Fed trouxe comunicado mais duro, mas analistas ainda acreditam que ciclo de alta vai até maio

Comunicado pós decisão do Fomc tentou calibrar expectativas do mercado, mas falas de Powell foram pouco enfáticas sobre próximos passos

Roberto de Lira

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Os analistas consideraram o comunicado do Federal Reserve após a decisão de reduzir o ritmo de alta dos juros para 25 pontos-base como mais duro (“hawkish”) sobre a probabilidade de novas elevações na taxa de juros, dando a entender que o ciclo permanecerá além do previsto pelo mercados. Mas algumas expressões usadas pelo presidente do Fed, Jerome Powell, em sua entrevista coletiva mudaram um pouco essa visão e mantiveram dúvidas  sobre os próximos passos do Banco Central

“O Powell escorregou”, afirmou Marco Caruso, economista chefe do Banco Original. Ao comentar uma pergunta sobre as reuniões futuras, Powell usou a expressão “couple”, dando a entender que o Fed se daria por satisfeito com altas iguais nas reuniões de março e maio. Isso fortalece um visão cada vez mais frequente no mercado de que o ciclo não adentará o segundo semestre do ano.

Caruso também destacou que Powell não conseguiu ser enfático de que a taxa final do ciclo seria superior ou não a 5%. O mercado, segundo ele, que estava buscando algum tipo de sinalização de que eles poderiam parar antes o ciclo de alta, escutou essa hesitação em ser mais duro, como estava no comunicado, e fortaleceu que o ciclo pode se encerrar em maio.

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Antes da coletiva de Powell, Caruso apontou para o trecho do comunicado em que o comitê comentou que vai “considerar extensão dos aumentos futuros”. “Ele (o Fed) reduziu o passo para 0,25 ponto, mas não interessa ao Fed que o mercado fiquei tentando antecipar quando vai parar e, principalmente, quando ele poderia voltar a cortar (os juros)”, comentou. Portanto, esse trecho seria uma preparação para se discutir o ritmo dos próximos aumentos.

Tanto o comunicado como as primeiras respostas de Powell na entrevista coletiva pós-decisão tentaram direcionar a visão de que uma pausa se aproximava para outro lado. “A inflação diminuiu um pouco, mas continua elevada”, diz o comunicado. “O Comitê antecipa que os aumentos em curso na faixa da meta serão apropriados para atingir uma postura de política monetária suficientemente restritiva para retornar a inflação para 2% ao longo do tempo”, continuou.

Em suas falas iniciais, Powell foi ainda mais claro. “Os integrantes do Fomc ainda não enxergam um momento de pausa” e “ainda não tomamos uma decisão sobre a taxa terminal”, foram duas das declarações mais fortes nesse sentido. Mas o discurso foi sendo amenizado durante o encontro com jornalistas.

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Andressa Durão, economista da ASA Investments, concordou que Powell migrou seu discurso para uma posição mais “dovish”. “Ao comentar sobre as comentar sobre condições financeiras, ele mostrou estra completamente dependente de dados. Como os dados de inflação e de atividade estão mais fracos, o mercado acredita que o Fed vai fazer menos do que estava nos ‘dots’ de dezembro”, comentou.

Domando as expectativas

Para Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos, o recado do Fed foi bem claro. “Está sendo bem indicado que ainda vai ter uma alta em 22 de março e, provavelmente, uma outra de 25 pontos em 3 de maio”, analisou.

Para ele, após uma alta bem forte das bolsas americanas no começo do ano e dos mercados como um todo no mundo, é um momento adequado para o BC dar essa sinalização. Com essa “gordura” no mercado de renda variável, o Fed viu um bom momento para ajustar as expectativas.

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“De qualquer maneira, não vai ser aquele efeito negativo da metade do ano passado, quando as expectativas estavam dois pontos abaixo do que o Fed esperava. Estamos falando de 0,25, no máximo de 0,5. É um ajuste fino”, comparou.

Para Francisco Nobre, economistas da XP, quando o Fed fala que “aumentos em curso na faixa da meta serão apropriados”, é uma declaração dura, que não sugere nenhuma intenção da autoridade monetária de interromper em breve o ciclo de aperto. Outro ponto destacado é que a declaração também sugeriu que os aumentos futuros serão de 25 bps e não mais de 50 bps.

Nobre disse que as autoridades do Fed têm mantido um tom “irracionalmente agressivo”, após a inflação permanecer significativamente acima da meta –  a inflação principal e o núcleo estão em 6,5% e 5,7%, respectivamente – e sua avaliação de que os riscos ainda estão inclinados para cima.

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No entanto, ele afirmou que os diretores parecem estar ignorando as impressões recentes do CPI que sugerem melhorias significativas nas pressões inflacionárias. “Em uma base de retorno anualizada com ajuste sazonal de três meses, a inflação plena e o núcleo da inflação caíram para 1,83% em dezembro, enquanto o núcleo da inflação caiu para 3,14%, sugerindo que a dinâmica inflacionária mais recente está atualmente muito mais próxima da meta de 2%”, calculou.

Para o economista, se essa dinâmica continuar, o processo de desinflação será significativo nos próximos meses, e a inflação se aproximará da meta em meados de 2023.

“A boa notícia é que os mercados não parecem estar comprando a última sinalização ‘hawkish’, e os mercados estão precificando que o Fed aumentará uma última vez em 25 bps na reunião de março (84% de chance).”

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Segundo ele, a percepção da XP é de que o Fed encerrará o ciclo de aperto com o limite superior das taxas de juros em, no máximo, 5,0%. “Apesar de o Fed provavelmente manter um tom relativamente ‘hawkish’ hoje, acreditamos que, se os próximos dados de inflação continuarem chegando como recentemente, e o crescimento do emprego começar a abrandar, as autoridades devem reconhecer que a política monetária já está em um nível significativamente restritivo, forçando uma pausa no ciclo de aperto”, estimou.

Dúvidas

Para o BTG pactual, o comunicado de hoje foi potencialmente “hawkish’, mas pairavam dúvidas sobre a capacidade de se conseguir alterar as expectativas do mercado só com essa comunicação. Por isso, a coletiva de Powell foi importante.

Numa análise feita antes de o presidente do Fed terminar de falar, o banco defendia que Powell deveria ser mais vocal sobre o desconforto com os cortes precificados na curva de juros.

O analista Rodrigo Cohen, co-fundador da Escola de Investimentos, afirmou que o aumento do emprego tem sido forte nos últimos meses nos EUA e que a taxa desemprego segue baixa, o que reforça a necessidade de manutenção de alta de juros. “Os gastos de famílias também estão altos e preços estão pressionados, mostrando que o FED ainda precisa continuar trabalhando para ajustar a inflação”, disse.

Ele também disse que chamou a atenção a preocupação externada pelo Fed com as incertezas trazidas pela continuidade da guerra entre Rússia e Ucrânia.

Para Carlos Vaz, CEO da gestora Conti Capital, no entanto, mesmo com os recados duros, o Fed está cada vez mais próximo da sua meta de redução da inflação e colecionando evidências que justificam esse entendimento. “Uma vez que a política monetária proposta está impactando a economia dentro de um quadro desejado. Ainda é incerto, mas na minha opinião, estamos mais próximos da sonhada etapa de ‘pouso econômico suave’, embora ainda não seja seguro descartar o risco de uma recessão”, comentou.

“Analisando todos os índices econômicos divulgados nos últimos meses eu estou confiante e otimista de que a fase mais dura da crise nos EUA, com pico inflacionário, já ficou para trás.”