe a dar algum tipo de apoio adicional ao setor imobiliário nas cidades de nível (‘tier’) 2 e 3, aquelas que possuem um adensamento populacional inferior ao dos grandes centros como Pequim e Xangai e que ainda têm espaço para a urbanização.

“Acho que o que eles vão fazer basicamente é antecipar as cotas de emissão dos ‘special purpose bonds’, que são usados pelos governos locais para investimentos em infraestrutura. É um bônus cuja receita tem que ser usada em projetos de boa qualidade, com rentabilidade que pague a dívida contraída pelos governos locais. Não é para manter a máquina pública”, explica.

Ainda que existam projeções de que a China precisa de um choque no consumo, adotando medidas de estímulo à economia que não sejam pelo lado do investimento, mas da demanda, Caramuru lembra que essa não é a prática comum da China.

“Vai sempre pelo lado da oferta. Não é tradição deles e não acredito que vá acontecer. Se viabilizar mais recursos na mão das famílias, elas vão poupar mais. Não vão necessariamente transformar os recursos adicionais em demanda, em consumo”, explica o ex-embaixador.

Damas concorda em que a solução pode vir desse processo de urbanização das zonas rurais (não agrárias), onde vivem 40% da população chinesa. A divisão da população é tão extrema que a população dessas áreas precisa de um passaporte (“houkou”) para se deslocar até os grandes centros.

O economista acredita que integrar essa parcela do povo chinês aos sistemas de assistência social, de saúde e previdenciária do governo pode iniciar uma tendência de melhora da confiança interna dos consumidores.

A conclusão dos especialistas é, portanto, que a China deve manter a linha econômica nos próximos anos com alguma flexibilização regulatória. Muito por conta do reconhecimento de que a conjuntura macroeconômica global mudou.