Desinflação mantém velocidades diferentes, mas quadro geral é benigno, dizem economistas

Apesar de núcleos e serviços dentro do IPCA terem causado "desconforto" em dezembro, projeções de desaceleração não mudam para 2024

Roberto de Lira

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Ainda que a divulgação do IPCA de dezembro tenha trazido surpresas de alta inesperadas, especialmente nas medidas de núcleos e nos serviços subjacentes, as projeções para 2024 apontam que não está acontecendo uma mudança na tendência de desinflação que marcou o ano passado. Economistas consultados pelo InfoMoney veem pressões sazonais e localizadas, mas nada que possa interferir na política monetária mais flexível adotada pelo Banco Central.

Um alerta é que os preços dos serviços carregam um forte componente inercial e de reajustes automáticos, o que explica as diferentes velocidades na desinflação nos grupos de preços.

A inflação de bens, por exemplo, respondeu bem antes e em maior intensidade à política contracionista do BC, enquanto outros preços foram responsáveis pelo desconforto da semana passada, quando o IBGE divulgou o indicador oficial do final do ano.

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Mesmo com essa diferença de ritmo se mantendo, Andrea Damico, economista chefe da Armor Capital, está otimista com o comportamento da inflação em 2024. “Os serviços, de fato, estão surpreendendo para cima. E gente vê o mês de janeiro com os serviços subjacentes ainda pressionados. Mas quando se desagregam alguns serviços ali dentro dos subjacentes, a gente mantém a convicção de que vai desacelerar”, comenta.

A projeção, portanto, é que essa parte de serviços na inflação está e vai continuar mais lenta em sua desaceleração, com a ocorrência de alguma interrupções de tendência, ou ruídos no meio do caminho da desinflação, mas ela diz continuar acreditando que, a partir de fevereiro, devem ser divulgados números melhores, tanto para serviços subjacentes como para os núcleos.

Principal desafio

André Nunes de Nunes, economista-chefe do Sicredi, concorda que a inflação do grupo de serviços é o principal desafio para a inflação retornar à meta. “Após a desaceleração significativa vista ao longo de 2023, com a inflação de serviços passando de 7,6% para 6,2%, e a de subjacentes, de forma ainda mais surpreende, de 8,9% para 4,8%, esperamos que a lentidão característica desse grupo se faça mais presente em 2024”, estima.

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A estimativa do Sicredi é que a inflação de serviços feche 2024 em 4,8%, enquanto a de subjacentes ficará em 4,1%, ou seja, uma desinflação mais tímida em comparação ao movimento visto em 2023.

Alex Agostini, economista chefe da Austin Rating, por sua vez, destaca que os serviços e os preços subjacentes formam um setor que recebe um peso muito grande com relação à inércia inflacionária.

Ele explica que, embora parte desses preços obedeçam à natural relação entre oferta e demanda, como alguns serviços pessoais, uma parte importante deles sofre o efeito inercial da inflação, com os prestadores de serviços praticando reajustes pela inflação passada, mesmo que seus custos não tenha subido na mesma proporção.

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Já os bens industriais têm uma relação diferente, diz. Primeiro com a variação cambial: uma boa parcela dos insumos dos bens industriais tem uma relação muito sensível ao câmbio. “E tem uma outra parcela sensíveis aos preços de commodities. Já os serviços e os subjacentes são imunes a essa condição.”

Agostini diz que tudo isso faz parte da “memória inflacionária” do Brasil. Uma prova desses aspecto cultural, é a manutenção de reajustes automáticos de preços monitorados. “Se mudasse essa questão de monitorados, a gente conseguiria, por inércia, mudar a questão também de serviços e de serviços subjacentes”, afirma.

Dadas essa visões mais benignas para a inflação, é natural que se pense numa aceleração no ritmo de cortes da Selic pelo BC. Para Damico, o que poderia eventualmente atrapalhar uma aceleração do “pace” é a inflação corrente não desacelerar como o esperado a partir de fevereiro e uma indesejada discussão sobre mudança da meta fiscal em março.

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“Se for mudada, isso pode ter impacto em prêmio de risco e atrapalhar um pouco a visão mais construtiva estrutural para o câmbio que a gente está vendo para março”, afirma.

Agostini , por sua vez, pondera que, ainda que os juros estejam caindo, só vão atingir um nível capaz de estimular a economia quando chegarem a 9%. “Até lá, a gente está no campo contracionista.”