PIB dos EUA frustra e país entra em recessão técnica: “pouso suave” da economia ou mais motivos de preocupação?

Reação do mercado foi relativamente tranquila com sinais reforçados de que Fed tenha que subir menos os juros, mas inflação segue preocupando

Lara Rizério

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Os Estados Unidos, antes do que o esperado, entraram na chamada recessão técnica no segundo trimestre de 2022 – ou seja, quando o dado de atividade cai dois trimestres seguidos.

De acordo com dados oficiais, o PIB registrou queda de 0,9% no segundo trimestre de 2022 na comparação com os primeiros três meses do ano e em termos anualizados, enquanto a expectativa do consenso de economistas de mercado, segundo consenso Refinitiv, era de uma alta de 0,5%.

O dado abaixo foi puxado especialmente pelas quedas em investimento, tanto privado quanto do governo. “O enfraquecimento do setor imobiliário no país (um dos mais importantes para a economia americana) reflete esse cenário, sinalizando queda no número de construções e vendas de imóveis, diante do alto preço e do encarecimento de financiamentos”, ressalta Rachel de Sá, chefe de economia da Rico Investimentos.

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Outro destaque foi a perda de fôlego no consumo das famílias, que vinha sendo um dos principais motores do crescimento pós pandemia. Diante da alta de preços de bens e serviços, especialmente alimentos e combustíveis, muitas famílias começam a reduzir o consumo, preocupadas com a queda no nível de suas poupanças.

Contudo, apesar do dado pior do que o esperado, a reação dos mercados financeiros foi, passado o susto com o indicador, relativamente positiva. Os principais índices da Bolsa americana passaram a operar em alta, ante um início de dia de queda para os contratos no mercado futuro.

Cabe ressaltar que, na véspera, os mercados americanos (e também a Bolsa brasileira), fecharam em forte alta com as sinalizações mais “dovish” (brandas, sinalizando um aperto monetário menor) do Federal Reserve sobre uma desaceleração do ritmo de alta dos juros nos EUA, na sequência de uma nova elevação das taxas básicas em 0,75 ponto percentual, para o intervalo entre 2,25% e 2,5% ao ano.

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O comunicado emitido pelo Fed trouxe poucas novidades. A inflação continua elevada, refletindo os desequilíbrios entre oferta e demanda e agravados pelo conflito na Ucrânia, mas os sinais vieram da fala de Jerome Powell, presidente da instituição, em coletiva após a reunião.

Powell reafirmou o compromisso de controlar a inflação, e classificou os últimos reajustes de 0,75 ponto de “incomumente altos” – apesar de não descartá-los. Também disse que “poderia ser apropriado” moderar o ritmo, a depender dos indicadores.

O dado do PIB acabou por reforçar essa visão de um ritmo mais lento de alta de juros, ao mesmo tempo que mostra que a recessão pode não ser tão intensa quanto muitos analistas de mercado ainda temem. O cenário de soft landing, ou de pouso suave da economia dos EUA, pode ganhar força.

“A leitura de hoje apenas adiciona combustível ao fogo em que estamos ou entrando em recessão”, disse à CNBC Mike Loewengart, diretor administrativo de estratégia de investimento da E-Trade. “Embora certamente esteja no lado negativo das estimativas, lembre-se de que uma queda de 1% é relativamente pequena e apoia a ideia de que qualquer ambiente recessivo será leve.”

Rachel de Sá também reforça que, apesar da queda do PIB e do cenário de recessão técnica, não espera que a economia americana entre um período de forte contração e crise – como o vivido, por exemplo, nos anos que seguiram a quebra do banco de investimento Lehman Brothers em 2008 e da eclosão da bolha financeiro-imobiliária no país.

“Primeiro, porque o mercado de trabalho segue robusto, com o desemprego no país em nível historicamente baixo após a forte queda na pandemia. Ou seja, os americanos seguem em sua grande maioria com uma fonte de renda fruto do trabalho, e níveis de poupança ainda próximos ao patamar histórico – apesar da queda substancial nos últimos meses, impulsionada pela alta dos preços”, avalia.

Raone Costa, economista-chefe da Alphatree Capital, destaca que, apesar de abaixo, o resultado não foi tão ruim, uma vez que foi em linha com as informações de alta frequência apresentadas pelo Fed de Atlanta para a atividade e que são atualizados de forma bem mais constante ( o chamado “GDP Now”).

“Quando esse dado virou para negativo foi quando começou a maior parte dessa discussão sobre recessão técnica e o PIB veio praticamente em linha com esse número. (…) O que realmente contribuiu para baixo [na queda do PIB dos EUA] foi a parte de estoques e investimentos residenciais, que foi mais fraco do que o esperado, mas não por muito”, destaca.

Costa ressalta que a economia dos EUA entrou na chamada recessão técnica, mas uma definição mais robusta de recessão é de uma queda disseminada e prolongada da atividade. “Ainda que tenha dois trimestres consecutivos de queda, ela não está disseminada, o mercado de trabalho segue bem forte, com consumo crescendo, ainda que a taxa menores”, conclui.

Já Rodrigo Natali, estrategista-chefe da Inv, demonstra maior pessimismo, apontando que o consumo e o emprego estão “segurando” a economia, mas o consumo já está desacelerando constantemente, assim como a poupança. Enquanto isso, a inflação segue alta. Assim, apesar da interpretação de que os juros possam subir menos por conta da desaceleração econômica, os dados de preços seguem ou em linha ou surpreendendo o mercado para cima, o que exige maiores taxas.

O índice de preços de gastos com consumo (Headline PCE) divulgado junto com o PIB avançou 7,1%, ficando estável em relação ao trimestre imediatamente anterior. Este resultado decorreu da combinação das altas de 10,2% nos preços dos bens e de 5,4% nos preços dos serviços. Por sua vez, o núcleo que exclui preços de alimentação e energia avançou 4,4%, ante 5,2% no primeiro trimestre de 2022.

A Genial avalia que a leitura do PIB americano para o trimestre aponta para uma contração da demanda interna, mesmo diante de um mercado de trabalho que segue dando sinais de forte descasamento entre oferta e demanda por mão de obra.

“Nossa avaliação é que o elevado nível inflacionário e a piora das condições financeiras, que refletem o ciclo de aperto monetário mais rápido desde 1980 e do resultado negativo das bolsas americanas em 2022, vêm pesando sobre a decisão de consumo e investimento doméstico. Este resultado corrobora com a nossa avaliação que a economia americana deva entrar em recessão para combater o elevado nível de preços, que pode ser agravada por choques negativos decorrentes da crise na Europa e pela política de tolerância zero Covid na China”, avaliam os economistas da casa.

Francisco Nobre, economista da XP, avalia que a composição da equação de crescimento veio pior do que o esperado, com fundamentos de consumo e investimentos mais fracos, refletindo condições financeiras mais apertadas.

O enfraquecimento do consumo privado é consistente com as expectativas da casa de que o Fed irá desacelerar o ritmo de aperto a partir de agora. A expectativa é de uma alta nos juros de 0,5 ponto em setembro, seguida por uma alta final de 0,25 ponto em novembro. “Além disso, vemos corte nos juros pelo Fed no quarto trimestre de 2023 devido à desinflação material e taxas de crescimento econômico substancialmente mais baixas no próximo ano”, aponta.

A próxima recessão provavelmente será moderada, avalia o economista, dado o estado muito positivo e persistente do mercado de trabalho, níveis de poupança privada ainda consideráveis ​​o suficiente e a probabilidade de que as próximas tendências de desinflação de bens e commodities ajudem a sustentar o poder de compra real. “Continuamos esperando que a economia dos EUA cresça 1,6% em 2022 e 1,5% em 2023”, conclui.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.