Publicidade
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a taxa Selic para 14,75% ao ano – o maior patamar em quase 20 anos –, anunciada na noite de quarta-feira (8), desagradou as entidades que representam a indústria, pelo natural impacto de contração que deve trazer à atividade econômica nos próximos meses. Mas foi considerada necessária pela maioria dos representantes da atividade varejista, que mostraram preocupação com a ainda forte inflação de serviços.
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a nova elevação da Selic impõe um fardo ainda mais pesado à economia e trará consequências negativas para emprego, renda e bem-estar da população.
“Embora o controle da inflação seja o objetivo primordial do Banco Central, a elevação da Selic traz riscos significativos à economia, que está em processo de desaceleração mais acentuado do que esperávamos no final de 2024”, disse em nota o presidente da CNI, Ricardo Alban.
Continua depois da publicidade
A CNI estima que o Produto Interno Bruto (PIB) vai crescer 2,3% em 2025, uma queda de 1,1 ponto percentual em relação ao ano passado. Para a indústria o crescimento deve ser de 2%, ante 3,3% em 2024. “Caso a estimativa se concretize, isso representaria o menor crescimento da economia nos últimos cinco anos e está diretamente relacionado à política monetária contracionista”, criticou Alban.
A Confederação pede que o Copom nas próximas reuniões deve considerar a defasagem dos efeitos da política monetária contracionista, intensificada a partir de setembro de 2024; um limite de até 8,8% para a taxa de juros real; a recente política comercial dos Estados Unidos, com imposição de tarifas; e a forte desaceleração do impulso fiscal, observada desde o segundo semestre de 2024 e que deve se manter ao longo de 2025.
Já a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) considera excessivo o aumento da taxa básica de juros para 14,75% ao ano, patamares superiores aos registrados há uma década, quando o país enfrentava uma inflação de dois dígitos.
“A Federação destaca que o cenário de juros elevados já restringe de forma significativa a atividade econômica, especialmente relacionadas à indústria, que encerrou o primeiro trimestre do ano praticamente estável. A esse quadro soma-se a recente perda de dinamismo no mercado de trabalho, o que contribui para a desaceleração necessária que direcionará a inflação à meta no médio prazo”, disse a Firjan em nota.
Para a Firjan, o cenário atual de incertezas globais, caracterizado por conflitos geopolíticos e tensões comerciais, exige uma análise cuidadosa e a manutenção de juros elevados pode agravar ainda mais a já comprometida competitividade do Brasil.
“Diante desse contexto e de um problema fiscal crônico, que impede uma redução consistente da taxa Selic, a Federação enfatiza a urgência de uma reforma fiscal estrutural. Políticas públicas orientadas para a inovação, infraestrutura, capital humano e redução dos custos de produção são essenciais para garantir um desenvolvimento socioeconômico sustentável no Brasil.”
Continua depois da publicidade
Por sua vez, a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), embora reconheça a importância do controle da inflação para a estabilidade econômica, alerta que o atual cenário pode agravar a desaceleração da economia brasileira.
A entidade lembra que a intensificação da guerra comercial entre os Estados Unidos e outros países têm reduzido as projeções de crescimento global, provocando efeitos deflacionários sobre o Brasil, especialmente com a queda nos preços das commodities.
“Esse contexto contribui para aprofundar a desaceleração da atividade econômica doméstica já em curso, e a adoção dessa medida tende a intensificar ainda mais o enfraquecimento da economia, com impactos negativos sobre a geração de empregos e a renda das famílias”, afirmou em nota Flávio Roscoe, presidente da entidade.
Continua depois da publicidade
Roscoe também defendeu uma condução de uma política monetária mais equilibrada, que alie o controle da inflação ao estímulo ao crescimento econômico e à competitividade da indústria nacional. “Em momentos de elevada incerteza, torna-se ainda mais necessária que a política monetária seja conduzida com cautela, considerando os efeitos defasados das medidas já adotadas e o atual nível significativamente contracionista da taxa de juros, para evitar impactos desproporcionais sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho”, ressaltou.
Comércio varejista destaca inflação alta
Se as organizações industriais forma críticas à decisão do Banco Central, as representantes do comércio varejistas se mostraram mais flexíveis. Para a FecomercioSP, o comportamento da inflação dos serviços exigia um aumento na taxa, porém de menor magnitude que os 0,50 ponto percentual aplicados.
Elevação em 0,5 p.p., anunciada nesta quarta-feira, sinaliza preocupação do Copom quanto ao poder de compra da população em meio à disparada dos preços no setor. “Trata-se, antes de tudo, de uma resposta do órgão à preocupante escalada da inflação, mesmo em uma conjuntura de juros já elevados”, comentou a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) em nota.
Continua depois da publicidade
“Dados recentes, como a escalada de preços dos serviços, não davam outra opção ao comitê. Serviços intensivos em mão de obra registram uma média móvel anual de 6% de alta, enquanto os subjacentes estão em 4,5%. Particularmente sensíveis ao nível de atividade econômica e ao aumento da renda disponível pela população, esses dois segmentos refletem como a demanda continua aquecida no País”, explicou a entidade, que destacou ainda que o mercado de trabalho permanece bastante ativo.
Na leitura conjuntural da FecomercioSP, o ciclo de alta da Selic pode estar terminando. “O aumento anunciado nesta quarta-feira pode ser o último, já que o BC indicou essa possibilidade e os efeitos dos reajustes anteriores ainda não foram sentidos. Agora, é momento de aguardar os reflexos e, só então, definir os próximos passos.”
Para a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), A decisão do Copom de aplicar a sexta alta consecutiva da Selic veio totalmente em linha com as expectativas dos analistas do mercado financeiro e com a sinalização dada pelo Comitê na última reunião.
Continua depois da publicidade
Segundo Ulisses Ruiz de Gamboa, economista do Instituto de Economia Gastão Vidigal da ACSP, apesar da desaceleração gradual da atividade econômica interna e do aumento das incertezas externas, que tendem a diminuir a pressão sobre os preços, houve aceleração da inflação corrente, que se mantém acima da meta anual.
Isso “num contexto de expansão fiscal e expectativas inflacionárias ainda desancoradas, justificando uma política monetária contracionista”, disse Gamboa em nota.
Mas nem todos os representantes do varejo têm essa visão. Para Felipe Queiroz, economista-chefe da Associação Paulista de Supermercados (APAS), enquanto os Estados Unidos apostaram na estabilidade monetária, com foco em estimular a atividade econômica, o consumo e os investimentos, o Brasil segue na contramão desse movimento.
“O Banco Central opta por manter uma política de juros elevados, o que funciona, na prática, como um freio à atividade econômica. A continuidade desse ciclo é, em nossa avaliação, equivocada, sobretudo diante do contexto internacional e dos desafios envolvendo a economia brasileira”, advertiu o economista da associação.
“É importante lembrar que o mundo vive um ciclo neoprotecionista, em que os países buscam fortalecer sua produção e seu mercado interno. Com a taxa Selic nos patamares atuais, o Brasil favorece o rentismo e a especulação, em detrimento da geração de empregos, do investimento produtivo e do crescimento econômico de médio e longo prazo. Por isso, acreditamos que, neste momento, a decisão mais adequada seria, no mínimo, a manutenção da taxa de juros, sendo desejável, inclusive, o início de um ciclo de redução”, sugeriu.