Motim do líder do grupo Wagner na Rússia mostra Vladimir Putin enfraquecido, dizem especialistas

Grupo militar privado atua em vários países da África e do Oriente Médio como braço não oficial da geopolítica russa

Roberto de Lira

Cena de destruição na Ucrânia, invadida pelos russos em 2022  (Foto: ANSA)
Cena de destruição na Ucrânia, invadida pelos russos em 2022 (Foto: ANSA)

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A fracassada insurreição que o líder do grupo paramilitar Wagner praticou neste final de semana terminou tão rapidamente como começou e sem maiores resultados no campo militar, dado que não houve conflitos com as forças militares russas, mas expuseram as fragilidade do regime de Wladimir Putin e podem colocar em xeque o poder conquistado pela da Rússia tanto na região da Eurásia como no continente africano, segundo análise de especialistas internacionais.

O Soufan Center, uma organização não-governamental especializada em pesquisas e análises obre política externa e segurança global, publicou um estudo mostrando que o Wagner é hoje mais do que um exército privado, rendo se tornado um grupo com receita bilionária com atuação especialmente no Oriente Médio e África e com ambições de expansão para a Américas do Sul e Central.

O grupo mercenário é também a mais forte ferramenta usada pelo Kremlin para promover os interesses geopolíticos de Vladimir Putin, dando ao líder russo ainda a oportunidade de negação de envolvimento direto em várias áreas de conflito.

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Segundo o Soufan, o grupo apareceu em toda a África como uma extensão da política externa e da influência de Moscou, aumentando os objetivos do Kremlin no continente em sua tentativa de deslocar a influência ocidental na região.

O Wagner tem sido associado a campanhas de desinformação para desacreditar organismos de contraterrorismo ocidentais e outros órgão multilaterais, como as Nações Unidas. Para isso, utiliza suas ramificações no mundo online, fazendo uso de hackers.

Formado como uma empresa militar privada em 2014 sob a liderança de Yevgeny Prigozhin, o Wagner esteve envolvido na invasão da península da Crimeia no mesmo ano e se notabilizou por oferecer suporte a regimes instáveis como o do ditador sírio Bashar al-Assad em sua luta contra a expansão do Estado Islâmico no país.

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“O Wagner representa um problema de várias maneiras: enquanto suas forças são convidadas a estabilizar estados frágeis, suas ações levam ativamente a mais instabilidade, criando mais oportunidades e um maior sinal de demanda por seus serviços”, diz o estudo do Soufan.

O grupo também se envolveu em conflitos na República Centro-Africana, na Mali, Líbia e Moçambique, entre outros. Além de vender seus serviços de “segurança”, o Wagner obtém recursos por meio de concessões de exploração de petróleo e extração de minérios em várias dessas áreas. Há denúncia de que também faz contrabando de antiguidades vindas dessas regiões.

Seu envolvimento militar mais notório foi na guerra da Ucrânia. A conquista pelos russo da região de Bakhmut é atribuída à atuação das tropas do Wagner, ao custo estimado de 30 mil vidas de soldados nas batalhas. O grupo também é acusado de promover ou participar de vários massacres contra vivos no conflito, muitas das denúncias feitas por desertores.

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Prigozhin sempre foi um crítico feroz dos comandantes militares russos durante o conflito na Ucrânia, mas o episódio do final de semana foi a primeira vez em que oficialmente ficou contra o próprio Putin. Supostamente exilado na Bielo-Rússia após o malfadado motim, o líder do exército mercenário se tornou um enorme problema para Putin, segundo análise do Atlantic Council Eurasia Center.

“Se Prigozhin não pagar um alto preço por sua rebelião, isso colocará o regime de Putin em sério perigo. Isso ocorre porque a mudança política chega à Rússia quando três fatores estão presentes: uma elite dividida, um público insatisfeito e ausência de medo. Se o medo for removido da equação, o regime estará em perigo”, avaliou Brian Whitmore, professor da Universidade Texas-Arlington e membro sênior do Atlantic Council.

O professor destaca que a rebelião ilustrou os perigos da “política externa de capital de risco” de Putin, que terceiriza tarefas-chave para atores do setor privado fora da cadeia normal de comando. “O sistema russo não se baseia em instituições, mas em redes informais de patronagem com Putin como árbitro final. Quando Putin é forte, essa abordagem funciona, até certo ponto. Mas quando Putin está enfraquecido, pode sair do controle”, escreveu.

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Para Doug Klain, também membro Atlantic Council, o regime de Putin pode ter sobrevivido ao desafio de Prigozhin, mas quase todos os aspectos desse episódio indicam que o sistema russo está mais frágil do que nunca. “Tudo isso ocorreu porque a Rússia está tendo um desempenho desastroso em sua guerra. E o principal esforço da Ucrânia na contraofensiva ainda está por vir”, disse.