Economistas veem freio ainda suave na economia e alertam para queda nos investimentos

Consumo das famílias e setor externo foram destaques positivos no 3º tri, mas taxa de investimentos caiu para o menor patamar desde 2020

Roberto de Lira

(Getty Images)

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A freada na economia no terceiro trimestre esperada pelos economistas foi menos brusca do que as projeções indicavam e, assim, cresceu a probabilidade de o PIB brasileiro avançar no mínimo 3% no ano. O IBGE divulgou nesta terça-feira (5) que o PIB avançou 0,1% em relação ao segundo trimestre, ante mediana de expectativas que apontava para uma queda de 0,2%. As surpresas positivas vieram tanto na ótica da oferta como da demanda e o ponto de alerta continuou com os investimentos, disseram os especialistas.

Para Rafael Perez, da Suno Research, apesar dessa leve alta do PIB no período, já começa a ficar mais evidente uma desaceleração da economia brasileira, diante da dissipação do forte crescimento do agro, os efeitos cumulativos dos juros elevados, o alto endividamento das famílias, o cenário externo turbulento e a base de comparação elevada do primeiro semestre do ano.

“Contudo, os dados nesse terceiro trimestre mostraram uma atividade ainda bastante resiliente em alguns setores, principalmente quando olhamos para os serviços, o consumo das famílias, a indústria e as exportações”, listou.

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Perez viu como grande destaque positivo o dado do Consumo das Famílias, que mostrou crescimento de 1,1% no trimestre, desempenho atribuído à queda na inflação, ao mercado de trabalho ainda aquecido, à consequente expansão da massa salarial, às maiores transferências sociais e à alta do salário-mínimo.

Essa conjuntura também favoreceu o desempenho do setor de serviços, que teve uma expansão de 0,6% no trimestre e tem sido um dos pilares de sustentação da atividade este ano. “Essa dinâmica tem se refletido positivamente sobre o emprego, dado que o setor é intensivo em trabalho”, comentou Perez

Também foi destacado como positivo o bom desempenho no ano das exportações, com uma alta de 3,0% no 3º trimestre, devido à safra recorde de grãos e outros insumos agrícolas, além do aumento da produção de petróleo e a recuperação chinesa.

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Para o quarto trimestre, a previsão da Suno é que a atividade deva continuar apresentando um menor crescimento. “Porém o mercado de trabalho aquecido, o crescimento da massa salarial e o arrefecimento da inflação devem ajudar a sustentar o consumo e amenizar um resultado mais fraco.”

Para o economista André Perfeito, a surpresa no trimestre veio do comportamento melhor que o esperado tanto de serviços como de indústria, que têm peso maior no valor adicionado ao PIB

Na ótica da demanda, ele também citou o resultado do consumo das famílias, que continuou avançando na esteira do aumento da massa salarial. Já o consumo do governo avançou numa velocidade menor que a do no último trimestre.

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“O resultado benigno do PIB reitera nosso cenário de alta de 3% (pelo menos) esse ano e de 2% o ano que vem”, estimou Perfeito

Exportações são destaque

Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura, por sua vez, alertou que a absorção doméstica recuou 0,6% no trimestre, enquanto as exportações líquidas adicionaram 0,7% ao PIB. “Ou seja, os dados sinalizam que o PIB só ficou positivo pela melhora no saldo externo e reforçam a ideia de perda de ímpeto da economia doméstica”, afirmou.

Por conta dessa leitura, a Nova Futura não deve alterar suas projeções de crescimento do PIB de 3,0% em 2023 e de 1,4% para 2024.

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“Apesar da surpresa, não estou convencido que os números alteram o cenário de atividade fraca. Acho que o consumo, de fato, surpreendeu positivamente, mas olhando os dados de oferta de forma desagregada, o recuo dos investimentos e das importações, pela ótica da demanda, me fazem crer que os dados são mais condizentes com um cenário de PIB fraco.”

Claudia Moreno, economista do C6 Bank, comentou que, sem a influência positiva da agropecuária – que puxou o PIB para cima no primeiro semestre do ano -, a economia acabou sentindo mais fortemente os efeitos dos juros altos sobre a atividade no terceiro trimestre. “Enquanto o setor de serviços e a indústria cresceram ambos 0,6%, a agropecuária teve uma queda de 3,3%”, comparou.

Ela ponderou no entanto que essa contração na agropecuária já era esperada, uma vez que o setor cresceu expressivos 12,5% no primeiro trimestre e depois desacelerou para 0,5% no segundo. “Nossa projeção é que a agropecuária termine o ano com uma expansão próxima de 16%, número compatível com uma contração no último trimestre”, disse.

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Já o crescimento observado nos serviços dialoga bastante, segundo a economista, com o aumento no consumo das famílias. “Ambas as séries se encontram nas máximas históricas. Esse consumo pode estar relacionado com o crescimento da massa salarial”, atribuiu.

Claudia também alertou para os investimentos, que confirmaram a retração esperada no terceiro trimestre, reforçando a tendência negativa. “A formação bruta de capital fixo registrou uma queda de 2,5%, a quarta consecutiva”, citou.

“Na nossa visão, o quarto trimestre também deve registrar uma desaceleração do crescimento e o PIB deve encerrar 2023 em 3%, com leve viés de baixa. Já em 2024, a queda da Selic, que se iniciou em agosto deste ano, deve voltar a dar um estímulo à economia e contribuir para um PIB de 1,5%”, projetou a economista do C6 Bank

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Andrea Damico, economista chefe da Armor Capital, também viu com surpresa a aceleração do consumo das famílias, que estava em +0,86% no 2º trimestre e passou para 1,09% no 3º trimestre. Ela lembra que as estimativas levavam em consideração os dados mais fracos das outras pesquisa do IBGE de comércio e de serviços prestados às famílias.

“Por outro lado, os investimentos caíram bastante nessa divulgação, o que puxou o PIB para baixo na ótica da demanda. Quando vai para a ótica da oferta, a  gente vê o Agro em queda, um pouco menor do que a imaginada. E a indústria em 0,6%, assim como serviços. Os serviços surpreenderam um pouco para cima, se esperava um pouco mais de lado”, comentou.

Marcela Kawauti, economista da Pezco Economics, considerou que a melhora recente da balança comercial foi fundamental para o crescimento da economia brasileira no terceiro trimestre. “O setor externo contribuiu com +0,9 p.p. no trimestre. Do lado da oferta, o setor de serviços foi o principal destaque de alta com contribuição de +0,4 p.p. “, comparou.

Ela também calculou o carregamento estatístico (carry over) em 3,0% para 2023 – esse seria o crescimento da economia brasileira caso houvesse crescimento nulo no último trimestre do ano. “Em resumo, o PIB brasileiro vem desacelerando de forma mais lenta do que a esperada pelo mercado, ainda beneficiado pelo crescimento de serviços, do consumo das famílias e principalmente da demanda externa por exportações brasileiras”, explicou.

Alerta em investimentos

Rafaela Vitória, economista chefe do Banco Inter, destacou que o PIB acumulado até setembro cresceu 3,1% (em 12 meses), o que ainda é considerado acima da taxa potencial da economia.

Entre as surpresas positivas, ela também citou o robusto crescimento do consumo das famílias no trimestre. “Apesar do aperto monetário em curso, a queda da inflação e a melhora no emprego e renda contribuíram para manter o consumo em alta”, explicou.

Ela também considerou que o destaque negativo continuou sendo o resultado dos investimentos, com queda de 2,5% no trimestre e de -6,8% na comparação anual. “A taxa de investimento caiu para 16,6% do PIB, a menor desde 2020, um patamar baixo que pode comprometer o crescimento maior da economia à frente”, advertiu.

Rafaela reforçou o alerta sobre a necessidade da retomada dos investimentos, para a manutenção da taxa de crescimento no futuro sem comprometer a estabilidade monetária. “Uma vez que o crescimento mais forte da demanda, sem acompanhamento da oferta, pode trazer de volta pressão inflacionária lá na frente”, alertou.

Para Igor Cadilhac, economista da PicPay, os números mais fortes no trimestre não alteram o cenário de desaceleração da atividade econômica.

“De um lado temos os efeitos defasados da política monetária, a dissipação do impulso no período pós-pandemia e um arrefecimento da demanda externa. Por outro, ainda temos observado um mercado de trabalho aquecido, contribuindo para um crescimento da massa salarial, e a permanência de alguns estímulos governamentais”, comentou.

A projeção da PicPay para 2023 está preliminarmente mantida com um crescimento de 2,9%.

Para Vinicius Moura, economista e sócio da Matriz Capital, os dados divulgados pelo IBGE refletem uma dinâmica variada na economia, com alguns setores apresentando crescimento robusto enquanto outros ainda enfrentam desafios. “A queda na Formação Bruta de Capital Fixo é um ponto de atenção, pois investimentos mais baixos podem afetar o crescimento econômico futuro”, afirmou.

Ele destacou o desempenho da Agropecuária, que teve seus números impulsionados por produtos como milho, cana-de-açúcar, algodão herbáceo e café, que tiveram safras relevantes no terceiro trimestre. “Isso contribuiu para um crescimento notável nesse setor”, comentou.

Sobre as atividades industriais, ele destacou Eletricidade e gás, além das Indústrias extrativas, que cresceram consideravelmente, impulsionadas pelo aumento do consumo de eletricidade e pelo desempenho positivo na extração de petróleo e gás.

“No entanto, a construção apresentou um declínio, influenciada pela queda na ocupação e na produção de insumos característicos dessa área, como máquinas, equipamentos e produtos químicos”, disse.

Moura citou ainda a redução na produção interna de bens de capital e na construção, bem como na importação de bens de capital. “Isso pode sugerir um possível desaquecimento nos investimentos, o que afeta a economia”, advertiu.

“Para o próximo trimestre, acredito que o consumo das famílias pode desacelerar, refletindo em uma possível queda na atividade econômica entre outubro e dezembro. Primeiro, pela redução de estímulos do governo. Segundo, por uma condição econômica menos favorável com o aumento da inflação ainda mais caso ocorra um descontrole dos gastos do governo”, estimou.

Emprego e renda ajudam

André Nunes de Nunes, economista chefe do Sicredi, disse que é importante notar que o PIB veio forte do ponto de vista da expansão no consumo, tanto das famílias quanto do governo.

“Pelo lado da oferta, tivemos surpresas positivas na Indústria e nos Serviços, que cresceram acima das nossas expectativas, e negativa no Agro, que caiu mais do que esperávamos”, comparou.

Na indústria, ele afirmou que chamou atenção a contribuição do setor extrativo, que talvez tenha sido afetado pelas queda no imposto de exportação. “Em março deste ano, o governo brasileiro taxou em 9,2% as exportações de petróleo bruto por um período de quatro meses, entre o início de março e o final de junho. Essa medida pode ter feito as empresas diminuírem a extração, o que acabou puxando o crescimento do setor e de derivados de petróleo”, explicou.

Pelo lado da demanda, Nunes disse que a surpresa maior foi no consumo das famílias, que acelerou na passagem do 2º trimestre para o 3º trimestre, surpreendendo a expectativa de desaceleração.

Por ora, o Sicredi também preferiu não alterar sua projeção de crescimento de 3,0% para economia brasileira neste ano e 1,5% em 2024.

Luis Otávio Leal, economista chefe da G5 Partners, avaliou que, apesar da surpresa positiva do PIB, principalmente por conta dos serviços, os dados mostraram uma economia em desaceleração, dada a falta de impulso da agropecuária. “Percebemos também uma resiliência no consumo das famílias, que cresceu na margem em todos os trimestres do ano, favorecido pela melhora do mercado de trabalho, pela recomposição real dos salários e pelas medidas de sustentação de renda tomadas pelo governo ao longo do ano”, destacou.

Ele disse continuar com a expectativa de que o resultado para o 4° trimestre será positivo e que poderá ser favorecido pelo programa Desenrola de renegociação de dívidas, além das festas de final de ano e do impacto de grandes festivais e shows musicais que ocorreram em novembro.

“Dito isso, revisamos nossa projeção para o PIB de 2023 de 2,8% para 3,0%, com expectativa de crescimento de 0,1% no 4° trimestre. Mantivemos nossa projeção de crescimento de 1,9% para o PIB de 2024.”

Felipe Queiroz, economista chefe da Associação Paulista de Supermercados (Apas), comentou que o setor de serviços e o comércio sustentaram o crescimento do PIB nesse trimestre pelo lado da oferta. Pelo lado da demanda, ele citou que o consumo das famílias também surpreendeu e ficou acima das expectativas do mercado.

Para ele, a economia do país está começando a retomar o patamar pré-pandemia, por conta essencialmente de três fatores. O primeiro ponto foram as políticas sociais de transferência de renda. O segundo fator citado foram a iniciativa para a redução, ainda que marginal, do nível de endividamento das famílias. Em terceiro, a melhora no mercado de trabalho com a abertura de novos postos de trabalho e redução da taxa de desemprego no país.

“A conjunção desses fatores aponta para uma possibilidade de um crescimento melhor da economia nos próximos trimestres, estimulado pela demanda agregada a apoiar no consumo das famílias.”