Emprego continua forte dos EUA, mas payroll trouxe sinais de moderação, dizem analistas

Mercado está dividido entre uma alta de 25 pontos-base ou de 50 pontos pelo Fed em março e espera dado de inflação na semana que vem

Roberto de Lira

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O mais uma vez forte dado de contratações nos Estados Unidos – o payroll de fevereiro apontou para a criação de 311 mil vagas, após os revisados 504 mil postos de trabalho criados em janeiro – mostra a continuidade do aquecimento do mercado de trabalho, mas analistas ponderam que já surgem os primeiros sinais de moderação. O avanço mais fraco do salário médio e alta na taxa de participação, ou seja, mais pessoas estão procurando emprego, são os principais indícios.

Sobre os próximos passos da política monetária, o diagnóstico é que o Federal Reserve ganhou argumentos para manter o ritmo de alta de 25 pontos-base nos juros – adotado em janeiro -, mas que será preciso esperar a divulgação na semana que vem da inflação ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) para uma avaliação mais precisa. Por enquanto as projeções vão seguir no estilo “bola dividida” entre os que estimam alta de 0,25% e os que acreditam numa aceleração para 0,50%.

Para Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity, inegavelmente o mercado de trabalho continua bastante forte. Ele afirma que o dado de fevereiro reforça a ideia de que a surpresa com as mais de 500 mil contratações em janeiro não poderia ser atribuída simplesmente à questão do clima, como foi especulado – o inverno teve dias de temperatura amena no início de 2023.

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No entanto, ele destaca que o payroll trouxe outros elementos que podem ajudar a temperar a mensagem sobre os próximos passos de política monetária na decisão de 22 de março.

“Teve um desenvolvimento bastante positivo que foi a moderação dos salários. A remuneração semanal média subiu só 0,2%, abaixo da expectativa do mercado. Foi a menor leitura desde o início do ano passado e corroborou a ideia de quem tem uma moderação no crescimento dos salário, o que é uma boa notícia para o Fed”, afirma.

Fonseca argumenta que parte do trabalho do Fed é exatamente trazer para baixo a inflação de serviços e que isso passa por uma moderação da inflação de salários, a despeito de as contratações estarem ainda em um ritmo muito forte.

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Outra notícia importante, segundo o economista-chefe do Opportunity , veio da pesquisa domiciliar (“household survey”)  divulgada junto com o payroll: uma recuperação, ainda que tímida, da taxa de participação. Ou seja, as pessoas estão voltando ao mercado de trabalho. “Isso ajudou a puxar para cima a taxa de desemprego”, disse Fonseca. A taxa cresceu de 3,4% em janeiro para 3,6% em fevereiro.

Mas esse desenvolvimento positivo não significa, segundo o economista que o Fed pode voltar ao seu plano anterior, quando se projetava mais duas altas de 25 pontos-base em março e maio, antes de uma parada no ciclo.

“A gente não tá dizendo que passou o problema. Tem uma economia que está mais resiliente, o progresso da inflação continua insatisfatório e vai exigir uma carga de juros maior e uma manutenção de juros por mais tempo”, ressalta.

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Para Fonseca, esse “esforço adicional” de aperto pode ser talvez de 50 pontos-base além do dos 5,10% terminais estimados pelo Fed em dezembro, em sua última divulgação do gráfico de pontos (“dot plot”). “Não muda a direção. E a direção é mais juros”, afirma.

Isso vai naturalmente significar um impacto mais forte na economia, que deve chegar mais para o final do ano. “Talvez ela (a recessão) tenha sido postergada devido a esse estado de maior resiliência e talvez ela seja mais tímida. Mas é difícil fazer um pouso desses sem turbulência”, comenta.

Efeitos defasados

Francisco Nobre, economista da XP, também destaca tanto o crescimento menor dos salários no mês, o aumento da taxa de desemprego e a mais e maior participação da força de trabalho (de 62,4% em janeiro para 62,5%em fevereiro) como pontos de alívio no mercado de trabalho, mesmo com a nova surpresa no número de contratações.

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“Os dados continuam apontando para um mercado de trabalho apertado, embora ainda não o suficiente para forçar o Fed a subir 0,5 ponto porcentual em março. A impressão do CPI de fevereiro a ser divulgada na próxima semana será decisiva para a próxima decisão”, afirma.

Ele lembra ainda que os números de dezembro e janeiro foram revisados para baixo e o emprego combinado em ambos os meses ficou 34 mil menor do que o relatado anteriormente.

Nobre ressalta que há um defasagem natural e que os efeitos da política monetária restritiva do Fed no mercado de trabalho ainda vão ser sentidos com mais força. “Apesar do ciclo de aperto do Fed ter começado em março do ano passado, as condições financeiras se tornaram restritivas apenas por volta de setembro. O impacto sobre a demanda agregada provavelmente ficará mais claro no final de 2023 e ao longo de 2024”, estima

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Em relação à próxima decisão de política monetária, ele lembra que os mercados estão a meio caminho entre precificar uma alta de 25 bps e 50 bps na reunião de março, favorecendo ligeiramente a primeira opção (60% de chance). “O lançamento de hoje provavelmente manterá mercados e autoridades divididos”, diz.

Para Nobre, o Fed permanecerá refém das próximas informações e o CPI de fevereiro será opara a próxima decisão. “Acreditamos que um número em linha ou abaixo do esperado deve permitir ao Fed relaxar um pouco. Se os números vierem acima das expectativas, uma alta de 0,50 bps estará na mesa”, pondera

A XP prevê que a inflação mensal ficará em 0,19%, com o núcleo em 0,36%. Sobre a decisão do Fom em 22 de março, a projeção é que será aplicada uma nova alta 25 bps.

Angelo Polydoro, economista da ASA Investments, foi outro analista a destacar o avanço mais tímido dos salários. Além do indicador mensal (queda de 0,2%), ele diz que prefere trabalhar com um média dos últimos três meses anualizada e que esta bateu em 3,6%, bem perto da inflação que o Fed considera consistente com a meta.

Se a tendência permanecer, Polydoro diz que esse será “um elemento que coloca uma calma, um senso de esperança no Fed de que as coisas vão desacelerar”.

Sobre a taxa de participação ter aumentado, o economista da ASA Investments argumenta que isso é importante pela sinalização. “No número dos Jolts que saíram nesta semana, a gente já viu os a taxa de aumento dos pedidos de demissão recuando. Ou seja, as pessoas estão mais reticentes em pedir demissão e procurarem outro trabalho, um sinal de que estão vendo que a economia não vai tão bem”, comenta

Segundo Polydoro, senão tivesse acontecido a quebra do Silicon Valley Bank (SVB) – a maior falência de um banco de crédito dos EUA em mais de uma década – o Fed poderia fazer uma alta de 50 pontos-base em sua próxima reunião, mas que isso pode ter mudado. “A grande questão hoje é que o mercado está imaginando que, dado que surgiu esse novo risco, a estratégia ótima não é reacelerar, é ter um pouco mais de cautela”, diz.

Dinâmica mudando

Para Diogo Saraiva, economista e sócio da Blueline, o aumento na taxa de desemprego se deu por um número grande de pessoas retornando ao mercado de trabalho, provavelmente estimuladas pela diminuição da poupança acumulada durante a pandemia e o grande número de vagas abertas.

“Essa dinâmica mais favorável entre demanda e oferta parece estar diminuindo um pouco as pressões salariais, apesar de permanecerem elevadas”, afirma.

Ele concoda que o próximo número de inflação será determinante para a decisão do Fed na reunião de março. “Se o resultado confirmar a dinâmica forte de janeiro. o comitê deverá preferir um aumento de 50bps”, diz.

Lucas Zaniboni, analista sênior de pesquisa internacional da Garde, por sua vez, acredita que os dados de hoje, apesar de mostrarem um mercado de trabalho aquecido, trouxeram diversos sinais marginais que jogam a favor de uma descompressão maior olhando à frente.

“Acho que é um conjunto de dados suficiente para deixar o Fed satisfeito em manter o ritmo de 25bps na próxima reunião. Ainda mais levando em conta o ‘ato novo’ surgido ontem a respeito de possíveis problemas no setor bancário americano, que argumenta por uma postura mais cautelosa”, explica. Para ele, apenas uma surpresa muito forte no CPI da próxima semana faria o Fed reverter novamente o pace para 50 bps.