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Pauta que tomou tração no Congresso nessa semana, a redução da jornada de trabalho, ao menos na média, tem ocorrido no Brasil desde os anos 1980, segundo o pesquisador da FGV Ibre, Fernando de Holanda Barbosa Filho. Melhorias na produtividade e renda per capita justificam a mudança.
Na última quarta-feira (13), a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), autora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que acaba com a jornada de trabalho na escala 6 x 1 (seis dias de trabalho para um de descanso), conseguiu obter o número mínimo de assinaturas para que o projeto comece a tramitar no Congresso Nacional.
O co-autor da pesquisa “Impactos da educação no mercado de trabalho”, avalia que uma mudança abrupta poderia impactar negativamente a produtividade brasileira, em paralelo à última alteração feita na jornada, na Constituição Federal de 1988. Sua posição é de que este pode, inclusive, ter sido um dos fatores por trás da chamada “década perdida”, período de estagnação econômica no Brasil entre as décadas de 1980 e 1990.
“Em 1988, reduzimos a jornada de 48 para 44 horas. E o que observamos nos dados foi uma queda na produtividade do trabalhador”, diz Barbosa Filho. Ele explica que a razão disso é que, embora o trabalhador não tenha se tornado menos produtivo, o ganho de produtividade tímido não compensou a redução nas horas trabalhadas.
No entanto, o ganho de produtividade anotado pelo Brasil desde aquela década também foi responsável por uma redução média na jornada de trabalho. “Ela é cadente ao longo do tempo. Cai de 0,2 a 0,4% ao ano, totalizando a redução da jornada de 3% a 4% ao longo de uma década.”
Um dos principais fatores responsáveis pelos ganhos de produtividade dos brasileiros nas últimas décadas foi a melhoria na escolaridade. Pela frente, o país ainda lida com o fim do bônus demográfico — quando a quantidade de pessoas em idade produtiva beneficia mais o desenvolvimento.
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Leia a entrevista completa a seguir:
InfoMoney: Qual é a atual condição da produtividade da economia brasileira?
Fernando de Holanda Barbosa Filho: A produtividade no Brasil é uma tragédia. Somos pouco produtivos em relação a nossos pares em qualquer comparação que se faça. Então, a produtividade é um problema de primeira ordem antigo da economia brasileira e essa política [de redução da jornada] não ajuda a produtividade. Ou seja, a produtividade depende de capital humano, de capital físico, de boas regras, investimentos, etc.
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Apesar de termos melhorado em praticamente todas as dimensões nas últimas décadas, e com toda crítica que se faz a qualidade da nossa educação, ela é muito melhor do que era antes, os anos de escolaridade são muito maiores. Obviamente, está muito aquém do que eu gostaria, mas está muito melhor do que era.
Temos um trabalho no Ibre [Instituto Brasileiro de Economia, da FGV] que mostra que a educação impactou positivamente a economia brasileira de diversas formas. A queda de informalidade na década se deu porque aumentou o percentual de pessoas mais escolarizadas, e não porque a informalidade caiu para todos os grupos de escolaridade.
A renda aumentou no Brasil, o salário aumentou no Brasil, não porque o salário aumentou dentro dos grupos, ele inclusive caiu, mas porque, apesar da queda salarial dentro de cada grupo, como a escolaridade aumenta muito o salário, aumentou muito o percentual de pessoas com maior escolaridade. Então, pessoas com maior renda conseguiram ganhar maiores salários.
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Temos absorvido o capital humano, mas isso continua numa posição relativa ruim. E o grande problema que temos agora é que, com o fim do bônus demográfico, a produtividade é cada vez mais importante. Sobre essa política [de redução da jornada] eu faço um paralelo com o que houve na década de 1980: na constituição de 1988, reduzimos a jornada de 48 para 44 horas. E o que observamos nos dados foi uma queda na produtividade do trabalhador.
Não é porque o trabalhador ficou menos produtivo, a produtividade por hora do trabalhador não caiu, mas como ele trabalhou menos horas, o ganho de produtividade não compensou a redução das horas trabalhadas. Isso reduz a produtividade por trabalhador. No final do dia, o trabalhador não é pago por hora no Brasil, não temos aquele esquema americano em que se paga salário por hora. Quando ele trabalha menos horas, ele vai ganhar o mesmo salário, ele vai produzir menos, o que vai fazer com que a produtividade dele para a empresa caia, e para o mesmo custo, ou seja, a empresa vai perder a competitividade, no fundo, o trabalhador vai ganhar um aumento real de salário.
Grande parte da forma de você reduzir seis por um é reduzir jornada. Não é simplesmente, realocar as 44 horas em cinco dias. Na verdade, o que se discute é reduzir a jornada de 44 para 36 horas.
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IM: Se argumenta de que a redução da jornada pode gerar ganhos de produtividade.
FHB: Realisticamente falando, não vai ter esse ganho de produtividade com a edição da jornada de trabalho. Essa ideia de que o trabalhador vai para casa, ele vai ficar mais feliz, vai produzir muito mais. Não vai.
Você pensa na organização de uma empresa, tem lá toda a linha de produção. Mandar o pessoal para casa 20% da hora, não vai fazer que naquele período que eles estejam lá, a máquina opere mais rápido, tudo opere mais rápido, a não ser que a empresa hoje opera com um grau de ineficiência muito grande.
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As empresas com grau de ineficiência grande em geral saem do mercado ao longo do tempo. E obviamente, a jornada de trabalho atual, a legislação atual, ela não proíbe jornadas diferentes de 6 por 1. Tanto é que várias empresas fazem jornadas diferentes de 6 por 1. O que determina isso? Muitas vezes o tipo de ocupação. Por exemplo, se você reduzir a jornada e fechar o shopping aos domingos.
IM: Outro argumento é de que mais tempo livre levaria a melhor qualificação do trabalhador, com mais tempo para dedicar à educação. Essa é uma possibilidade?
FHB: Eu não vi trabalhos mostrando causalidade, logo depois que se reduz a jornada de trabalho, o trabalhador fica mais produtivo. Essas coisas são concomitantes. Em países em que simplesmente a produtividade aumentou, a renda per capita aumentou, a jornada de trabalho diminuiu.
Parênteses importantes a ser feito aqui: a jornada de trabalho tem caído gradualmente no Brasil desde a década de 1980. Então a jornada de trabalho brasileira é cadente ao longo do tempo. Ela cai de 0,2 a 0,4% ao ano, totalizando a redução da jornada de 3% a 4% ao longo de uma década.
A jornada média de trabalho no Brasil, que era de 44 horas em 1988, hoje em dia está próxima de 38 a 39 horas.
Também se fala que uma redução na jornada vai gerar mais emprego. Eu nunca vi um trabalho mostrando que essa é uma relação um para um, de que logo depois de se cortar a jornada, a empresa contratou mais de trabalhadores.
Em geral, não deve ser isso que vai acontecer. Tanto o trabalhador não fica imensamente mais produtivo, como a empresa não contrata imediatamente trabalhadores novos.
IM: Você mencionou a questão da redução de 4 horas na jornada promovida pela Constituição de 1988. É possível, então, afirmar que houve impacto na produtividade por trabalhador naquela época?
FHB: Sim, na década pedida, a Produtividade Total dos Fatores (PTF) em geral é mais difícil crescer. Mas a produtividade do trabalho em geral cresce naturalmente. Naquele período ela ficou estagnada. É um dos fatores que explica, em partes, a década perdida.
IM: As outras experiências de redução de jornada pelo mundo, então, foram mais uma consequência da melhoria da produtividade do que o contrário?
FHB: Eu não posso afirmar isso. Eu acho que é, mas eu não vejo a causalidade reversa que estão falando, da mesma forma que eu não fiz um estudo que tem a causalidade nessa direção. Mas o que observamos é que em países ricos as pessoas trabalham menos.
Isso é uma coisa que é perfeitamente esperável. O lazer é um bem. À medida que ficamos mais ricos, demandamos mais bens. E isso vem acontecendo no Brasil ao longo do tempo. A jornada nos países desenvolvidos é menor. Acredito que, em parte, por isso.
IM: Você mencionou um agravante para a nossa questão de produtividade, que é a superação do bônus demográfico, algo que já aconteceu nesses países desenvolvidos.
FHB: A tragédia não é ficar velho, é ficar velho e pobre. Esses países todos aproveitaram bem o bônus demográfico. E quando a população estava envelhecida, eles estavam ricos. Faz toda a diferença. O Brasil pegou o bônus demográfico e sendo um país de renda média baixa.
Ao ter acabado o nosso bônus demográfico, não nos tornamos um país rico. Em geral, é um período em que é bem fácil você aumentar a renda per capita porque ela naturalmente acontece, porque para uma população do mesmo tamanho, tem mais gente trabalhando.
O nosso bônus demográfico contribuiu ao longo das últimas décadas. Mais de 1% do PIB per capita anual você pode botar na conta dele em um período longo. Só que agora ele não vai contribuir mais. Então, é mais um motivo, é mais uma razão para nos preocuparmos com ganhos de produtividade. E, infelizmente, essa política não aborda isso.
IM: Mas como resolver esse problema? Nossa produtividade é baixa e, ao mesmo tempo, a reivindicação por uma jornada menor é popular. Como conciliar isso?
FHB: Se compararmos com o passado, não deve ter muito mais gente nessa jornada. Pela redução de horas trabalhadas, isso deve estar acontecendo. À medida que a economia cresce, esse efeito renda está ocorrendo, está possibilitando essa redução da jornada.
As empresas, obviamente, buscam o tempo inteiro de produtividade, porque isso vira lucro, vira melhor retorno. O problema é que a produtividade é resultado de várias escolhas. É resultado da escolha de qualificação profissional adequada à demanda no mercado de trabalho.
Fizemos vários planos de qualificação profissional no Brasil, e se for pensar, a produtividade brasileira não parece ter evoluído muito. A minha avaliação é que investimos nas coisas erradas. Por quê? Porque é difícil saber para onde que a economia vai.
É difícil acertar qual é o setor que vai crescer, qual é o setor que vai diminuir daqui a 10, 15, 20 anos. Mas você pode tentar entender a demanda do mercado de trabalho atual para qualificar esse trabalhador hoje para uma demanda que existe hoje.
O que podemos fazer é adequar a qualificação às demandas do mercado. Isso aumenta a empregabilidade, isso aumenta a produtividade, aumenta a renda, o que lá na frente também significa uma jornada menor.
IM: Como o fato da economia brasileira ter se tornada uma economia de serviços impacta todo esse cenário?
FHB: Em uma economia moderna, o setor que mais emprega é o setor de serviços de comércio, é o setor terciário. Nele, a produtividade depende muito da qualidade de capital humano. Então tem tudo a ver com o que estamos falando. Vários desses serviços são prestados tête-à-tête. Se a pessoa não me atender no comércio, ela não vai vender, não vai ganhar a sua comissão.
Tem todas essas relações em uma economia de serviços moderna, que torna talvez essa redução à força ainda mais difícil. De novo, naturalmente ela já está acontecendo ao longo dos anos.