Ha Joon Chang: Trump enfraquece combate global às mudanças climáticas, diz economista

Um dos economistas mais proeminentes da atualidade critica falta de apoio dos países ricos à transição energética nas nações em desenvolvimento

Mitchel Diniz

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O sul-coreano Ha Joon Chang é considerado um dos economistas mais proeminentes da atualidade. Autor do best-seller “Chutando a Escada: A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica”, ele é um crítico contumaz dos obstáculos que países ricos impõem ao desenvolvimento das nações mais pobres.

Essa foi a tônica de seus discursos durante sua mais recente passagem pelo Brasil, onde participou de painéis do G20 Social, evento que antecedeu a Cúpula de Líderes das maiores economias do mundo, e conversou com o InfoMoney.

“Infelizmente, as decisões mais importantes ainda são tomadas pelos mesmos países que alcançaram o patamar de maior poder ao final da Segunda Guerra Mundial (…) É a lógica do ‘um dólar, um voto’ e não ‘um país, um voto’ (…) O mundo desenvolvido se tornou muito mais importante do que costumava ser”, afirmou.

O economista Ha Joon Chang (Crédito: Divulgação)

Há cerca de dois anos e meio, o professor, que reside na Inglaterra, trocou Cambridge pela Universidade de Londres, onde é co-diretor do Centro de Transformações Estruturais Sustentáveis (CSST, na sigla em inglês).

“O foco é discutir como os países em desenvolvimento podem implementar políticas que permitam transformar suas economias para lidar com a crise ecológica”, diz. Segundo Chang, a transição energética precisa contemplar mudanças na estrutura econômica e social desses países.

Ele acredita que o Brasil pode servir como exemplo de como adotar ações rápidas e de larga escala contra as mudanças climáticas antes que o mundo chegue a um ponto sem retorno.

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Chang observa que o país passou por um processo precoce de desindustrialização, que ainda pode ser revertido, para evitar que a dependência de commodities gere impactos ainda mais profundos. “A indústria não precisa voltar a representar 35% do PIB, como foi na década de 1980. O problema é que essa participação tem dificuldade em chegar a 10%. A dependência de commodities aumentou, e isso impacta o desmatamento e a redução da biodiversidade”, afirma.

Risco de retrocessos

Para o professor, a ascensão do que ele classifica como governos de extrema direita é uma grande preocupação, visto que muitos desses líderes, quando não negam, minimizam a crise ecológica e se recusam a agir.

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“Com a eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos, as ações sobre mudanças climáticas serão muito mais reduzidas. Por isso, sim, estou bastante preocupado. Por outro lado, temos países como Brasil e China, que estão fazendo bastante para mudar essa situação”, diz Chang.

“Trump afirma que vai parar de importar carros elétricos da China. Os países têm o direito de estabelecer suas políticas de comércio exterior. O protecionismo pode fortalecer a indústria interna. Mas teria Trump um plano para promover carros elétricos e baterias nos Estados Unidos?”, pergunta o economista.

Chang reconhece que líderes como Trump foram eleitos democraticamente, com o apoio do eleitorado nos países onde governam. No entanto, acredita que, mais cedo ou mais tarde, a população vai despertar para a crise ecológica, especialmente com o aumento da frequência de eventos extremos, citando enchentes no Rio Grande do Sul e, mais recentemente, em Valência, na Espanha. “A temperatura do mundo está aumentando a cada ano e novos eventos extremos ocorrerão. Espero que ao menos parte do público geral mude sua opinião sobre o tema e comece a pressionar os governantes.”

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Ha Joon Chang em painel do G20 Social (Crédito: Divulgação)

Público x privado

Chang vê uma maior participação do capital privado na transição para uma economia sustentável, mesmo que os projetos relacionados a mudanças climáticas tenham retornos de longo prazo e sejam mais arriscados. “Se o clima e a ecologia colapsarem, tudo o que foi investido até agora será inútil. Por isso, o setor privado está fazendo mais, mas ainda não é o suficiente. E, no que diz respeito a tocar esses projetos em países em desenvolvimento, os investidores simplesmente não estão interessados.”

Contudo, mais do que investimentos privados, Chang enfatiza a importância de investimentos públicos e critica as nações desenvolvidas. “Os países ricos vivem dizendo que estão ajudando as nações em desenvolvimento a fazer a transição climática. Mas a quantidade de dinheiro que injetam é uma piada”, afirma.

“Oferecer US$ 10 bilhões para um projeto de transição energética pode parecer muito, mas a economia mundial vale US$ 100 trilhões, então esse valor não chega a 0,1% disso”, explica. “Além disso, a maioria desse financiamento é via empréstimos comerciais, com juros altíssimos”. A conta, segundo Chang, é injusta, pois os países em desenvolvimento são os que menos contribuem para as mudanças climáticas, mas são os que mais sofrem com seus efeitos.

Mitchel Diniz

Repórter de Mercados