“Estamos no limiar da terceira grande mudança da economia moderna: a dispersão”, diz Scott Galloway

Professor de Universidade de Nova York e escritor diz que novo modelo de distribuição de produtos e serviços é uma das principais tendências pós-pandemia

Alexandre Rocha

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SÃO PAULO – “Estamos no limiar da terceira grande mudança da economia moderna, e esta é a dispersão”. A frase é de Scott Galloway, escritor e professor de Marketing da Escola de Negócios Stern da Universidade de Nova York (NYU). Nesta terça-feira (24), ele participou do painel “Previsões 2022: aprendizados pós Coronavírus”, na 11ª edição da Expert XP. Realizado todos os anos pela XP, o evento é considerado um dos maiores festivais de investimentos do mundo.

Ele explica a “dispersão” é a sequência da globalização e da digitalização. O conceito representa a disrupção dos meios de distribuição de produtos e serviços, com a queima de etapas das cadeias de fornecimento. Nesse modelo, o fornecedor amenta sua margem e o usuário recebe o que comprou com menos interferências ou menor preço.

Como exemplos, Galloway cita o crescimento do uso de serviços de streaming, em substituição aos cinemas e mídias tradicionais, e a realização de videoconferências no lugar de reuniões presenciais.

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Para o professor, o setor que mais deve ser influenciado por esta mudança no futuro próximo é o de saúde. Ele ressalta que as pessoas foram menos ao médico durante a pandemia. “As consultas online explodiram”, disse. O avanço da telemedicina, de acordo com Galloway, foi observado não só nos Estados Unidos, mas no Brasil também – e veio para ficar.

Outro segmento que deve ser bastante afetado é o de educação, com a ampliação das opções de cursos à distância pela internet. Galloway cita como exemplo de grande negócio um curso online que ele mesmo dá pela NYU, que custa US$ 7 mil por aluno. “São US$ 1,9 milhão no total”, afirmou, acrescentando que a taxa de retorno chega a 98%.

O escritor informa que uma taxa de retorno assim só é equivalente à obtida nas vendas de uma droga para tratamento genético de doença raríssima e mortal, chamada Zolgensma, cujo tratamento custa US$ 2,1 milhão.

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Ao comentar pergunta de Artur Wichmann, sócio da XP Inc. e CIO de Private da XP, Galloway afirmou que hoje há concentração na educação superior nos EUA. São cada vez menos vagas disponíveis em universidades e, ao mesmo tempo, mais caras.

O objetivo atual do setor, em sua visão, não é mais criar oportunidades relevantes para pessoas normais, mas pinçar uma minoria para transformar em bilionários. “Nós (professores) não somos mais servidores públicos, mas artigos de luxo”, declarou.

Na área de mídia, ele comentou a dispersão provocada por plataformas como YouTube e TikTok, mas ressaltou que apenas dois segmentos nesta seara avançaram significativamente: o de streaming e o de videogames.

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Ele destaca ainda o avanço das fintechs, outra tendência que deve permanecer. “O mercado adora estas disrupções”, observou. Galloway lembra que em pouco tempo plataformas de pagamentos como o PayPal ocuparam boa parte do espaço que antes pertencia a instituições financeiras tradicionais.

Ainda no setor financeiro, o professor cita o avanço das criptomoedas e uma maior inclusão provocada pelas ferramentas financeiras digitais. Ele diz que o número de negros no mercado financeira dos EUA é hoje semelhante ao de brancos por causa destas inovações.

Ao mesmo tempo, Galloway alerta que a dispersão pode ampliar a segregação, na medida em que a separação física tende a gerar menor contato com pessoas diferentes, reduzir a empatia com o próximo e, em tese, ampliar ressentimentos.

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Risco de concentração nas “big techs”

O professor manifesta preocupação também com a concentração de mercado nas mãos de quatro “big techs” americanas: Apple, Amazon, Google e Facebook. Ele ressalta que estas empresas são maiores do que as economias de muitos países. Só a Apple, por exemplo, é maior do que as 100 principais companhias do Reino Unido.

Para Galloway, a concentração pode sufocar eventual concorrência, especialmente de empresas menores, resultando em redução dos financiamentos para pequenos e médios negócios, menos inovação, menor geração de empregos e diminuição da arrecadação de impostos.

O professor acrescenta que estas empresas têm condições de avançar fortemente em setores com grande potencial de negócios na nova economia. Ele afirma que a Amazon, por exemplo, tem a estrutura para entrar de cabeça na área de saúde, com produtos e serviços. “Eles sabem tudo sobre você”, comentou.

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No caso da Apple, o escritor acredita que a empresa pode vir a entrar no setor automotivo e não se espantaria se nos próximos meses ocorrer um anúncio envolvendo um carro com o logotipo da companhia.

Sobre Google e Facebook, Galloway destaca que as duas empresas têm dinheiro em caixa para comprar gigantes como Boeing e Airbus, se quiserem, e ao mesmo tempo são canais preferidos de recrutamento de extremistas.

Aos responder pergunta de Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP, Galloway disse acreditar que eventualmente as big techs serão desmembradas nos EUA por força dos órgãos reguladores, e acrescentou que este tipo de intervenção não é necessariamente negativa.

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Galloway citou novamente o exemplo do PayPal, que já foi parte do Ebay, e hoje é uma empresa até mais valiosa. Em sua avaliação, o desmembramento pode oxigenar o negócio.

O professor aponta outra tendência preocupante, que ele chama de “virgin homicides”, ou “homicídios virgens”, em que mecanismos de exclusão resultam num contingente de homens jovens sem educação, sem trabalho, sem dinheiro e sem relacionamentos afetivos – o tipo “de pessoa mais perigosa”. Isso cria potencial para violência e levantes. A mesma lógica não se aplica às mulheres.

Melhor ou pior?

Ele diz que é difícil saber se o cenário pós-pandemia será positivo ou negativo – pode tanto ser “o melhor” como “o pior” em muito tempo. Por um lado, a Covid-19 exacerbou problemas como a negação da ciência e a falta de empatia. Por outro, a história mostra que crises podem ser seguidas de períodos de franco desenvolvimento, como ocorreu na Europa após a Segunda Guerra Mundial. “Há sementes que só germinam após um incêndio”, comparou.

O professor citou algumas tendências negativas em andamento, como maior concentração de riqueza e aumento das diferenças salariais dentro de empresas. “O capital está chutando o traseiro do trabalho”, observou. Ele destaca o bom desempenho do mercado de capitais em contraste com a estagnação de salários.

No quadro atual, Galloway fala ainda de “oportunidade profunda” usando como metáfora uma corrida de automóveis, na qual quem permanece na pista ganha de quem está parado nos boxes. Nesse sentido, empresas que estiverem funcionando de maneira azeitada e bem posicionada têm condições de aproveitar diversas oportunidades enquanto outras estão paradas.

O professor tratou ainda de desmistificar orientação dada por gurus de gestão e carreiras para que as pessoas “sigam suas paixões” para ter sucesso, ao responder pergunta de Rachel Sá, economista-chefe da Rico. “Quem diz isso já é rico”, afirmou. “Ache seu talento, não sua paixão”.

Ele ironizou dizendo que ninguém cresce apaixonado por Direito Tributário, mas alguém pode ser tornar um grande profissional desta área. As paixões, em sua opinião, podem ser deixadas para os finais de semana.

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Alexandre Rocha

Jornalista colaborador do InfoMoney