Ligeira alta da indústria em junho se concentra no setor extrativo e não alivia estagnação, dizem analistas

Manufatura caiu no mês, com os bens intermediários e os bens de capital ainda ficando no campo negativo no acumulado em 12 meses

Roberto de Lira

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A ligeira surpresa positiva com o desempenho da produção industrial em junho – que teve alta de 0,1% na comparação mensal, ante projeção de queda de 0,1% – se concentrou no bom momento do setor extrativo e em atividades favorecidas por efeitos sazonais, segundo analistas. Ou seja, o resultado não alivia o momento de estagnação do setor, que caminha para fechar 2023 com crescimento fraco ou até mesmo retração.

Para o economista Matheus Pizzani, da CM Capital, apesar do avanço do indicador do IBGE na margem, a composição qualitativa do resultado reforça a perspectiva negativa para o setor em 2023. “A começar pela análise do resultado sob a ótica das grandes categorias econômicas, onde apenas o grupo de bens de consumo semiduráveis e não duráveis apresentou avanço, enquanto duráveis, intermediários e bens de capital recuaram de maneira expressiva”, comentou.

Ele destacou ainda que os bens intermediários e os bens de capital se encontram no campo negativo no acumulado em 12 meses, o que reforça o mau momento enfrentado pela indústria local.

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Segundo Pizzani, a gravidade do momento fica ainda mais evidente quando são abertos os resultados por setores. “Neste caso, é possível ver que o crescimento do período foi graças a fatores sazonais, visto que a troca de estação e o subsequente aumento da demanda por vestuário foi responsável por alavancar o resultado do segmento de confecção de artigos de vestiário e acessórios”, explicou

Ele disse ainda que o mesmo comportamento pode ser percebido no vetor internacional, cujo impacto pode ser medido a partir do crescimento de segmentos como a indústria extrativa e os setores de borracha, papel e celulose e produtos de metal, todos expostos ao mercado internacional e passíveis de variações significativas ao longo dos meses.

Pizzani disse ainda que havia uma expectativa em relação ao possível impacto das medidas de incentivo ao setor automobilístico implementadas pelo governo durante o mês, mas que isso não se traduziu em melhora na produção de acordo com os dados. A produção de veículos automotores sofreu queda de 4%.

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“O que significa que o volume de recursos destinado ao programa acabou tendo como finalidade a redução dos estoques das montadoras no curto prazo, sem desdobramentos positivos para o nível de crescimento”, comentou.

Segundo o economista da CM Capital  a perspectiva para a indústria se mantem negativa para o restante do ano. “Passado o impacto dos efeitos sazonais de meio de ano e com a tendência de desaceleração de crescimento global se confirmando, a ausência de vetores domésticos de crescimento deve fazer com que a indústria doméstica feche o ano com crescimento pífio, ou até mesmo recessão, mais uma vez”, analisou.

Marco Caruso e Igor Cadilhac, economistas da PicPay, destacaram em sua análise que a indústria extrativa se expandiu 2,9% no mês, enquanto a indústria de transformação contraiu 0,2% no período. “Com esse dado, a indústria se encontra 1,4% abaixo do nível pré-pandemia”, comentaram.

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Eles citaram ainda que, em junho prevaleceu a disseminação de taxas negativas com sete das 25 atividades da indústria registrando queda na comparação com o mês anterior. E somente uma das quatro grandes categorias econômicas se expandindo. “Sob ótica das categorias, os bens de capital reverteram e recuaram 1,2%. Analisando estes dados em conjunto com os insumos típicos para a construção civil (-0,2%), percebemos que o desempenho da proxy do PIB de investimentos piorou na ponta”, observaram.

Para 2023, os economistas da PicPay projetam uma alta de apenas 0,2% da produção industrial brasileira. Entre as preocupações que colocam um viés de baixa, segundo eles, estão a economia global com menor crescimento, especialmente pela carência de demanda da China, o que não favorece as exportações brasileiras.

Também foram citados os juros altos e o forte comprometimento de renda das famílias, que  são ruins para consumo de bens de maior valor agregado e dependentes de crédito. “Do outro lado, o governo tem promovido políticas de estímulos à atividade econômica, que podem incentivar a indústria”, disseram.

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Claudia Moreno, economista do C6 Bank, também destacou o desempenho da indústria extrativa, que cresceu 2,9% no mês, mas alertou que, apesar da tendência de alta nos últimos meses, trata-se de um componente bastante volátil que pode voltar a cair à frente.

“Por dentro do indicador, bens de consumo duráveis caíram 4,6% e bens de capital, que vêm desacelerando desde o ano passado, encolheram 1,2% em junho. Este segmento é sensível a crédito e sente mais fortemente o impacto dos juros elevados que inibem os investimentos em aumento de capacidade instalada como máquinas”, comentou.

A economista do C6 Bank lembrou que, de modo geral, o volume da produção da indústria brasileira segue estagnado desde meados de 2021. “ Na nossa visão, a indústria deve seguir em ritmo fraco até o final do ano. Os juros em patamar elevados, a queda no preço das commodities e a desaceleração global continuam pressionando o setor.”

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A previsão do C6 Bank para o crescimento do PIB para 2023 é de 2,5%, mas para 2024 é esperado um crescimento menor da economia de 1%.

Bens duráveis em queda

João Savignon, head de pesquisa macroeconômica da Kínitro Capital, comentou que, como esperado, os bens de consumo duráveis apresentaram queda relevante em junho, dada a elevada produção de veículos no mês anterior como uma antecipação ao programa de estímulo do governo para a compra de veículos.

Para ele, a conjuntura econômica seguirá desafiadora no ano, especialmente no que diz respeito à perspectiva de menor fôlego da demanda por bens e com a manutenção dos juros elevados, que gera maior custo do crédito e endividamento. “No entanto, ao apresentar crescimento no segundo trimestre, a indústria reforça nossa perspectiva de crescimento do PIB no período e nossa projeção de crescimento no ano acima do consenso de mercado.”

Rodolfo Margato, economista da XP, por sua vez, classificou a abertura dos dados da produção industrial de junho como “desanimadora”. “O crescimento acima do esperado da indústria extrativa explica grande parte da diferença entre nossa estimativa e o resultado efetivo da indústria geral”, comentou, ao destacar que se trata de um setor menos sensível ao ciclo econômico.

Já a produção de bens de capital, que segue em trajetória de queda (-4,8% na comparação trimestral), reflete condições de crédito mais apertadas e o elevado endividamento corporativo, disse Margato. Ele destacou o subgrupo de ‘Máquinas, Aparelhos e Materiais Elétricos’, que despencou cerca de 8% no último semestre.

“Esses resultados são consistentes com nossa projeção de queda de 2% para a Formação Bruta de Capital Fixo em 2023. Além disso, a categoria de bens de consumo semiduráveis e não duráveis tem desempenho abaixo do esperado nos últimos meses, principalmente devido aos fracos resultados em as atividades de Produtos Farmacêuticos e Alimentos”, afirmou.

A XP Investimentos prevê que a indústria brasileira como um todo crescerá 0,8% em 2023. O XP Tracker para o crescimento do PIB no 2º trimestre aponta para +0,3% na comparação o trimestre anterior e +2,6% ante o mesmo trimestre do ano passado.

A estimativa para o crescimento do PIB da indústria ficou em +0,2% na leitura trimestral e +0,7% na anula. “Esperamos que o PIB brasileiro cresça 2,2% em 2023”, disse Margato.

Já a avaliação do Bradesco é que, apesar da alta modesta no mês, com suporte do segmento extrativo, a indústria segue com baixo dinamismo desde o pós-pandemia, tendência que deve ser mantida no restante do ano. “O cenário é compatível com uma alta de 2,1% do PIB neste ano, com importante contribuição do setor agrícola e maior resiliência do setor de serviços, enquanto a indústria segue relativamente estável.”