Para cumprir ‘última milha’ da inflação, BC deve reduzir cortes em junho, diz estudo

Relatório da Kínitro Capital analisou a a evolução recente da inflação de serviços e concluiu que desvios de projeções vieram de itens não influenciados pelo ciclo econômico, como os serviços bancários

Roberto de Lira

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O Banco Central do Brasil deve cortar a taxa Selic em 50 pontos-base em próxima reunião, marcada para 7 e 8 de maio, mas deve optar por desacelerar do ritmo de cortes a partir de junho, levando a taxa Selic ao final do ano para um patamar ainda restritivo, ao redor de 9,0%. A projeção está num estudo especial da Kínitro Capital que o InfoMoney obteve com exclusividade, no qual é avaliado o desempenho recente da inflação de serviços no país e suas implicações para a política econômica.

O estudo destaca que, após a saída dos choques de oferta que elevaram a inflação, o Brasil está agora em um segundo estágio, a chamada “última milha”, momento em que deveria ocorrer a desaceleração nos preços dos subitens mais sensíveis ao ciclo econômico.

No entanto, o Comitê de Política Monetária (Copom) tem mostrado maior preocupação com os possíveis efeitos da ampliação dos ganhos reais e da aceleração no crescimento da massa salarial sobre a dinâmica da inflação de serviços.

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“Desde o final de 2023, houve uma elevação mais acentuada desses subitens no IPCA, ampliando os debates em torno da continuidade do processo nessa ‘última milha’”, diz o texto.

Assim, a gestora independente buscou no estudo analisar a evolução recente da inflação de serviços, a partir de diferentes desagregações, na tentativa de verificar se esse movimento ocorreu por fatores pontuais ou se deveu a itens mais recorrentes, sensíveis à ociosidade da economia e à inercia inflacionária.

“Nossa avaliação é que grande parte dos desvios das projeções, ou o ‘susto’ desse início de ano, veio de subitens que não são influenciados pelo ciclo econômico, sendo o exemplo mais notável os serviços bancários”, diz o texto da Kínitro, ponderando que isso não reduz a importância do dinamismo do mercado de trabalho sobre a perspectiva de uma possível desaceleração mais gradual dos preços dos serviços.

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Serviços subjacentes

O estudo mostra que, entre novembro de 2023 e fevereiro de 2024, os serviços subjacentes acumularam uma alta de 2,00 pontos percentuais. Os destaques nesse período foram a variação da alimentação fora de casa (0,44%), os serviços bancários (0,39%) e o aluguel (0,26%).

Exceto no caso dos serviços bancários, os outros subitens são considerados ‘pesos-pesados’, representando juntos 45% do total dos serviços subjacentes.

Para contornar esse aspecto, foi utilizada a média móvel de três meses anualizada e dessazonalizada dos serviços subjacentes em fevereiro com o nível que eles estavam rodando em novembro passado. Embora a concentração em serviços bancários tenha permanecido, os ‘pesos-pesados’ diminuíram sua participação e deram lugar seguro voluntário de veículos e o conserto de automóvel.

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“Cabe destacar os seguros de veículos que vinham de importante deflação e apresentaram uma rápida recomposição nos últimos meses, provavelmente reflexo da efetivação de reajustes anuais.”

Ao analisar a inflação de serviços sob as óticas da ociosidade e da inércia, usando uma classificação do BC, ficou evidente para a gestora o descolamento tanto dos serviços bancários como o dos serviços laboratoriais. No memo período de novembro a fevereiro, os serviços laboratoriais subiram de 4,3% para 6,4% na média móvel de três meses dessazonalizada e anualizada. Já os serviços bancários, saltaram de 7,3% para 14,7% na mesma métrica.

No grupo dos “inerciais”, por sua vez, não foram observados movimentos expressivos, exceto em cinema, teatro e concertos, que foi impactado por um evento pontual de promoção de descontos temporários nos ingressos.

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Assim, a análise feita seguindo a classificação do BC “reforça a visão de que grande parte da surpresa com a alta recente dos serviços parece estar mais associada à fatores não recorrentes, que não são sensíveis à ociosidade da economia e à inércia inflacionária”, conclui a Kínitro.

Políticas monetária e fiscal

O estudo defende que o BC deve seguir revisando para cima o seu hiato do produto [diferença entre o produto observado de uma economia (PIB) e a estimativa do produto potencial, dividida pelo produto potencial], que ainda está negativo.

“Com um mercado de trabalho mais apertado, reajustes salariais acima da meta de inflação e sem ganhos de produtividade, aumentaram as chances de um atraso na convergência da inflação para o centro da meta”, diz o texto.

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A análise não considerou possíveis recomposições favoráveis nos preços relativos ou uma dinâmica mais benigna das commodities, “elementos que poderiam acelerar o processo de convergência”.

Para Kínitro, portanto, a leitura do cenário atual é condizente com as projeções para a taxa Selic ao final desse ciclo ainda em patamar restritivo. “A grande incógnita em relação a esse processo é se vamos observar uma moderação da atividade econômica mais à frente e se ela será aceita pelo governo”, diz o estudo, destacando que a busca de um ritmo de crescimento em marcha forçada tenderia a trazer consequências negativas para o cenário.

“Nosso cenário base segue contemplando a manutenção do arcabouço fiscal, ainda que ocorram moderações nas metas ao longo desse ano. O mais preocupante seria uma mudança de direção na dinâmica proposta pelo governo para o resultado primário, o que não está sendo considerado.”