IPCA espelha Black Friday e tem menor pressão em alimentos, mas analistas alertam para serviços

Promoções no mês puxaram para baixo preços de duráveis e não-duráveis, mas serviços adjacentes desaceleram com menos força

Roberto de Lira

Fonte: Shutterstock
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A desaceleração do IPCA observada em novembro, com variação mensal de 0,41% ante 0,59% em outubro, teve forte impacto das promoções de itens duráveis e não duráveis abrangidos pela Black Friday e de uma surpresa positiva no grupo de Alimentos em domicílio. Mas analistas destacam que boa parte desse comportamento tende a ser revertido e que os preços dos serviços adjacentes ainda exigem mais atenção.

Carla Argenta, economista chefe da CM Capital, destaca que os preços dos bens duráveis, grupo que carrega itens como televisores, computadores, eletrodomésticos e até linha branca – naturalmente envolvidos na promoção da Black Friday – mostraram deflação bastante expressiva no mês, de 1,42%. Outro grupo importante, de não-duráveis, em especial itens de higiene pessoal, apontou deflação de 0,98% em novembro.

No entanto, ela destaca que esses movimentos foram pontuais e tendem a ser revertidos. “A expectativa é que, no próximo mês, apensar de termos um impacto mais expressivo de combustíveis automotivos por conta da redução dos preços pela Petrobrás, os núcleos continuam ruins”.

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Em novembro, ela cita que vários serviços adjacentes, como energia elétrica e itens de comunicação já estão no terreno positivo, após impacto deflacionário causado pelas medidas legislativas de redução de impostos.

Mirella Hirakawa, economista da AZ Quest, comenta, que além do impacto dos preços menores de produtos industrializados abrangidos pelas promoções mensais, a alimentação no domicílio também surpreendeu. “Esperávamos uma alta de 1% na margem e o observado foi de 0,58%”, comparou, destacando a composição mais benigna de itens de ciclo mais longo (como aves e leites), o que traz informação de tendência dentro do grupo.

No entanto, ela observa que o Banco Central está mais atento nos preços dos Serviços, uma vez que os preços dos alimentos são mais voláteis.

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O dado de novembro não muda, por enquanto as projeções da AZ Quest, de inflação de 5,90% para este ano e de 4,9% para 2023. Mas isso pode mudar por um efeito rebote de impostos, uma vez que não ficou claro se o novo governo manterá ou não as reduções de tributos.

Rafael Cardos economista chefe do Daycoval Asset, também faz a ressalva de que algumas dessas surpresas positivas do mês devem ser revertidas. “A gente vai ter uma normalização desses itens, mas o núcleo de serviços ainda não veio tão baixo”, alerta.

Ele diz que mantém a projeção de que o BC só vai iniciar seus cortes de juros em agosto, mas que isso está mais dependentes de outras questões, em especial a fiscal, do que da inflação.

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Gustavo Sung, economista chefe da Suno Research, diz que o IPCA de novembro mostra que o cenário inflacionário segue em arrefecimento e benigno para o Banco Central. “Com as expectativas de inflação ainda ancoradas e efeitos cumulativos do ciclo de alta dos juros a serem sentidas de forma significante nos próximos meses, a política monetária do BC segue adequada.

Caio de Castro, sócio da GT Capital, diz que o combustível voltou a ser o maior fator de pressão na inflação, revertendo uma queda de 1,27% no mês de outubro para uma alta de 3,29% em novembro. “Na minha visão, além de aumento nos preços recentes, a retirada gradativa da redução nos impostos também pesa no preço final. Além disso, temos fatores internacionais impactando muito o preço do petróleo e devemos lembrar que nos patamares atuais o preço está nas mínimas do ano”, afirma.

Ele acredita que, para 2023, o preço internacional possa voltar aos arredores de US$ 100 o barril. Por isso, é cada vez mais importante uma política fiscal interna eficaz, para não prejudicar ainda mais o câmbio e consecutivamente o preço nas bombas.

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Luca Mercadante, economista da Rio Bravo, aponta que os dados do IPCA surpreenderam positivamente, apresentando alta mais baixa do que aquilo que era previsto.

“Vale destacar alguns grupos. Alimentação e artigos de residência vieram abaixo do esperado e aliviaram a leitura do índice. O índice de difusão também marcou um alívio importante em novembro. Ainda preocupa, entretanto, a inflação de serviços subjacentes, que segue elevada, e ainda não corresponde a meta do BC. Núcleos, por outro lado apresentaram melhora, entretanto ainda é difícil dizer se a melhora é consistente”, aponta o economista.

Núcleos

A analisar as medidas do núcleo do IPCA divulgado hoje, a economista para Brasil do BNP Paribas, Laíz Carvalho, diz que há um arrefecimento, comportamento que vem sendo observado nos últimos três meses. “A média anual também caindo, mas o mercado está de olho nos serviços subjacentes. E a gente viu subindo um pouco. Veio 0,50% comparado com 0,32% do IPCA de outubro”, compara.

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Ela disse que esse comportamento no mês foi puxado por preços de aluguéis e de atendimento, que estão mais altos, embora na comparação anual esse valor esteja caindo. “É um alerta porque é bastante olhado pelo BC. Não deve mudar o que BC vai fazer nas próximas reuniões, mas é importante a gente acompanhar”, alerta.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, também diz que os dados ligados à Black Friday carregam uma boa sinalização de os problemas da cadeia de produção oriundos da pandemia estão ficando para trás.

Mas ele vê uma inflação de serviços com desaceleração ainda moderada. “Quando a gente faz a comparação da média dessazonalizada de três meses, vê um ritmo mais forte, mas novembro continua desacelerando, num ritmo menor”, diz.

Eduardo Vilarim, economista do Banco Original, analisa que o IPCA veio com um quadro inflacionário apresentando melhoras qualitativas, mas que ainda existem dúvidas acerca do espaço para cortes de juros pelo BC.

“Até o novo governo apresentar a nova regra fiscal, o BC deve ignorar essa desinflação no curto prazo pois existe a possibilidade de ter caráter passageiro, se a regra expandir a flexibilização incerta dos gastos além do considerado saudável para as contas públicas. Pela PEC de Transição, o governo teria até junho de 2023 para sugerir alterações ou substituir o teto, logo, um corte da Selic deveria acontecer a partir do 2º semestre”, prevê.

Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset, vê uma perspectiva de desaceleração no IPCA, com projeção de fechamento no ano um pouco abaixo dos 6%. “Vemos uma desaceleração em serviços, que devem se acomodar em um patamar mais baixo”, prevê. Ele acredita que os preços administrados devem cair mais forte e que os preços livres ainda estarão mais altos, porém abaixo dos picos atingidos ao longo do ano.

Mas ele também alerta para o risco no médio prazo de que os pacotes fiscais em discussão no Congresso possam trazer uma pressão na demanda.