Nova política industrial: será que o dinheiro vai para o lugar certo?

Sem garantias, nem restrições, temor é que recursos do programa sejam direcionados mais uma vez a grandes grupos econômicos e a projetos já em andamento

Roberto de Lira

Sede do BNDES, no Centro do Rio de Janeiro

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A política industrial batizada de “Nova Indústria Brasil”, anunciada na última segunda-feira (22) pelo governo, chegou carregada de dúvidas, incertezas e suspeitas se não poderia representar uma reedição do programas anteriores que levaram a uma intensa deterioração da contas públicas. O programa prevê R$ 300 bilhões disponíveis para financiamento até 2026, por meio do BNDES.

Para economistas, além dos temores de que o risco parafiscal retorne, o que está em jogo é a eficácia da medidas no sentido de promover a “neoindustrialização” pretendida.

Segundo o documento oficial, o plano é baseado em seis “missões”, com foco em iniciativas de transformação digital e energética e programas sustentáveis em setores como agroindústria, complexo da saúde, infraestrutura, saneamento, moradia, mobilidade e tecnologia de interesse para a soberania e a defesa nacionais.

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A forte participação do BNDES no programa trouxe a lembrança de um passado recente, quando o banco público recebia aportes volumosos do Tesouro e apostava na criação dos chamados “campeões nacionais”, um tipo de política industrial considerada ultrapassada e custosa.

O próprio governo sentiu que essa memória poderia fortalecer a imagem de irresponsabilidade nos gastos e colocou interlocutores para garantir que não há risco fiscal embutido e que o BNDES não vai reiniciar o modelo de compra de participações em grandes grupos industriais.

O economista Nilson Teixeira escreveu em sua conta da rede X (antigo Twitter) que é compreensível que o governo queira estimular o crescimento da economia com o novo plano, mas considerou estranho não se ver os ministros do Planejamento e da Fazenda capitaneando o processo.

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Pontos falhos

Para ele, um dos problemas da proposta é que ela não é acompanhada de métricas para os investimento ou subsídios, nem de métodos de avaliação. “Um dos erros é a falta de restrições para o uso dos subsídios, entre as quais as que imponham que sejam fontes apenas para novas iniciativas. A história ensina que os novos recursos terminam como alternativas às fontes existentes ou próprias e não para novas pesquisas”, alerta.

E a história é conhecida. O próprio BNDES já revelou que, entre 2008 e 2014, o Tesouro Nacional emprestou R$ 440,8 bilhões ao banco de fomento.

Embora o banco tenha informado que os recursos foram utilizados para a concessão de financiamentos para mais de 400 mil empresas, assim como para estados e municípios, de forma direta ou indireta, 65% do montante na época foi destinado para apenas 30 grupos empresariais.

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Teixeira citou exatamente a falta de algum tipo de restrição sobre quem pode tomar os novos financiamentos subsidiados pelo BNDES como um dos pontos falhos. “A história ensina que maioria dos recursos são direcionados para as maiores empresas, que não precisam desses subsídios”, destaca.

Diversificação produtiva

A Carta do FGV/Ibre de janeiro, assinada pelo diretor Luiz Guilherme Schymura, retrata um debate interno sobre política industrial que teve as presenças de Samuel Pessoa e Bráulio Borges.

Citando a literatura mais recente sobre o tema, os economistas destacaram que é importante ter a capacidade de diagnosticar cedo uma experiência que deu errado, e parar de gastar recursos públicos com ela.

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“Naturalmente, é preciso também um ambiente socioinstitucional e político em que se consiga interromper políticas públicas setoriais que, por definição, beneficiam algum grupo em particular”, escreve Schymura, citando Pessoa.

Ainda segundo o texto, Pessoa defende que as políticas industriais brasileiras optem preferencialmente por apoio a setores alinhados às vantagens comparativas, como no caso do conjunto de políticas voltadas ao desenvolvimento do agronegócio, com destaque para o papel da Embrapa.

Nos casos mais raros em que se tenta política industrial à revelia das vantagens comparativas, como o sucesso da Embraer, deve-se focar em recortes muito cuidadosos, como na especialização de algumas etapas e de um segmento específico, como aviões médios de linhas regionais, e fortemente voltados ao mercado externo.

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Na Carta, Borges argumenta que a política industrial é uma ferramenta útil para tentar promover a diversificação produtiva, particularmente para um país vulnerável à “maldição dos recursos naturais” como o Brasil.

O grande desafio, segundo ele, é que os ganhos da intervenção setorial superem os custos, do ponto de vista do bem-estar da sociedade. “Trata-se também de um balanço delicado entre as falhas de mercado e as falhas de governo ao tentar consertar as primeiras.