Habilidade para negociar com o Congresso pode ser o perfil desejado por Lula para a Economia

Analistas veem maior chance de petista escolher ministro com trânsito político; pedido de 'waiver' pode acontecer ainda neste ano

Roberto de Lira

(Alexandre Schneider/Getty Images)

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Quem vai comandar a economia do Brasil ou, pelo menos, qual será o perfil da equipe na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, que se inicia em janeiro? Como encaixar todas as promessas de campanha com a exigência de responsabilidade fiscal que tem imperado não só no Brasil, mas em outros mercados de importância global? Qual a relação será estabelecida com o Congresso Nacional, de viés mais conservador, que saiu das urnas no início de outubro? Especialistas e casas de investimentos estão nesse momento em busca de sinais que respondam alguma parcela dessas perguntas.

Na noite de domingo (30) – ainda no calor pós apuração dos votos, que terminou com uma vitória de Lula ante o presidente Jair Bolsonaro pela menor diferença desde o retorno das eleições diretas para a Presidência no Brasil (50,90% ante 49,10% dos votos válidos) – O Credit Suisse fez uma call com Lucas Aragão, sócio da Arko Advice, que previu uma chance de 60% de Lula nomear um político como próximo ministro da Fazenda, 35% de possibilidade de indicar um economista e 5% de apontar um integrante próximo do PT.

A Genial Investimentos também comentou em relatório na manhã desta segunda-feira que existem três possibilidades para essa escolha. A primeira, e mais otimista, seria o presidente se valer dos apoios de economistas ortodoxos que recebeu ao longo da campanha e nomear um deles como ministro da Economia (ou da pasta que vai substituir a atual, uma vez que é possível desmembramento e recriação de ministérios).

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“O sinal seria que a política econômica iria se basear na busca de crescimento econômico e redução da desigualdade, mas dentro de parâmetros definidos pelo equilíbrio fiscal e da estabilidade econômica. A reação dos investidores seria extremamente positiva”, afirmou o relatório da Genial.

A segunda e mais provável das alternativas seria nomear um membro do PT com experiência no setor público, como um ex-governador do nordeste, por exemplo, como ocorreu no primeiro mandato do Presidente Lula, em 2003. “Neste caso, nossa avaliação é que a reação dos investidores seria neutra. Esperar para ver”, analisou a casa de investimentos.

Finalmente, a terceira possibilidade seria nomear para o Ministério um economista com perfil “desenvolvimentista”, como os que ocuparam o Ministério da Fazenda do governo Dilma Rousseff, indicando uma volta ao passado na política econômica. “A reação dos investidores seria extremamente negativa.”

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Tudo depende, segundo a Genial, de o presidente eleito ser capaz de entender o recado das urnas que, para conseguir governar, será preciso dividir o poder com os aliados eleitorais.

Relação com o Congresso

Definido o ministro e sua equipe, virá um outro desafio, de negociar apoios e alianças no Congresso nacional, afirma o Goldman Sachs em relatório. “O presidente eleito Lula estará lidando com uma das legislaturas mais autônomas e independentes em décadas e os partidos centristas provavelmente estabelecerão alguns limites políticos”, previu o banco de investimentos.

Para o Goldman Sachs, um congresso dominado pela centro-direita provavelmente limitará, por exemplo, o escopo para aumentos de impostos ou expansão muito grande de compromissos de gastos permanentes não financiados. “Mas também é provável que mostre um apetite limitado por grandes reformas. Portanto, a gestão da coalizão será fundamental para o próximo presidente, em particular porque uma ampla base multipartidária de apoio político no Congresso pode acabar se tornando instável ou não confiável”, comentou.

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Em evento patrocinado pelo Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) nesta manhã, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro IBRE, também comentou que Lula terá uma lista de tarefas que demandará muito trabalho junto ao Congresso a partir do ano que vem. “Com as eleições deste ano, a formação da casa legislativa está mais conservadora, o que poderá significar mais resistência a propostas do Executivo, mas não necessariamente mais aderentes a reformas liberais”, disse.

“Congressos conservadores não necessariamente são mais reformistas, assim como a aprovação de gastos ineficientes nos últimos anos teve apoio tanto da direita quanto da esquerda, como mostra estudo do cientista político Marcos Mendes. Dos dois lados houve apoio para políticas equivocadas. Daí a necessidade de um Executivo forte”, afirmou Silvia Matos.

Para a XP, o primeiro desafio nessa relação com o Congresso serão discussões para conseguir cumprir a promessa de manutenção do Auxílio Brasil nos níveis atuais (de R$ 600) a partir de 2023, mesmo sem haver espaço orçamentário para isso. “Integrantes da campanha trabalham com a negociação de um ‘waiver’ (licença temporária para gastar) com o Congresso ainda em 2022”, diz relatório divulgado nesta segunda-feira.

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“O ‘waiver’ precisará ser negociado em conjunto com a apresentação de um novo arcabouço fiscal que reforme o teto de gastos – este sim a ser discutido a partir da nova legislatura. O desenho dessas novas regras, no entanto, não está definido e dependerá da equipe econômica escolhida, o que não deve ser anunciado em prazo tão curto”, lembrou a XP.

O relatório diz que Lula já deu sinais de que pretende ter um time que contemple perfis diferentes a partir da divisão do Ministério da Economia em três pastas – Fazenda, Planejamento e Indústria –, e a necessidade de concessões no segundo turno diante de um resultado mais apertado que o esperado fez o entorno do petista analisar, de forma mais pragmática, a necessidade de compor essa área com nomes que ajudem a ancorar expectativas no mercado.

A continuidade ampla da política macroeconômica continua sendo a expectativa da Fitch Ratings. O motivo é que ambos os candidatos buscaram atrair eleitores centristas durante suas campanhas, com Lula selecionando um companheiro de chapa centrista (o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin) e moderando a agenda econômica articulada pelo Partido dos Trabalhadores.

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Os ganhos dos partidos conservadores nas eleições parlamentares de outubro também podem colocar um freio no programa econômico de esquerda. Desempenho fiscal e econômico melhor do que o esperado em 2021-2022, combinado com nossa expectativa de ampla continuidade da política, independentemente do resultado das eleições, levou em julho à revisão da perspectiva do rating soberano ‘BB-‘ do Brasil para Estável de Negativo, comentou em nota a agência de classificação de risco.

“Mudanças na estrutura da política monetária parecem improváveis ​​depois que o governo Bolsonaro tornou formalmente o Banco Central do Brasil independente. Está entre os bancos centrais mais proativos no aperto da política monetária para combater a inflação, que agora está em declínio”, comentoi a Fitch.

Henrique Meirelles

Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda na gestão de Michel Temer e ex-presidente do Banco central nos governos Lula, escreveu em artigo publicado hoje no jornal O Estado de S. Paulo que, neste momento, não é possível voltar atrás num Auxílio de R$ 600. “O Brasil pode fazer isso se deixar claro que usará 2023 para colocar as coisas no lugar, com o claro compromisso de retomar a âncora fiscal em 2024”, esclareceu. Importante lembrar que Meirelles é um dos nomes cogitados para comandar a economia e o preferido de boa parte do mercado.

Sobre reformas, Meirelles afirmou que Administrativa é essencial para corrigir distorções e abrir espaço para investir na área social e em infraestrutura. “A Reforma Tributária precisa ser retomada, com o substitutivo proposto pelos Estados. Ao descomplicar este setor, o Brasil superará um obstáculo histórico e atrairá investimentos”, afirmou.

Se experiência em negociar com os parlamentares é um critério de escolha, como avaliam os especialistas, o ex-ministro apresentou no artigo suas credenciais. Ele disse saber o quanto é difícil fazer reformas, uma vez que negociou a reforma da Previdência, que foi deixada pronta na gestão Temer e aprovada em 2019, já sob o comando de Bolsonaro. “É um trabalho duríssimo, exaustivo. Mas tem de ser feito.”