Economistas veem BC “incomodado” com expectativas de inflação do longo prazo desancoradas

Para especialistas, manutenção da orientação futura com cortes do mesmo ritmo mostra a cautela do Copom, apesar do cenário benigno

Roberto de Lira

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O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil reconheceu em seu comunicado a melhora no cenário externo nas últimas semanas, mas um certo incômodo com a lentidão da ancoragem das expectativas de inflação em 205 e 2026 levaram o colegiado a optar por seu mais conservador na reunião encerrada nesta quarta-feira (13). O colegiado optou novamente por cortar a Selic em 50 pontos-base.

Nos últimos dias, havia uma expectativa se o BC iria revisar a orientação futura, retirando o plural no comentário sobre redução da Selic na mesma magnitude “nas próximas reuniões”, mas o texto foi mantido sem alterações.

Rodrigo Cabraitz, gestor de portfólio da Principal Claritas, disse na live do InfoMoney no Youtube que o BC preferiu ser cauteloso: cortou os juros em 0,5 ponto percentual e manteve o discurso bem alinhado ao que tem acontecido no cenário externo. “Ele reconheceu que o cenário externo é menos adverso, teve um fechamento importante da taxa de juros dos Estados Unido,s e deve continuar olhando os próximos movimentos do BC americano”, comentou.

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Sobre manter o “próximas reuniões” no plural, Cabraitz analisou que foi importante para o Copom manter a credibilidade do movimento de corte de juros. “Além disso mostrar um certo incômodo com a inflação nos prazos mais longos, que está desancorada e fora da meta. Ele vê uma inflação nesse prazo de 3,2% contra uma meta de 3% no período”, afirmou.

O gestor disse ao InfoMoney que a reancoragem tem acontecido de forma lenta. “Ela aconteceu de forma uma pouco mais rápida quando a inflação tinha se descontrolado, em 2021 e meados de 2022, e desde então o BC tem feito um trabalho para ganhar novamente credibilidade e ganhar graus de liberdade para conseguir atuar com a política monetária”, lembrou.

Sobre a situação fiscal, o gestor lembrou que o Comitê tem suavizado o tom, até porque não se tinha muita expectativa sobre arcabouço e as políticas que o Ministério da Fazenda está tomando para gerar o déficit zero prometido.

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Ele argumentou, no entanto que não existe uma relação mecânica entre a política fiscal  e a política monetária. “O cenário fiscal é um fator de atenção , mas acaba não sendo um fator para a tomada de decisão do BC”, explicou.

Rafaela Vitória, economista chefe do Banco Inter, também ressaltou que o BC optou pela cautela, seguindo com a taxa Selic em patamar contracionista e considerando a ainda desancoragem das expectativas. Isso apesar da continuidade da tendência de desinflação, principalmente nas medidas mais sensíveis à política monetária, como serviços.

“A melhora no cenário externo também foi reconhecida, mas não alterou o plano de voo do Comitê. A Selic termina 2023 em 11,75%, com corte acumulado de 200 p.p. no ano, mas uma postura mais conservadora da autoridade monetária diante da melhora no cenário”, analisou

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Rafaela acredita que a política monetária deve continuar restritiva por um período ainda prolongado e que a magnitude do corte total que pode ser feito nesse ciclo segue indefinida. “Vai depender, além da já observada evolução benigna, das expectativas, mais sensíveis às mudanças na política fiscal”, disse.

No entanto, como o cenário externo agora aponta para cortes nas taxas de juros já no primeiro semestre de 2024, pode ampliar o espaço de redução na taxa Selic nesse ciclo. “Mantemos nossa projeção da taxa chegando a 9% no segundo semestre de 2024, com um viés de baixa, caso o cenário externo mais benigno se confirme o risco fiscal não se materialize”, estimou.

Já Vinicius Romano, chefe de renda fixa da Suno Research, viu no comunicado um tom de preocupação do BC com o cenário internacional, que se mostrou mais incerto que o usual, exigindo cautela na condução da política monetária.

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“Além disso, o Comitê reafirmou a importância da firme persecução das metas fiscais, as quais são essenciais para a ancoragem das expectativas de inflação e, consequentemente, para a condução da política monetária. Por fim, a autoridade monetária deve seguir no mesmo ritmo de cortes para as próximas reuniões.”

Na opinião de Eduarda Schmidt, economista da Órama, o recuo dos rendimentos dos juros de longo prazo nos EUA em relação à última reunião indica uma melhora do cenário internacional, mas a resiliência dos indicadores econômicos americanos gera incerteza em relação à trajetória que será traçada pelo Fomc..

Enquanto isso, no Brasil, a inflação vem apresentando um comportamento positivo nas últimas leituras, respondendo à segunda fase do processo de desinflação conforme esperado, com arrefecimento principalmente no preço dos serviços e da inflação subjacente. “Esse movimento é uma peça essencial para o afrouxamento da política monetária”, explicou

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Mas com expectativas de inflação ainda desancoradas, o Comitê manteve o “forward guidance” de redução dos juros na mesma magnitude nas próximas reuniões, incluindo as duas primeiras de 2024.

“Esse direcionamento nos parece acertado e é aderente com a decisão do Fomc, divulgada mais cedo desta ‘Super Quarta’. Tendo em vista os desafios relacionados à reancoragem das expectativas, um hiato do produto mais apertado e o risco de um possível descompasso com o Fed, não vemos incentivos para aceleração dos cortes no curto prazo”, comentou

Para 2024, a Órama estima uma taxa terminal de 9,50% a.a., com quatro cortes de 0,50 p.p. e um último de 0,25 p.p.

Entre o neutro e o “hawk”

João Savignon, chefe de pesquisa macroeconômica da Kínitro Capital, fez uma leitura “neutra” do comunicado pós-reunião, na medida em que confirmou os principais pontos esperados, como a sinalização do ritmo de corte de 50 bps para as próximas reuniões e que esse é o ritmo adequado para manter a política monetária contracionista necessária para o processo desinflacionário.

“Na avaliação do cenário externo, classificou como menos adverso, mas não alterou de forma significativa a sua visão. No doméstico, conforme esperado, as alterações também foram pontuais, com uma redução de 10 bps nas projeções de inflação para 2023 e 2024, mantendo inalterada a expectativa de 2025”, listou.

Leonardo Costa, economista da ASA Investments, por sua vez, definiu o comunicado entre o  “neutro e o modestamente nawk”. “Ainda apostamos em redução de 0,75% na reunião de janeiro. Contudo, o risco é pela manutenção do ritmo de 0,50%. Aguardaremos a ata desta reunião, na terça-feira (19) e o relatório trimestral de inflação (no dia 21) para eventuais alterações.”

Adriana Dupita, economista sênior para a Bloomberg Economics, disse que a decisão foi sem surpresas nem dissenso e que a grande novidade veio de um tom ligeiramente mais ‘dovish’ do comunicado, ao reconhecer um ambiente global menos adverso e indicar que a inflação doméstica subjacente já se aproxima da meta.

“Não é o suficiente para estimular apostas em uma aceleração dos cortes, mas parece bastante consistente com nossa expectativa de novos cortes de meio ponto pelo menos nas três primeiras reuniões de 2024”, afirmou.

Já Felipe Queiroz,  economista chefe Associação Paulista de Supermercados (Apas) e pesquisador da Unicamp, comentou que a manutenção do ciclo redução da taxa Selic é fundamental para que a economia brasileira não perca o dinamismo. E que também é importante para, diante do cenário mais restritivo em 2024, estimular tanto o consumo das famílias quanto os investimentos.

“A atual conjuntura geopolítica internacional, com guerras que envolvem, direta e indiretamente, importantes atores do cenário global, amplia as incertezas sobre a economia e a paz mundial. Dentro desse cenário, a Apas entende que o Banco Central deve seguir atento aos impactos das guerras no Oriente Médio e na região eurasiana sobre o comportamento dos preços tanto em cenário global quanto doméstico e da atividade doméstica”, afirmou.

Internamente, Queiroz acredita que a menor pressão inflacionária, ratificada tanto pelo IPCA como Índice de Preços do Setor Supermercadista (IPS), e o ritmo da atividade econômica doméstica possibilitam que o Copom mantenha o ciclo de queda da Selic sem o comprometimento dos fundamentos econômicos e da meta de inflação determinada para o ano corrente. Para 2024, a Apas projeta que a Selic encerre em 9,00% a.a.

Para Débora Nogueira, economista-chefe da Tenax Capital, a opção do Copom de manter “forward guidance” está em consonância com uma autoridade monetária que, no momento, evita alimentar a perspectiva de aceleração no ritmo de cortes.

“Por outro lado, o parágrafo sobre a inflação corrente revelou uma mudança significativa, além de nossas expectativas. Apesar da elevada inflação interanual, o comentário enfatizou a evolução benigna das apurações mais recentes, chegando a afirmar que as medidas de inflação subjacente se aproximam da meta para a inflação. Se a percepção é que as medidas de núcleo estão se aproximando da meta, isso também sugere que o BC está reavaliando o grau necessário de restrição adequado ao final do ciclo”, explicou.

Inicialmente, a Tenax tinha uma projeção de Selic terminal em 9,5%, mas os eventos de hoje levaram a uma revisão para algo entre 8,5% e 9,0%.

Marco Caruso, economista-chefe do PicPay, acredita que as principais alterações no comunicado são muito mais na parte externa, mostrando que existe uma melhora na queda de núcleo da inflação. “Mas, até nesse reconhecimento, o comunicado é conservador. Essa melhora na inflação de fora é classificada como ‘incipiente’, reforçando que permanece ainda em níveis altos e exige cautela.”

Para o economista, o Comitê reconhece, de certa forma, com alguma timidez, a melhora da inflação aqui, ao destacar que as medidas de inflação subjacentes estão se aproximando da meta nas últimas divulgações mais recentes.

Ele definiu a comunicação como praticamente um “copia e cola” da anterior. “Inclusive, em relação à grande discussão sobre a manutenção do ‘guidance’ de antever reduções de 0,50 pp nas próximas reuniões, no plural, o trecho foi preservado. Dessa forma, o Comitê não abriu nenhum espaço para a discussão de uma eventual aceleração do ritmo de cortes.”